quarta-feira, 20 de outubro de 2010

COMER, REZAR, AMAR ('Eat, Pray, Love') EUA, 2010. Direção; Ryan Murphy

Apesar de ter dirigido um filme estruturalmente desengonçado [“Correndo com Tesouras” (2006)] que recebeu divulgação elogiosa por parte da crítica especializada em razão da boa condução de atores, Ryan Murphy é melhor conhecido como o bem-sucedido criador e roteirista das séries televisivas “Nip/Tuck” e “Glee”, uma com enfoque adulto e a outra direcionada ao público infanto-juvenil. Ambas merecem crédito laudatório pelo êxito estabelecido com determinados públicos-alvo, previamente sujeitos à identificação marginal, no que concerne aos temas-tabus que são discutidos em seus episódios. Tanto uma como a outra série dispuseram de bons pontos de partida enredísticos, mas foram se desgastando à medida que se estenderam por mais de uma temporada, em razão de um aspecto fundamentalmente nocivo: Ryan Murphy, enquanto criador e roteirista, não demonstra pulso forte no que tange à fidelidade conceptual de suas personagens, concentrando sua vocação espectatorial na hipnose decorrente da exposição tentadora de estratagemas de consumo. É nesse contexto que “Comer, Rezar, Amar” surge, enquanto uma conjunção de práticas tão pormenorizadamente estudadas que os três verbos do título poderiam ser simplesmente substituídos por “comprar” ou “gastar”.

Dizendo de outra forma: este tipo de filme, cada vez mais comum na onda “femininista” hollywoodiana atual (ou seja: retroalimentadora de papéis convencionais de feminilidade) torna irrelevante um julgamento avaliativo/qualitativo depurado, visto que ele se pretende mais funcional ou psicologicamente remediador do que necessariamente artístico, estabelecendo-se como a panacéia espúria de uma crise estabelecida pelo próprio sistema capitalista que monopoliza as ações dos personagens, mas que nunca é efetivamente questionado enquanto implementador dos problemas de relacionamento familiar e social abordados.
Senão, vejamos: ainda na primeira cena do filme, quando somos apresentados à protagonista Liz Gilbert, interpretada por Julia Roberts a partir de uma estória de vida real, ouvimo-la comentar sobre o trabalho de uma amiga, que realiza atividades de assistência social com imigrantes cambojanos. Destacando que estes imigrantes ilegais enfrentaram sofrimentos variados em seu país de origem, desde perseguições políticas até miséria e efeitos de guerra civil propriamente ditos, a protagonista se antecipa em dizer que, para além de todas estas compreensíveis reclamações, quando os mesmos vão listar seus problemas no consultório de sua amiga, as desilusões amorosas são os principais assuntos de seus depoimentos lamentosos. Ou seja, numa paráfrase possível das palavras da protagonista, por mais que soframos num sentido macrológico, tudo é esquecível diante de problemas amorosos, conclusão esta que autoriza que uma amiga dela ateste que redecorar a cozinha ou entoar um mantra religioso “correspondem à mesma coisa, variando apenas em relação às culturas nacionais de que fazem parte”. Com isso, é estabelecido um ponto nodal de caracterização classista em relação ao discurso fílmico, que invalidaria a identificação genérica com o público (principalmente feminino) de vários países subdesenvolvidos e/ou culturalmente colonizados, mas este estigma de classe é prontamente diluído pelos estratagemas globalizados do enredo, que mantêm o espectador entretido com chavões depressivos e relações superficiais de coleguismo entre a protagonista e alguns habitantes da Itália, da Índia e da Indonésia.

Não por acaso, nos três países que ela visita, as motivações pessoais da protagonista para comportar-se de um dado modo são proporcionadas justamente pelas condições aquisitivas superiores de que ela dispõe, o que justifica a ridícula montagem entre a comemoração de um gol numa partida de futebol na Itália e a tentativa da personagem principal em vestir uma calça apertada, o oportuno encontro, durante uma “obrigação filantrópica”, entre ela e uma rapariga hindu prometida em casamento a um desconhecido, que fala inglês fluentemente e deseja se graduar em Psicologia, e o mutirão de cheques que ajudam uma curandeira balinesa a construir uma casa com os azulejos azuis que a filha pequena desejava.

Por mais que Liz Gilbert realmente tenha sucesso em sua jornada programada de alimentação meridional, meditação oriental e progressão aritmética namoratória, o dinheiro que ela investe em restaurantes e butiques napolitanas, nos jarros com efígies de entidades hinduístas que ela compra na Índia e na rejeição vernal do questionamento recorrente sobre conhecer um homem rico em Bali é que ditam as verdadeiras intenções – ao mesmo tempo, explícitas e sob-reptícias – do filme, no sentido mais oximórico da crise formal e empresarial que ele metonimiza.

