segunda-feira, 30 de setembro de 2013

SEM DOR, SEM GANHO ('Pain & Gain') EUA, 2013. Diretor: Michael Bay.

Não ter visto na íntegra “Os Bad Boys” (1995) e sua continuação “Bad Boys II” (2003) é um pormenor que interfere mui negativamente na apreciação deste “Sem Dor, Sem Ganho” (2013). O motivo: este díptico de filmes possui a chave interpretativa mais ampla para se verificar que, ao contrário do que parece, o longa-metragem mais recente de Michael Bay não difere tão substancialmente em relação aos demais filmes do diretor.

Por mais que tal obra seja absolutamente distinta em seus parâmetros de financiamento, os cacoetes de direção e a composição excessivamente bem-humorada dos protagonistas assemelham-se bastante ao que já fora percebido em “A Rocha” (1996) e “Armageddon” (1998). Entretanto, a sagacidade do roteiro, escrito por Christopher Markus e Stephen McFeely a partir de um caso escandalosamente real, relatado pelo jornalista Pete Collins, destaca-se de qualquer outro capítulo da filmografia bayniana justamente por ser radicalmente verossímil: neste filme, em meio às explosões e batidas e perseguições de carros que caracterizam o seu estilo, o que mais impressiona é a ostensividade minuciosa da caracterização arquetípica do estadunidense médio (e dos imigrantes que prontamente assimilam o ‘american way of life’), não por acaso o espectador ideal de qualquer um de seus filmes anteriores.

Comparar “Sem Dor, Sem Ganho” com “Transformers” (2007), para buscar uma associação imediata, é um exercício que denota o quanto o filme ora resenhado é inteligentíssimo em sua crítica severa à ideologia espalhafatosa do ‘american dream’, despejada ano após ano através de dezenas de superproduções hollywoodianas. Se, por um lado, é audacioso (e precipitado) demais louvar os arremedos de autoria levados a cabo por Michael Bay [utilizar a noção de “autoria” em relação ao corpus raramente elogiável deste diretor é desrespeitar a historiografia do conceito!], por outro, não há como negar que tal cineasta mantém-se rigorosamente coerente ao que já demonstrara em todos os seus filmes anteriores, para além das diferenças alardeadas. É em relação a estas aparentes diferenças que devemos nos deter daqui por diante...

Magistralmente conduzido por um excelente Mark Wahlberg, desde o início o filme deixa patente o seu brado ideológico: “eu acredito em malhar!”. O tom que o protagonista Daniel Lugo utiliza para pronunciar este aforismo é exatamente o mesmo que um dos apadrinhados de Don Vito Corleone inicia uma súplica na famosa cena de abertura do clássico “O Poderoso Chefão” (1972, de Francis Ford Coppola), o que nos leva a uma continuidade identitária: Daniel aprendeu o que (acha que) sabe através dos filmes que viu, sendo a obra mencionada justamente uma de suas produções favoritas.

A reiteração de situações policiais ou investigativas antecipadas nos dois filmes citados na primeira linha deste texto confirma que, dentre os filmes que aprimoraram o cabedal gnosiológico de Daniel Lugo estão também os filmes de Michael Bay, que, em meio às suas exortações pragmáticas, demonstra-nos como descobrir a proveniência de um telefonema (digitando *69 no teclado do aparelho). Os variegados jargões fisiculturistas que Mark Wahlberg entorna ao longo da projeção, incluindo aquele que justifica o título do filme, são vitais para a fidedignidade do ator ao seu personagem, o que, felizmente, também acontece com os seus parceiros de encenação.

 Dentre as suas inúmeras virtudes, a honestidade compositiva do trio de protagonistas é um dos maiores méritos de “Sem Dor, Sem Ganho”: além da ótima interpretação do ator principal, Anthony Mackie e, principalmente, Dwayne Johnson merecem ser ovacionados por suas entregas actanciais impressionantemente funcionais.

