segunda-feira, 16 de julho de 2012

PARA ROMA, COM AMOR ('To Rome With Love') EUA/Itália/Espanha, 2012. Direção: Woody Allen.

Não obstante parecer inicialmente deslocado em meio aos quatro nucléolos temáticos do mais recente filme alleniano, o personagem de Alec Baldwin logo é alçado à categoria de alter-ego consciencioso do diretor, apesar de, no mesmo filme, o próprio Woody Allen também estar desempenhando atividades como ator. Pairando pelo filme como uma espécie de avantesma intromissivamente aconselhador, o arquiteto John Foy profere dois apotegmas importantíssimos para que entendamos os defeitos autocríticos desta obra assumidamente menor na carreira do genial diretor nova-iorquino.

Num dado momento, quando Jack, o vago personagem de Jesse Eisenberg, demonstra estar avassaladoramente impressionado pelos conhecimentos (pseudo)intelectuais de Monica (Ellen Page), tanto que parece até “bom demais para ser verdade”, John acrescenta que “aquilo que parece bom demais para ser verdade, com certeza não o é”. Após comprovar-se que, de fato, ele tinha razão, Jack o deixa na mesma esquina italiana onde ele o conheceu, imerso em nostalgia, fazendo questão de elogiar sua sabedoria advinda da velhice. John Foy corrige-o sem pestanejar: “com a velhice, vem a exaustão”.
Dito e feito: por mais sábio que Woody Allen inegavelmente seja, seus filmes europeus dão sinais cada vez mais ostensivos de desgaste formulaico, de modo que, neste caso mais recente, os tais sinais estão muito mais gritantes que nas obras imediatamente anteriores.

 Em primeiro lugar, a insistência compositiva de personagens que se comportam como turistas dilui um dos aspectos mais interessantes da falibilidade romântica tão cara aos filmes do diretor: a sua transitoriedade. Ou seja, se as paixões dos personagens allenianos tendem a ser tão impulsivas quanto fungíveis, o seu atrelamento a pessoas que estão apenas de passagem pelos cenários do filme tornam-nas duplamente previsíveis, logo, desprovidas do charme característico de seus roteiros. Em segundo lugar, a subsunção insistente a gagues rasteiras desprovê o filme de seus caracteres existenciais aludidos de supetão nalguns diálogos, como, por exemplo, a desperdiçada menção ao ateísmo do diretor de ópera aposentado que, por não acreditar em Deus, alega ter muito mais razões para ficar desesperado durante um iminente acidente aéreo. E, em terceiro lugar, o tom declarativo do título, aliado à variedade de tramas amorosas assemelhadas a congêneres hollywoodianos lançados em datas comemorativas como o Dia dos Namorados ou as festas de final de ano, fazem com que o filme quase não seja reconhecido como dirigido por um dos mais idiossincráticos artistas cinematográficos estadunidenses. Por sorte, o “quase” contido nesta terceira alegação ainda deixa entrever algumas marcas registradas do inusitado estilo deste autor cômico tão provido de fãs quanto detratores.

 Surpreendentemente, o segmento protagonizado pelo histriônico Roberto Benigni contém alguns dos melhores e mais divertidos momentos do filme. Malgrado ser descrito como “extremamente típico” pelo narrador intradiegético do filme, o burocrata Leopoldo Pisanelli é absurdamente assediado por câmeras e repórteres de TV, engendrando uma insólita maledicência contra a banalização noticiosa dos dias hodiernos e às famas instantâneas e cíclicas que estão relacionadas a fenômenos de audiência, como, por exemplo, os ‘reality shows’ em que pessoas comuns têm seus cotidianos exibidos diariamente para milhares de espectadores. Apesar de um ou outro exagero benigniano, as situações deste segmento contêm o mesmo tom bem-humorado e levemente sobrenatural de filmes simpáticos e subestimados como “Simplesmente Alice” (1990) e “O Escorpião de Jade” (2001).

Pena que, ao mesmo tempo em que este personagem consegue extrair discretas gargalhadas das platéias, somente a grotesca encenação das óperas protagonizadas por um agente funerário que só consegue cantar bem debaixo de um chuveiro (Fabio Armiliato) consegue atingir um nível risório semelhante, ao passo que os dois outros segmentos do filme são muito mais desalinhados e vergonhosamente desengonçados.

Se a já mencionada subtrama protagonizada por Jesse Eisenberg decepciona por causa das atuações capengas dos atores (com exceção de Greta Gerwig, que interpreta a namorada do arquiteto mais jovem) e a trama protagonizada pelo desenxabido casal Antonio e Milly (Alessandro Tiberi e Alessandra Mastronardi) e por uma iluminada Penélope Cruz homenageia (ou plagia) situações do clássico “Abismo de um Sonho” (1952, de Federico Fellini) através de uma atualização humorística conservadora e de uma trilha sonora popularesca, a historieta paralela protagonizada pelo próprio Woody Allen é insossa e inconvincente em seu sobejo de chistes extraídos de roteiros prévios do diretor.

Porém, ninguém vai reclamar que não foi sumamente divertido ver seu personagem consolar-se ao ouvir de sua esposa psicanalista (Judy Davis) uma falsa tradução da palavra ‘imbecile’ como sendo “alguém que está à frente de seu tempo”. Em outros tempos, até que Woody Allen conseguia equiparar palavra e definição de forma ousadamente comunal [vide os hilários “O Dorminhoco” (1973) e “A Última Noite de Boris Grushenko” (1975)], mas, aqui, para nosso desânimo, ele parece estar, de fato, regredindo. Tomara que o seu projeto vindouro, já em fase de pré-produção, ainda possua um mínimo de fôlego autoral...

Wesley Pereira de Castro.