Apesar de ser protagonizado por uma das maiores representantes atuais do ‘star system’ hollywoodiano, “Comer, Rezar, Amar” escancara um desrespeito formal aos cânones do ‘studio system’ a que este estivera atrelado noutras eras mais notórias. O que isso quer dizer? Implica em afirmar que a derivação literária de auto-ajuda do roteiro, os renitentes ‘travellings’ paisagísticos do diretor e a mediania actancial do elenco secundário não categorizam este filme como merecedor de uma avaliação positivamente cinematográfica, mas têm a intenção conjunta e prioritária de disfarçar seus cacoetes televisivos e suas dimensões publicitárias. É neste sentido que as inconvenientes declarações matrimoniais da assistente do xamã Ketut Liyer (estereotipadamente vivido por Hadi Suniyanto), a agradável trilha sonora acompanhante de Dario Marianelli e a dedicação do roqueiro Eddie Vedder na composição e interpretação da bonita canção que é executada durante os créditos finais (“Better Days”) são muito mais extensões clicherosas e formulaicas do subgênero romântico da cultura de massa do que ostensivas características deste filme em particular, que, para além de todos os seus defeitos, merece elogios por ao menos dois aspectos: o uso eficiente de ‘flashbacks’ e a ausência de julgamentos morais sobre as constantes substituições da protagonista no que tange aos três principais interesses amorosos que se manifestam no filme. Se, no primeiro caso, o melhor exemplo de efetividade está quando a protagonista lembra, sem rancor ou nostalgia impotente, das músicas que dançou em sua cerimônia de casamento, no segundo caso, as ótimas participações – e, vale a pena frisar: firmes composições personalísticas – de Billy Crudup e James Franco antecipam com elogiável dignidade a entrada em cena de Javier Bardem, menos inspirado como o brasileiro Felipe.


Tal qual acontece com “Sex and the City – O Filme” (2008, de Michael Patrick King) ou “Nosso Lar” (2010, de Wagner de Assis), para ficar apenas em dois exemplos aparentemente contrastantes, “Comer, Rezar, Amar” será lembrando menos pelo que oferece em matéria de material cinematográfico e mais, bem mais, pela funcionalidade arrebatadora no que diz respeito aos anseios evasivos da platéia, que são levados a ignorar lacunas cabais de composição discursiva intra-fílmica, como a cena em que Liz é flagrada utilizando um ‘laptop’ antes de deparar-se com o elefante que fugira de um circo na Índia ou quando a câmera focaliza em ‘close-up’ a quantidade de rúpias que ela precisa desembolsar para comprar um adesivo que designe a sua subsunção a um voto de silêncio na seita hinduísta a que se filia provisoriamente, em que a “caverna de meditação” apresentada aos turistas compõe-se na verdade, de um aposento com vários sofás, paredes de vidro e um aparelho de ar condicionado. Na pior das hipóteses, este filme é um bom retrato oficial de como os detentores do poder e de influência capitalista enxergam a globalização ao redor do mundo.

Wesley Pereira de Castro.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

TROPA DE ELITE 2 - O INIMIGO AGORA É OUTRO (Brasil, 2010) Direção: José Padilha

Num antológico artigo de 1964, em que vocifera contra a hermenêutica em prol do que chamou de “erótica da arte”, a ensaísta norte-americana Susan Sontag assevera que “nenhum de nós poderá jamais recuperar a inocência anterior a toda teoria, quando a arte não precisava de justificativa, quando ninguém perguntava o que uma obra de arte dizia porque sabia (ou pensava que sabia) o que ela realizava”. Com isto, ela quer dizer que lamenta a pletora atual de interpretações sobre obras de arte, que estão demasiado focadas em tentativas de explicação acerca de seus conteúdos, mas desdenhando as possibilidades essencialmente formais das mesmas. 46 anos depois, o mesmo texto pode ser bastante elucidativo em qualquer apreciação analítica do que representa o filme “Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro”, sujeito às mais multiformes interpretações a depender do arcabouço teórico a que seus potenciais exegetas desejem se filiar. Instaura-se, portanto, uma dificuldade inicial: para além de suas inequívocas qualidades cinematográficas, este filme possui diatribes ideológicas que podem variar de tom a depender do viés interpretativo adotado.

Optando-se inicialmente pela perspectiva narratológica, duas grandes perguntas-chave destacam-se ainda nos minutos iniciais: 1 - a narração onisciente do protagonista – o capitão do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro) Roberto Nascimento, extraordinariamente encarnado por Wagner Moura – confunde-se com o ponto de vista discursivo defendido pela equipe técnica do filme ou a instância narrativa em pauta goza apenas de uma liberdade subjetiva hipertrofiada?; 2 – a renitente propensão do protagonista em referir-se a um potencial interlocutor como “parceiro” é uma mera interpelação fática ou corresponde a uma tentativa de convencimento mais generalizada acerca do ponto de vista anteriormente questionado?