Se o intérprete do impotente Adrian parece exagerar na caricatura, mas cuidadosamente não se deixa incorrer na estereotipia deslocada (afinal, indivíduos estúpidos como aquele existem aos borbotões!), o astro eventualmente cognominado como The Rock surpreende por seu trabalho delicado como o cocainômano convertido ao catolicismo que crê que a sua impressionante habilidade para derrubar outras pessoas numa luta seja um dom divino, sendo particularmente laudatória a sua aparição final, cantando no coral cristão de uma penitenciária. Por mais grandiloqüentemente pecaminoso que seja o seu personagem, suas atitudes estouvadas são justificadas tanto por sua rudeza nata quanto pelos efeitos colaterais de seu vício progressivo e falsamente combatido, chegando ao extremo de as conseqüências (auto)destrutivas da cocaína aparecem escritas na tela. Apesar de acometida por algumas irregularidades do entrecho, a interpretação de Dwayne Johnson é muito melhor que a de veteranos como Tony Shalhoub (o desagradável Victor Kershaw), Peter Stormare (numa breve aparição como um corrompido médico urologista) e Ed Harris (como o pacato detetive aposentado Ed DuBois III), que, apesar das boas presenças, isoladamente respondem pelos aspectos menos interessantes do filme.

 Por mais que as câmeras lentas e as propensões ao ‘flashback’ da seqüência inicial, em que o instrutor de halterofilismo Lugo é atropelado por um automóvel quando é perseguido pela Polícia, o modo como o diretor Michael Bay se serve destes clichês formais do cinema de ação é extraordinário, assemelhando-se bastante aos estilos de Danny Boyle e Guy Ritchie: o filme é tão genialmente frenético em suas intercalações narrativas a partir das confissões dos personagens acerca de como chegaram àquele ponto culminante de suas vidas entrecruzadas (o depoimento da ‘stripper’ romena vivida por Bar Paly, neste aspecto, é fundamental) que até mesmo as derrapadas rítmicas casuais – que visam a confirmar justamente que o cineasta que está no comando é o mesmo de superproduções decepcionantes como “Pearl Harbor” (2001) e “A Ilha” (2005) – soam válidas e bem-acopladas à mixórdia de gêneros em que o filme investe.

 Afinal de contas, malgrado o sobejo de seqüências de ação, das esperadas explosões de veículos, das inúmeras colisões automobilísticas e das operações policiais bem-sucedidas (mais pelas falhas incríveis dos criminosos que pela habilitante dos vigilantes da lei, o que é um diferencial louvável), “Sem Dor, Sem Ganho” é, sobretudo, uma ácida comédia de costumes, que ridiculariza impiedosamente aqueles que sucumbem às formulas administrativas de sucesso apregoadas pelo irritante Johnny Wu (Ken Joeng). Não seriam as vergonhosas palestras de auto-ajuda mostradas no filme pouco mais que uma exacerbação dos delírios evasivos que fizeram com que Hollywood se tornasse a “fábrica de sonhos” por que se tornou conhecida ao longo das décadas? O próprio Daniel Lugo confirma isto cinicamente desde a sua acachapante entrada em cena, flexionando-se no topo de um monumento pictórico à boa forma física.

 Somados aos magistrais desempenhos dos roteiristas, do diretor e do elenco, os demais atributos técnicos deste filme devem ser também entusiasticamente laureados: a direção fotográfica de Ben Seresin é absolutamente primorosa, chegando ao fastígio de citar enquadramentos antológicos de outros filmes hollywoodianos; a montagem de Thomas A. Muldoon e Joel Negron (parceiros habituais nos últimos filmes do diretor) é exitosa na obtenção dos efeitos de frenesi exigidos em todas as produções baynianas; e a trilha musical de Steve Jablonsky (também freqüente nos filmes de Michael Bay) é muito boa tanto nas cenas de tensão quanto naquelas de alívio cômico/sarcástico.

Porém, o brilhantismo da seleção de canções merece um elogio à parte: mancomunar, num mesmo filme, canções interpretadas por artistas tão díspares quanto Coolio (“Gangsta’s Paradise”, que reaparece coerentemente durante os créditos finais, quando imagens dos verdadeiros criminosos são mostradas), C + C Music Factory (“Gonna Make You Sweat”, que tudo a ver com a ambientação ‘fitness’ do filme) e Bon Jovi (“Blaze of Glory”, magnificamente executada num momento inesperado) é algo que corresponde a um dos mais aplaudíveis tirocínios de versatilidade cancional deste início de século XXI! A hilária e consistente coadjuvação de Rebel Wilson, como a enfermeira Robin, também é primorosa, sendo ela a responsável por alguns dos diálogos mais engraçados do filme (vide a brincadeira com o atropelamento que vitimou o seu pai racista, pronunciada durante o discurso matrimonial).

