sábado, 5 de março de 2011

BRUNA SURFISTINHA (Brasil, 2011). Direção: Marcus Baldini

Em 2005, quando publicou o depoimento transformado em livro autobiográfico “O Doce Veneno do Escorpião – O Diário de uma Garota de Programa”, a prostituta Raquel Pacheco já tinha consciência de que sua época de fama estava acabando e confessava que seu maior desejo era igual ao de qualquer pessoa: casar, ter filhos e passar no vestibular para Psicologia, não obstante se considerar muito mais tarimbada para esta profissão pretendida, em razão de sua vivência pessoal, do que muitos terapeutas em atividade remunerada.

Apesar de, em muitos aspectos, este livro de memórias ser execrável, ele ao menos se valia da autenticidade pornográfica para fisgar o leitor e, como tal, merece (pouquíssimo) crédito positivo pela atratividade genérica. Como era de esperar, não demoraria bastante para que a trajetória desta reles figura midiática fosse transportada para os cinemas e, sendo realizada por um diretor estreante em longas-metragens, mas com consagrado currículo publicitário, tal cinebiografia corresponderia ao que de mais nojoso e conservador poderia ser realizado em matéria de pseudo-higienização de um depoimento chulo. Porém, se “O Doce Veneno do Escorpião”, em mais de um momento, consegue realmente excitar os seus leitores e, se não os comove dramaticamente, é porque a sua autora assim não o quis, “Bruna Surfistinha”, a transmutação fílmica do livro, segue o caminho completamente inverso: é demasiadamente falho no que tange à sensualidade e tenta fazer com que os espectadores nutram simpatia pela personagem. Naufraga em ambos os sentidos, portanto, e, se é aqui permitida uma comparação com o universo da protagonista, “Bruna Surfistinha” equivale a uma verdadeira broxada cinematográfica!


Não obstante ser inegável o esforço de Deborah Secco no papel principal, infelizmente sua interpretação é apática e não justifica todo o sucesso que a personagem gozou enquanto garota de programa desejada por homens e mulheres de todo o Brasil. O restante do elenco, todo ele subsumido à superestimada imponência da personagem principal, é ainda mais apático do que ela: Fabíula Nascimento é relegada a uma coadjuvação cômica com breves lampejos de evocação à dignidade feminina; Cristina Lago é desperdiçada no papel que mais poderia render identificação emocional com a platéia; Drica Moraes e Guta Ruiz estão caricatas, apesar de alguns momentos em que introjetam personalismo passional em seus papéis; Cássio Gabus Mendes está tão desenxabido quanto sempre foi, malgrado esta característica ser ideal para o delineamento verossímil de seu personagem; e os atores que interpretam a família (adotiva) de Raquel estão péssimos nos poucos momentos em que aparecem em cena. Se algum membro do elenco merece ser destacado aqui por seu apelo qualitativo/erotógeno, este atende pelo nome de Juliano Cazarré, que, infelizmente, tem poucas oportunidades para demonstrar seu talento iminente na pele do cliente por quem a prostituta–título parece atraída por algum tempo.


Se o elenco do filme está evidentemente subaproveitado, mas ao menos se esforça, o mesmo não pode ser dito acerca da trilha sonora de Rica Amabis, Gui Amabis e Tejo e à equivocada seleção de canções preponderantemente anglofílicas, em que nem mesmo o hino melancólico “Fake Plastic Trees”, do Radiohead, funciona enquanto apelo emocional: a cena derradeira que é musicada por esta canção é absolutamente chinfrim, previsível, mecânica e desprovida do orgulho que a personagem principal tenta imbuir através de sua narração indolente, em que ela reafirma a sua disposição de “não depender de ninguém”, motivo pelo qual ela alega ter saído de casa, quando, para quem leu o livro, os motivos seriam bem outros, muito mais drásticos e justificativos para se entender o porquê de, como explica os créditos finais, Raquel Pacheco nunca mais ter falado com qualquer membro de sua família.


Esta última omissão significativa de um detalhe crucial na biografia da personagem principal, aliás, é apenas mais um dentre os diversos aspectos omissivos do auto-anunciado roteiro de José de Carvalho, Homero Olivetto e Antônia Pellegrino, que adota aqui o ridículo estratagema conservador da sensacionalização de atitudes que se sabem condenadas pela platéia em detrimento de situações que poderiam realmente humanizar a personagem, já fútil e psicologicamente insignificante em sua personificação real. Neste sentido, é lamentável que se tenha concedido tanta atenção aos momentos em que a protagonista cospe esperma, é currada por homens feios, barrigudos e suados ou quando se gaba de seu apelo erótico crescente, ao passo que a reconstituição de momentos pungentes como aqueles em que a personagem transa com antigos colegas de colégio ou com menores de idade uniformizados e enfileirados poderia dotar o filme de maior vigor emotivo.

Conclui-se, portanto, que “Bruna Surfistinha” será deveras lucrativo em suas exibições cinematográficas e que, sim, conforme temem os defensores da moral puritana, ele poderá realmente estimular meninas estabanadas como a protagonista a serem garotas de programa. E o pior: dentre todos os envolvidos nesta empreitada de depravação, a ex-prostituta Raquel Pacheco é a que menos tem culpa!

Wesley Pereira de Castro.