Independentemente de estas respostas conseguirem ou não ser respondidas, o filme merece ser classificado como ótimo e impetuosamente fecundo, dado que realmente ousa ao amplificar os problemas organizacionais, políticos, administrativos e policiais abordados no primeiro filme a um patamar tão gritante de corrupção e de perene ameaça aos direitos básicos do cidadão que dois diferentes tipos de cotejo com outras produções cinematográficas merecem ser evidenciados.


O primeiro destes dois tipos de cotejo diz respeito a uma comparação com as próprias obras dirigidas por José Padilha: se no primo e perturbador documentário “Ônibus 174” (2002), o que mais chamava a atenção era a abertura da temática francamente sociológica a entrevistas com vozes dissonantes, respeitando em igual medida diferentes testemunhas/participantes da sociedade civil (de policiais a transeuntes, de meninos de rua a assistentes sociais, de escritores a professores universitários especializados na obra de Michel Foucault) e em “Tropa de Elite” (2007), o que mais era elogiado (e simultaneamente criticado por alguns) era o eloqüente raciocínio julgador da narração em primeira pessoa do atormentado capitão Nascimento, em “Garapa” (2009), o diretor e roteirista denotou que não é muito bem-sucedido na apresentação de problemas característicos das classes sociais menos aquisitivas.

Neste mais recente filme, porém, o diretor José Padilha demonstra-se muito mais maduro em sua averiguação pormenorizada dos fluxogramas do crime organizado, analisando a influência disseminada dos protótipos organizacionais e institucionais, brilhantemente retratados através de suas variegadas estruturas de poder, em diálogos genéricos que sempre se referem ao ‘sistema’ como sendo um inimigo abstrato e indestrutível e em cenas sutis e inteligentemente construídas como quando uma ordem do capitão Fábio (Milhem Cortaz) é renegada por um policial iracundo com o argumento de que ele apenas obedece a ordens superiores, o que pode ser imediatamente verificado através da observação da quantidade de bustos de autoridades que são fotografadas nos quadros pendurados em seu escritório. O segundo tipo de cotejo, por sua vez, diz respeito à já comentada estrutura enredística onisciente, que traz à tona situações apresentadas nos clássicos “Z” (1969, de Costa-Gravas) e “Cassino” (1995, de Martin Scorsese). Se, no primeiro destes filmes, o que há de comum com “Tropa de Elite 2 – o Inimigo Agora é Outro” é o controle pleno da amostragem de eventos que cerceiam e fundamentam o crime organizado e a sua posterior investigação, bem-sucedida no filme, mas fracassada na não-coincidente vida real, no segundo, o ‘modus operandi’ mui particular de Martin Scorsese acerca do quão interferentes são as angústias e insatisfações amorosas de outrem em seus atos profissionais revela-se, quando instaurado no filme mais recente, maravilhosamente exemplar, justificando no bom roteiro de Bráulio Mantovani e Paulo Padilha a crescente irritação mútua, tendente à inevitável colaboração empregatícia, entre o capitão Nascimento e seu arquiinimigo ideológico, o ativista dos direitos humanos Diogo Fraga (convencionalmente vivido por Irandhir Santos).

Só por estas duas menções referenciais, este filme já disporia de suficientes elementos para ser considerado uma peça elogiável da cinematografia brasileira contemporânea, mas o debate de idéias que ele fomenta permite que esbocemos novas considerações sobre seus intentos extra-mercadológicos.


Indo de encontro às admoestações ferrenhas de Susan Sontag, que acrescenta que a interpretação conteudística viola a arte, no sentido de que torna a mesma “um artigo de uso, a ser encaixado num esquema mental de categorias”, convém acrescentar que, se o roteirista Bráulio Mantovani e seu parceiro Paulo Padilha não são necessariamente originais em sua abordagem ousada das tramóias administrativas e institucionais de um organograma longevamente marcado pela corrupção consuetudinária, há de se levar em consideração que este tipo de pungente denúncia contra os conchavos malévolos dos dirigentes políticos brasileiros é inusual no tipo de filme destinado às grandes bilheterias deste país, conforme é evidenciado pela presença da Globo Filmes entre os co-produtores. Pergunta-se: que interesses estariam por detrás desta súbita revelação, em comparação com uma cena-chave do filme, em que um estereotipado deputado e apresentador televisivo (André Mattos, numa atuação realmente verossímil) critica outro deputado por estar realizando investigações em ano eleitoral, quando este filme foi lançado e divulgado justamente no mês-chave para a decisão da campanha presidencial no Brasil? A descoberta de algum tipo escuso de interesses invalidaria as qualidades intrínsecas e valorativamente denuncistas da obra? Talvez não.