Ao final da sessão, é impossível não sair empolgado e consciente da própria estultice espectatorial, tamanha a assunção enredística no que tange à configuração de seu público-alvo generalizado e internacional. Pena que saibamos de antemão que o próximo filme de Michael Bay seja o dispensável “Transformers: A Era da Extinção” (programado para ser lançado em 2014), para o qual ele fez o desfavor de incluir o desenvolto Mark Wahlberg no elenco.

Conforme ficou evidente em cada filigrana fílmica do ótimo “Sem Dor, Sem Ganho”, este execrável representante da ideologia monetifágica do cinema norte-americano não deixou de ser quem ele é por um instante: ele reproduz e zomba propositalmente da malevolência de suas megaproduções... É uma pena constatar tamanho desperdício manipulatório de agilidade e – quem diria? – talento!

 Wesley Pereira de Castro.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

ELYSIUM ('Elysium') EUA, 2013. Diretor: Neill Blomkamp.

A estréia do sul-africano Neill Blomkamp em longa-metragem, aos 30 anos de idade, com o filme de ficção cientifica “Distrito 9” (2009) impressionou por causa da impavidez política de seu roteiro e pela firmeza directiva que emulava Paul Verhoeven e David Cronenberg no modo como atrelava perspectivas extremamente autorais a estratagemas genéricos com vistas à bilheteria. De fato, o filme, uma produção com financiamento modesto para os padrões hollywoodianos, obteve surpreendentes – e merecidos – resultados de público e crítica, catapultando o diretor para um projeto mais ambicioso, no qual ele insistiu em manter a pujança contestatória.

Ainda que “Elysium” (2013) pareça demasiado concessivo em sua propensão às cenas de ação física, o enredo promissor em seu delineamento crítico da faceta contemporânea da luta de classes demonstra que o diretor não é incoerente em relação à própria inteligência e à sensibilidade denuncista: a extraordinária direção de arte e a fotografia sempre estourada de Trent Opaloch (que nos faz experimentar a quentura extremada dos cenários terrestres depauperados) são alguns dos aspectos mais elogiáveis do filme, cujos minutos iniciais chamam a atenção pela brevidade com que situam o espectador no contexto segregatório em que o personagem de Matt Damon e seus vizinhos latino-americanos viviam. Entretanto, esta brevidade anuncia um dos maiores defeitos do filme: a sua precipitação factual, corroborada pela montagem velocíssima de Julian Clarke e Lee Smith. Tudo acontece muito rápido e os delicados antagonismos classistas que são anunciados na trama são suplantados pela superficialidade estereotípica dos embates belicosos.

 Se, por um lado, não se pode reclamar que as atuações de Matt Damon ou Sharlto Copley sejam ruins, por outro, seus personagens são aprisionados em configurações deterministas de personalidade: o primeiro, Max da Costa, é um órfão que, desde a infância, é condicionado a crer que é um menino especial e que, como tal, realizará algo muito importante em sua vida – quiçá, ao preço de sua própria vida; o segundo, cognominado apenas pelo sobrenome Kruger, é um mercenário crudelíssimo e conhecido pelo temperamento arredio e pelo histórico criminal marcado por estupros e espancamentos.

 À medida que a trama evolui, eles tornam-se inimigos mortais por envolverem-se diretamente nas tramóias da xenofóbica secretária Delacourt (Jodie Foster, ótima), em seu afã por se tornar a detentora do poder supremo na colônia espacial Elysium, no século XXII, onde vivem as pessoas ricas que fugiram da destruição da Terra – causada por seus próprios habitantes – que possuem em suas residências leitos capazes de curar qualquer moléstia corporal. É justamente de um desses leitos que Max precisa para se salvar, visto que fora submetido a uma carga letal de radiação em seu emprego e tem apenas cinco dias de vida, mas é impedido tanto pelas intervenções opositivas de Kruger quanto pela complexidade do entrosamento relacional com seus amigos, o oportunista Spider (Wagner Moura, excessivamente afetado), que contrabandeia passagens para Elysium, e a enfermeira Frey (Alice Braga), por quem se apaixona e resolve se sacrificar, a fim de assegurar que a filha dela, portadora de um estágio avançado de leucemia, tenha direito à recuperação. Pena que, em meio a este interessante entrecho, soluções ‘blockbusterianas’ se interponham.

