sexta-feira, 17 de abril de 2009

"SE EU FOSSE VOCÊ" (2005). Direção: Daniel Filho


“Quem diz que dinheiro não compra felicidade é porque não sabe o endereço da loja”: é com frases desse tipo que a personagem vivida por Glória Menezes assume-se rapidamente como instância normatizadora do filme, ou seja, como a pessoa responsável pela condução visivelmente antiética do roteiro. Descaradamente plagiado de uma vasta tradição hollywoodiana na produção de comédias sobre trocas de corpos [que se revela mais como mantenedora perpétua de ejetores ideológico-moralistas do que necessariamente como proporcionadora de diversão], “Se Eu Fosse Você” abandona, ainda nos 10 minutos iniciais de projeção, o único elemento que poderia transformá-lo num produto (anti)cinematográfico minimamente risível, elemento este que diz respeito justamente à comicidade inevitável que advém da inusitada situação que acomete o casal protagonista. Ao invés dessa comicidade, porém, os roteiristas escalados por Daniel Filho optam por engendrar um ridículo inventário ditatorial de costumes burgueses, favorecendo a construção de personagens estereotípicos absolutamente fúteis, cujas maiores preocupações existenciais estão em saturar o mercado publicitário com mais campanhas em que a sexualidade feminina seja banalizada, suportar o insistente assédio telefônico de uma mãe milionária, e convencer a filha adolescente a estudar na Europa, com o intuito de que a mesma “valorize as oportunidades que a vida lhe deu”. Diante da ignomínia feroz deste ponto de partida, é uma tarefa assaz balda adivinhar quais comportamentos personalísticos teriam sido modificados após a inversão sexual que compõe o mote central do enredo...


Falando-se novamente no principal mote enredístico de “Se Eu Fosse Você” (a troca de corpos e, conseqüentemente, de funções sociais desenvolvidas pelo casal protagonista), há de se lamentar demoradamente que a inverossimilhança seja o menor de seus problemas. Malgrado as famosas convenções espectatoriais de comédia permitirem a concretização desse tipo de situação fantástica – o que torna dispensável a justificação astrológica da seqüência de abertura –, o filme opta pela extrema ridicularização involuntária de comportamentos típicos da elite aquisitiva brasileira, investindo fortemente na provável identificação risória com facções da platéia que compartilham (ou intentam compartilhar) os benefícios classistas deslindados na trama. Porém, esta mesma identificação risória implica numa imperdoável caricaturização dos papéis familiares e profissionais supostamente distintos que são desempenhados por homens e mulheres na sociedade contemporânea. Nesse sentido, cenas como aquela em que, para provar à sua melhor amiga médica que está presa no corpo de seu marido, Helena começa a dançar ao som de “Perigosa” subestimam desavergonhadamente o entendimento já superficial do espectador, visto que se utiliza de uma música não-diegética com óbvias funções alienatórias. Tal subestimação, inclusive, pode ser também percebida quando Helena, ainda presa no corpo de Cláudio, apresenta a campanha de ‘lingerie’ que compusera a uma possível cliente, de modo que a previsível resposta conciliativa desta última é antecipada por um suspense ruidoso absolutamente pleonástico.


No que se refere à correspondência técnica das anormalidades contidas na trama, resta dizer que Tony Ramos serve-se bem da estereotipia efeminada que pulula em sua personagem, ao passo que Glória Pires, Patrícia Pillar e o restante do opaco elenco não fazem mais do que enganarem o espectador enquanto desgastados chamarizes epidérmicos. O mesmo, entretanto, não pode ser estendido à atriz Maria Gladys, visto que esta, ao personificar uma empregada doméstica que se intromete sobremaneira na vida pessoal de seus patrões, autoriza uma deprimente avacalhação da falta de ideais vitalícios da classe proletária, no sentido de que a única impressão de autoridade que a empregada doméstica Cida pode desfrutar é a recusa em vestir um uniforme ridículo na festa de aniversário de seu patrão!


Parágrafo conclusivo: já que o roteiro de “Se Eu Fosse Você” não tem sequer força suficiente para se tornar uma comédia romântica rasteira sobre as diferenças individuais que legitimam o equilíbrio de um matrimônio e, ao invés disso, prefere se assumir como um relato comemorativo da derrocada dos valores artísticos nas classes populares, vale repetir aqui a ilação atemorizadora de que a personagem de Glória Menezes é, sim, a tipificação personalizada com maior influência normativa no filme. Afinal de contas, é ela quem compra a empresa publicitária em que seu genro trabalha, é ela quem apazigua muitos dos conflitos surgidos na família de sua filha e é ela quem proclama que “mulher não nasceu para fazer terapia. Mulher nasceu para fazer compras”. Mais aterrorizante do que esta declaração, só mesmo a repetição, nos créditos finais, do assassinamento póstumo que o músico Guto Graça Mello comete em relação à obra magistral de Ludwig van Beethoven. Difícil (e insalubre) é continuar mantendo esperanças humorísticas em determinados produtos culturais de massa após a audiência a este filme, visto que, ao contrário do que acontece com a maioria quantitativa dos espectadores, a hipervalorização falsificada desta obra enquanto produção identitária nacional quase nos faz sentir vergonha de sermos brasileiros!

Wesley PC>