Isso porque, da mesma forma que acontece nos exemplos de onisciência narrativa emulados, José Padilha serve-se de um compêndio de recursos pragmático-formais, levado a cabo tanto por Costa-Gravas quanto por Martin Scorsese, em que a montagem frenética, o contraponto imagético-antitético de ações personalísticas e as comparações de efeito no viés político-partidário são particularmente funcionais, conforme bem demonstram as atuações homogêneas do bom corpo actancial (elogio à parte para a breve e intimidadora caracterização de Seu Jorge como um líder narcotraficante), a montagem sempre eficiente de Daniel Rezende (sem duvida, o maior especialista brasileiro contemporâneo no tipo de efeito sensorialmente perturbador pelo qual o filme anseia) e, venhamos e convenhamos, pela narração ferozmente íntima de Wagner Moura, que não somente justifica muito bem a impotência resolutiva infelizmente associada ao subtítulo do filme como também abre espaço para que uma mui relevante discussão entre a abolição/determinação das fronteiras entre os ditames públicos e particulares das causas profissionais sejam levadas em consideração quando posta em prática um dada investigação, o que, por sua vez, é talentosamente metonimizado em seqüências como aquela em que ele é tachado de moralista quando fica enraivecido ao descobrir que seu filho fora preso com uma grande quantidade de maconha ou quando ele é indiciado por grampear sem autorização o telefone do deputado que calha de ser também marido de sua ex-mulher, sendo ele acusado de manter seus interesses policiais em segundo plano diante da alegação de que ele estaria enciumado.


Ao final do filme, portanto, há uma desmistificação do discurso verbalmente desgastado em prol das falácias democráticas, visto que o ficcional e corrompido governador do Rio de Janeiro é mostrado comemorando mais quatro anos de mandato eleitoral, as acusações do ativista Diogo Fraga contra um secretário ostensivamente mal-intencionado são subjugadas pelas condições “democráticas” do escrutínio do mesmo e as oportunistas imagens do Congresso Nacional em Brasília-DF, na seqüência que antecede o final insistem em advertir o espectador de que os fomentadores da corrupção em escala macrológica são de alta relevância política, o que explica por que “entra governo e sai governo, o sistema continua invencível, articulando-se em novas frentes e submetendo-se a novos interesses”.

Quando, portanto, a montagem do filme alinha uma série de assassinatos, “queimas de arquivo” e exonerações tangenciais no que diz respeito às novas articulações de poder condenadas pelo Capitão Nascimento, para mostrar, em seguida, este mesmo personagem comemorando tensamente o despertar de seu filho adolescente, que fora baleado gravemente nos rins e encontrava-se internado na Unidade de Terapia Intensiva de um hospital, a mensagem do filme, torna bastante evidente: “haja o que houver, faça a sua parte”. Tal mensagem, aliás, é ainda mais legitimada pela letra do ‘funk’ que MC Leonardo compõe e interpreta durante os créditos finais, em que, sob o título “Tá Tudo Errado”, ele arrazoa: “Sinceramente não tenho a saída de como devia tal ciclo parar/ Mas do jeito que estão nos tratando, só estão ajudando esse mal a se alastrar/ Morre polícia, morre vagabundo e, no mesmo segundo, outro vem ocupar/ (...)/ Agora amigo, o papo é contigo, só um aviso pra finalizar: o futuro da favela depende do fruto que tu for plantar”. Não somente da favela, acrescenta José Padilha, demonstrando que todos nós temos um infinitésimo, porém definitivo, papel enquanto retroalimentadores do sistema de violência e corrupção denunciado numa cena inicial pelo professor de História Diogo Fraga, que, apesar de seus atropelos estatísticos e de seus desvios aplicativos dos Direitos Humanos Universais, insistentemente criticados por seu rival ideológico Roberto Nascimento, tem razão quando contesta o elogio armamentista aos assassinatos justiceiros que está embutido no símbolo e no jargão atacante do BOPE, que “mata um, mata geral”, conforme está dubiamente contido no refrão do sinistro tema cantado na abertura do filme pela desenxabida banda de ‘rock’ Tihuana. E, por mais que as críticas sobre este filme tendam muito mais a demonstrarem o que ele significa do que o que ele formalmente representa, o recado é dado: cada opção de pôr a câmera num determinado lugar e não noutro ou de mostrar um personagem falando algo e não outro é provida de sentido e interesses difusos.


Cabe ao receptor audiovisual destas mensagens fazer a sua parte na divulgação debatedora de seus pontos de vista éticos, políticos ou puramente hermenêuticos. Por mais inócuo que isto pareça dentro da catastrófica situação apresentada pelo protagonista ou do abrangente organograma criminal que se descortina diante de nossas sensibilidades espectatoriais, Cinema é também uma potente – e mui perigosa, em mãos e mentes desonestas – ferramenta de (re/des)construção moral!

Wesley Pereira de Castro.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

GENTE GRANDE ('Grown Ups') EUA, 2010. Direção: Dennis Dugan

Se John Hughes ainda estivesse vivo e realizasse um filme sobre a maturidade etária de seus personagens, como seria o tipo de humor adotado nesta produção hipotética? O interessantíssimo roteiro de Fred Wolf e do protagonista Adam Sandler responde muito bem a esta pergunta, contando com atuações surpreendentemente maduras de um elenco acostumado a um estilo humorístico tão escatológico quanto epidérmico. Em “Gente Grande”, para nosso sobressalto, as poucas limitações actanciais ficam a cargo de David Spade, que está irritante como o solteirão Marcus Higgins, o que talvez seja um efeito proposital, que dignifica minimamente a sua função contrastante à seriedade inaudita e benfazeja dos ótimos personagens de Adam Sandler (Lenny), Chris Rock (Kurt), Kevin James (Eric) e, principalmente, Rob Schneider (Rob), que tinha tudo para recair numa interpretação caricata, mas dota seu personagem de uma verossimilhança escandalosa.

Não é por acaso, portanto, que, graças a um insulto descontrolado deste último personagem que a ótima Joyce van Patten (intérprete de Gloria, sua esposa hiponga e envelhecida) profere aquela que talvez seja a moral do filme: “do amor, vem a hostilidade”, apelo delicado à tolerância e às concessões maritais que encontra eco na convencional seqüência do jogo de basquete, que surpreende por inverter positivamente esta moral (ou seja, da hostilidade, também pode vir o entendimento) ao mostrar o protagonista errando de propósito uma enterrada a fim de permitir que seus rivais socialmente desintegrados possam ganhar ao menos um jogo em suas vidas. Quando perguntado por sua esposa sobre o porquê de ter feito isso, a resposta é taxativa: “eles precisavam ganhar ao menos uma vez. E nossa família tem que aprender a perder um pouco”. Tal qual acontecia nos bons tempos hughesianos, Hollywood voltou a enfrentar com delicadeza indisfarçada a inevitável luta de classes travestida em nostalgia. Ao final da sessão, portanto, mesmo estando diante de uma comédia que beira o pastelão, o espectador que beira os trinta anos de idade se sente tentado a derramar uma ou duas lágrimas de identificação...


A fim de que a dramaticidade elogiosa do filme pudesse ser efetivada, alguns aspectos também caros ao estilo hughesiano foram de vital importância, como o flerte com subgêneros cômicos consagrados, a observação percuciente dos costumes tipicamente norte-americanos e a trilha sonora coerente. Com exceção do pleonástico acompanhamento sonoro de Rupert Gregson-Williams, a seleção de canções deste filme é composta primordialmente por faixas setentistas ou oitentistas de bandas de ‘rock’ que, com certeza, eram apreciadas pelos personagens, merecendo destaque as execuções mui pertinentes de “Escape (The Piña Colada Song)” (de Rupert Holmes, clássico ‘kitsch’ que é reproduzido quando as belas filhas de Rob entram em cena) e de “Stan the Man” (composta e emocionalmente interpretada pelo próprio Adam Sandler durante os créditos finais, e cuja letra emula bem o clima consolador do filme).

No que tange à observação minuciosa da configuração hodierna e internamente problemática do ‘american way of life’, não somente esta última canção citada é pertinente, como a descrição de algumas cenas esquematicamente críticas e comicamente bem-sucedidas: a apresentação da abastada família Feder, quando vemos os filhos de Lenny enviarem torpedos de celular à babá da família, pedindo que a mesma traga-lhes chocolate quente; as reações de espanto que tomam os personagens sempre que o caçula da família Lamonsoff insiste em mamar no peito de sua mãe, aos quatro anos de idade; o riso não-contido quando Rob canta “Ave Maria” de forma histriônica no funeral de seu treinador de basquetebol; a graciosa seqüência em que a rica e hispânica Roxanne Chase-Feder (Salma Hayek) desiste de viajar para a Itália quando percebe que seus filhos estão a brincar no lago pela primeira vez; e o hilário momento em que os cinco amigos de adolescência são flagrados urinando numa piscina. Porém, a análise estendida de duas outras seqüências é ainda mais relevante no plano defensável da sinceridade enredística e micro-sociológica deste filme.


Num momento central do reencontro entre os amigos, eles resolvem participar de um jogo que consiste em atirar uma flecha para cima e depois verificar quem permaneceria por mais tempo no local em que a mesma iria cair. Enquanto o personagem de Rob Schneider queda-se no centro, orando, os demais personagens correm em várias direções, em câmera lenta e, aos poucos, passam a ser vitimados por quedas espalhafatosas (um deles bate num tronco, outro cai de cabeça num amontoado de fezes, etc.), sendo que a flecha finalmente atinge o pé do personagem que permanecera parado, ao passo em que o espectador era conduzido a se preocupar com um cachorro abandonado entre os cinco amigos. Apesar de ser destinada a provocar gargalhadas de um público acostumado a este tipo de riso humilhante, esta seqüência demorada extravasa a dificuldade em manter-se fiel a uma dada tendência genérica no atabalhoado cinema atual. Num momento posterior, vemos os personagens estendendo uma bandeira estadunidense à contraluz (afinal, é 4 de julho!) e o personagem de Adam Sandler aproveita a oportunidade para pedir à sua filha que liberte um pássaro convalescente, dizendo que este seria o momento ideal para celebrar a liberdade do mesmo, discurso este que não soa de todo pedante, ao contrário do que sói acontecer com qualquer citação democrática no cinema após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Com apenas estas duas seqüências-chave, “Gente Grande” promulgaria um regresso benévolo à simplicidade temática dos velhos tempos, mas ele é ainda mais agradável e comovente em seus 102 minutos de projeção...


Apesar de seus evidentes defeitos (a saber, a já citada trilha sonora redundante de Rupert Gregson-Williams, a forçação de barra envolvendo a doçura da pequena Alexys Nycole Sanchez e a incômoda presença em cena, intra e extra-diegeticamente, de David Spade), “Gente Grande” possui virtudes tão efetivas e em franco e lamentável desaparecimento no atual gênero cômico hollywoodiano que o diretor Dennis Dugan merece ser aqui redimido dos péssimos exemplos morais que levara a cabo em filmes como “O Pestinha” (1990), “Um Maluco no Golfe” (1996) ou “O Paizão” (1999) e ser merecedor de atenção redobrada em filmes sinopticamente espirituosos – mas ainda não-vistos – como “Mulher Infernal” (2001), “Eu os Declaro Marido e... Larry” (2007) e “Zohan – O Agente Bom de Corte” (2008).

Um elogio sincero e repetido deve ser direcionado ao roteiro, que evita os clichês do gênero com louvor (tudo bem, os flatos e infecções podológicas da sogra do personagem de Kurt são uma exceção!) e consegue emocionar o espectador de forma inesperada, num filme que, se olharmos bem, é até discreto diante da responsabilidade grandiloqüente a que se submeteu: retratar os ‘kidults’ como sendo conseqüências de um contexto socioeconômico irregularmente bem-sucedido, que tem na própria configuração sistemática e empresarial deste tipo de filme – do qual o protagonista é mais do que um simples alter-ego – um dos principais culpados.

Wesley Pereira de Castro.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

NOSSO LAR. Brasil, 2010. Direção: Wagner de Assis.

Existe uma crônica de Akira Kurosawa em que este conceituado diretor japonês vale-se das especulações de seu neto infantil sobre a similaridade do cachorro da família com vários animais (mas que, afinal de contas, parece mesmo com um cachorro!) para defender que, apesar de mesclar características concernentes às demais artes, cinema é sempre Cinema, por mais tautológica que esta (in)definição pareça.

Pois bem, diante de “Nosso Lar”, os questionamentos advindos de tal confusão conceptual assumem a gravidade de um oxímoro: o que é realmente um filme? Onde termina um aspecto fílmico e começa o discurso religioso propagandístico? É lícito adotar este tipo de questionamento numa crítica cinematográfica genérica? Um cotejo imediato com experiências mais gritantes no plano ideológico-discursivo – a saber, o cinema socialista soviético das décadas de 1920 e 1930 e os filmes anti-semitas produzidos sob o jugo do ministro alemão Joseph Goebbels – possibilita que identifiquemos nesta mais recente superprodução da Globo Filmes um grave déficit técnico-narrativo: se aqueles beneficiavam-se de ricas experiências envolvendo montagem de fotogramas ou decodificação simbólica de metáforas preconceituosas, respectivamente, este peca pela completa subsunção à doutrina kardecista, repleta de contradições discursivas que, para além de serem credíveis ou não, esbarram na acepção mais essencialmente bíblica do termo dogma, entendido como sendo uma explicação mitológica para as dúvidas eternas da Existência, ostensivamente embasada em lacunas incapazes de serem julgadas pelos esquemas científicos tradicionais.

Em outras palavras: “Nosso Lar” é um filme que vai de encontro a ideais pretensamente analíticos de apreciação cinematográfica, relacionados ao arcabouço referencial do espectador e à sua disponibilidade em acompanhar uma simples estória humana, e depende justamente da apreciação subjetiva e aderente do mesmo aos caracteres dogmáticos ali apresentados. Não quer ser filme, quer ser doutrina. E isto é, definitivamente, um problema!


No plano narrativo primário, “Nosso Lar” conta a história real (ou assim apresentada como tal) do médico André Luiz (Renato Prieto), que falece devido a complicações cardíacas e acorda num umbral para pecadores, onde é submetido a todo tipo de provações e sofrimentos, até ser resgatado por figuras iluminadas, que o conduzem ao recanto curativo do título, um paliativo celestial em que as almas dos falecidos aguardam o momento de reencarnarem na Terra, enquanto amadurecem seus desígnios morais e aprendem a esquecer as pendências de vidas passadas.

Se o roteiro do próprio diretor, baseado num livro comercialmente bem-sucedido psicografado pelo médium Chico Xavier, estivesse efetivamente focado nesta condução tramática, o filme seria assaz interessante e entretido, mas, no plano narrativo secundário (e dominante), frases de efeito enaltecendo o kardecismo são despejadas segundo após segundo, muitas vezes associadas a contradições gritantes e racionalmente inaceitáveis. Senão, vejamos: se as almas que estão voluntariamente confinadas no paraíso reconstituído no filme abandonam quaisquer resquícios de suas vidas anteriores, porque permanecem com seus formatos terrenos no local representado?

Se a vida na Terra é que é uma “cópia” daquele lugar, porque os hospitais precisam ser identificados com placas que indicam o número da ala em que os internos se encontram? Se, oficialmente, o conhecimento teológico é onisciente e a bondade é universalmente disseminada, qual a necessidade de tantos sub-ministérios ou de tantas minúcias burocráticas no retorno para a Terra ou na comunicação com os parentes mortos ou ainda vivos? Talvez estas respostas dependam de uma profissão de fé que transcende – e muito! – as especificidades desta resenha.


Apesar de a direção de arte ser um digno chamariz e de a trilha sonora de Philip Glass adotar os acordes ‘in crescendo’ que o tornaram célebre e atrelado a um estilo facilmente reconhecível de composição erudita, a direção do filme é frouxa, o roteiro é infiel aos seus próprios parâmetros e o elenco é ruim, não porque os atores assim também o sejam, mas porque estes mais recitam uma planilha moralizante do que efetivamente atuam, visto que eles comportam-se como se estivessem num púlpito midiático e não num cenário cinematográfico.

No que tange à demonstração destes defeitos, um exemplo singular permite a fácil constatação: quando André Luiz chega a Nosso Lar, ele é obrigado a ficar completamente dependente das respostas e admoestações concedidas pelo diligente Lísias (Fernando Alves Pinto, numa das poucas interpretações inicialmente convincentes do filme), bastante firme em suas pregações, aliás, mas, quando a mãe deste último (vivida por Ana Rosa, convincente como de costume) emigra novamente para a Terra, é ele quem depende do auxilio consolador e aconselhador de André.

Porém, vários são os clichês bem-aventurados que saturam este filme, dado que podemos enumerar também: a pletora suspeita, oportunista e não necessariamente inclusiva, de ícones religiosos na sala do Governador (Othon Bastos), a estereotipia indumentária dos judeus que chegam a Nosso Lar depois que são mortos por causa da II Guerra Mundial, a impostação supra-caridosa e xaroposa que satura os pronunciamentos vocais dos personagens e a montagem um tanto equivocada – em razão de seu pretenso julgamento avaliativo de caráter – entre os vários estágios da(s) vida(s) de André Luiz.


Para além, portanto, da modorra ou do bem-estar de recepção narrativa que este filme possa causar a diferentes tipos de espectadores, é patente no mesmo o desejo de convertê-los ao espiritismo e não somente mantê-lo entretido por 102 minutos. Ou seja, apesar de ser virtuoso em mais de um aspecto relacionado à sua própria constituição cinematográfica (fotografia, linearidade enredística, trilha sonora), “Nosso Lar” não ultrapassa seus direcionamentos hagiográficos forçosos e, como tal, soçobra esteticamente em razão de sua assunção extremada de propósitos. Pena... Mas, definitivamente, é mui válido (e carente de observação cuidadosa) enquanto tentativa!

Wesley Pereira de Castro.

sábado, 2 de outubro de 2010

O ÚLTIMO EXORCISMO ('The Lst Exorcism') EUA, 2010. Direção: Daniel Stamm

Para além de ser um filme bom ou ruim (e ele é quase unanimemente péssimo), “O Último Exorcismo” é um filme que escancara uma crise. Uma crise que, na verdade, é um somatório de várias crises globalizadas e manifesta-se no cinema enquanto estertor ideológico, tendo em “A Vila” (2004, de M. Night Shyamalan) o seu pólo positivo e neste filme mais recente o nadir decadente. Dizendo de outra forma: ambos os filmes abordam um tema similar, os questionamentos metalingüísticos acerca da necessidade que alguns indivíduos demonstram no que tange à retroalimentação de um medo sentido por algo que, oficialmente, não deve causar medo, por ser esquemático e artificial, mas, ainda assim, não somente causa como é também repassado a outrem. E, por desafiar até mesmo as convenções mais descaradas da irracionalidade, este medo estimulado com base em artifícios devidamente anunciados serve a interesses específicos de uma classe em voga ou de algum indivíduo em posição de poder, que assim visa manter a sua superioridade simbólica embasada no terror.

Se, em “A Vila”, a manutenção deste poderio simbólico estava atrelado aos anseios de uma comunidade de intelectuais traumatizados com o excesso de violência urbana que, como tal, forjam a existência de violentas entidades que circunvizinhavam o vilarejo propositalmente anacrônico em que residiam a fim de impedir que as gerações futuras desvendem a farsa utópica que engendrou a construção do reduto, em “O Último Exorcismo”, as intenções são bem menos nobres. São vergonhosamente oportunistas, aliás, tanto na forma quanto no conteúdo, o que torna imprescindível uma avaliação mais detida e, pelo caráter avassaladoramente formulaico do filme, paralelamente dispensável.


Tal qual acontecera em sucessos recentes de bilheteria como “A Bruxa de Blair” (1999, de Daniel Myrick & Eduardo Sánchez), “Mar Aberto” (2005, de Chris Kentis), “[REC]” (2007, de Jaume Balagueró & Paco Plaza) e “Atividade Paranormal” (2007, de Olen Peli), para ficar em apenas quatro exemplos conhecidos, “O Último Exorcismo” pretende extrair seu charme da simulação aterrorizante de que as imagens videográficas apresentadas enquanto filme seriam reais. Ao contrário dos quatro exemplos mais célebres, porém, “O Último Exorcismo” é uma lamentável coleção de equívocos. Para começar, a opção por ceder a “narração” do filme a um religioso que duvida de sua própria fé, transmitida para ele através de gerações, faz com que suspeitemos de imediato dos intentos anticlericais tendenciosos do roteiro, que, à medida que se aproxima do final, mostra-se mais e mais crédulo e subserviente aos ditames supersticiosos que fingiu combater no início, ao caracterizar o exorcista como sendo um homem espirituoso e com habilidades de prestidigitador, sendo que a evidenciação de alguns destes truques durante o processo de catarse psicológica das farsas exorcizantes revelam-se como alguns dos aspectos mais contraditórios e efetivamente falhos do filme. Contraditórios porque abrem espaço para o absoluto desbunde narrativo que se manifesta na meia-hora final, e efetivamente falhos porque, apesar de se mostrarem uma ótima idéia no momento em que o revoltado Caleb (Caleb Landry Jones) percebe que o reverendo Cotton Marcus (Patrick Fabian) pusera alguma substância que fez a água de uma bacia ferver quando entra em contato com os pés da suposta endemoniada Nell (Ashley Bell), chafurdam na inverossimilhança (leia-se traição) formal do próprio estilo supra-realista a que o filme pretendia se vincular. Afinal de contas, se o filme primava pela fidedignidade videográfica, para que a montagem esquemática entre causasefeitos e a execrável trilha sonora climática de Nathan Barr se dispuseram à sabotagem exibicionista constatada em cenas-chave desta obra ridiculamente desleixada? Para quê?!


Ainda que as atuações do elenco soem bastante firmes – com exceção da pusilânime Iris (Iris Bahr) – a equipe técnica de “O Último Exorcismo” recicla/plagia da pior forma possível os estratagemas já clicherosos deste tipo de produção, conforme se percebe em cenas simplesmente inverossímeis e vergonhosas como aquela em que Iris é freneticamente perseguida pela câmera quando corre no motel em que Nell repentinamente aparece ou toda a visualmente impressiva seqüência final (ponto para a fotografia de Zoltan Honti!), que imputa chavões ritualísticos/premonitórios de clássicos do cinema como “O Bebê de Rosemary” (1968, de Roman Polanski) ou “A Profecia” (1976, de Richard Donner). Além disso, a cena em que Iris doa suas botas vermelhas estilosas para a retraída Nell, a lascívia pretensamente demoníaca (e lésbica) que Nell demonstra quando surge no quarto de motel e a entrevista com “um rapaz obviamente ‘gay’”, acusado de engravidar a rapariga possuída, são mais alguns dos momentos desagradáveis e ideologicamente suspeitos deste filme ostensivamente partidário, que seja ao cúmulo de inserir o símbolo da anarquia entre os ícones satânicos que são pintados nas paredes da residência da família Sweetzer.


Em linhas gerais, portanto, “O Último Exorcismo”, francamente desinteressante enquanto cinema, revela-se (mas não necessariamente assume-se) como uma tentativa mentirosa e monetifágica de Hollywood em estrebuchar genericamente a fim de manter cativa e voluntariamente aliciada a fatia juvenil de seu público-alvo amplificado e desmemoriado no que diz respeito ao abarrotamento de fórmulas enredísticas entupidas de gritos e acordes musicais agudos, fatia de público esta que chega a se demonstrar incomodada quando é surpreendida por alguma reviravolta mais inventiva, contentando-se apenas com os sobressaltos somáticos dos sustos fáceis.

Exposta a consciência deste incômodo, fica aqui um dilema irresolvível: a culpa estaria somente nas mãos de técnicos politicamente medíocres como este tal de Daniel Stamm ou dos roteiristas Huck Botko & Andrew Gurland ou é impossível atribuir a culpa a alguém, dada a situação calamitosa do contexto aluído de produção e recepção pretensamente hipodérmica das ramificações incontroláveis do que conhecemos como Indústria Cultural? Eu que não me atrevo mais a aprisionar-me nesta falácia interrogativa de conformismo apocalíptico!

Wesley Pereira de Castro.