 Escrito pelo próprio diretor, o roteiro deste filme é prejudicado pelos diálogos simplistas, que, em mais de um momento, parecem uma mera atualização dos filmes de ‘kung fu’ da década de 1970, em que o que mais importavam eram as lutas. Não por acaso, diversos aspectos do filme confirmam esta impressão (vide a utilização de uma espada pelo vilão e o momento em que alguém comenta que Max será um “ninja da favela” após aplicar um exoesqueleto metálico em seu corpo), mas, em termos imagéticos, o filme com o qual “Elysium” revela mais proximidade é a produção B “Cyborg, o Dragão do Futuro” (1989, de Albert Pyun), por causa justamente de seu cruzamento ‘high tech’ entre as artes marciais e o clima pós-apocalíptico. A abordagem bem mais politizada de Neill Blomkamp, entretanto, esbarra em seu tratamento maniqueísta dos personagens e cenários, sendo atravessado por preconceitos o registro autodestrutivo do modelo de vida dos vizinhos de Max, poluidores, desordeiros, usuários de drogas e hostis, em contraponto aos habitantes de Elysium, impessoais e folgazões. Mas isto não impede que, ao menos sinopticamente, o filme seja digno de elogios por sua envergadura sociológica.

 Dentre os aspectos técnicos que enviesam negativamente o ótimo ponto de partida tramático deste filme destacam-se: a trilha sonora incoesa, que mistura talentosos artistas eletrônicos (Lorn, Arkasia, Gambit, Kryptic Minds) à partitura original de Ryan Amon sem que estes se coadunem climaticamente ao que é mostrado; a unilateralidade na concepção dos personagens mesquinhos (vide os funcionários superiores que oprimem Max em seu emprego, incluindo o desdenhoso John Carlyle, vivido por William Fichtner); e o sobejo de pirotecnia, que torna muitos planos do filme opacos e/ou desfocados em seu entulhamento de explosões. Os ‘flashbacks’ langorosos e a precipitação com que a garotinha Matilda (Emma Tremblay) narra a fábula bem-intencionada do suricato ajudado por um hipopótamo que só queria ter um amigo também se associam primariamente a estes aspectos, mas não são completamente desprovidos de validade dramática, sendo essenciais para a compreensão da atitude sacrificial de Max ao final, depois de ter passado a vida inteira lidando com a opressão incontinente das instituições policiais e legislativas, como fica evidente nas ótimas seqüências em que ele é agredido num ponto de ônibus ou quando ele é escorraçado verbalmente por um agente eletrônico de prisão condicional.

Apesar de ser falho em seus intentos políticos mais gerais – bastante conjugados à ínclita realização anterior de Neill Blomkamp – “Elysium” não é um mau exemplo de ficção cientifica. O problema é que ele é afligido, em suas exigências de produção, justamente pelo tipo de abuso de poder que tentou delatar...

 Wesley Pereira de Castro.

INVOCAÇÃO DO MAL ('The Conjuring') EUA, 2013. Direção: James Wan.

Apesar de ter anunciado que não mais dirigirá filmes de terror [seu próximo projeto, após o lançamento de “Sobrenatural: Capítulo 2” (2013), será “Velozes & Furiosos 7”, previsto para ser lançado em 2014], James Wan, desde que conduziu o publicitariamente hiperestimado “Jogos Mortais” (2004) vem se dedicando a este tipo de produto cinematográfico, com exceção feita unicamente a “Sentença de Morte” (2007, ainda não-visto).

Malgrado quase sempre angariar bons resultados nas bilheterias, seus filmes costumavam ser defenestrados criticamente, por causa de suas limitações temáticas e de seu insistente atrelamento aos clichês contemporâneos do gênero horror, freqüentemente relacionados ao abandono da condução das tramas em detrimento de sustos isolados e possibilitados por atributos sonoros tão incômodos quanto altissonantes.

 No caso de “Jogos Mortais” – que se tornou uma cinessérie monetariamente profícua e progressivamente piorada – o que mais incomodava, para além de seu mecanicismo genérico [visto que ele apenas deslocava alguns ‘leitmotivs’ do ótimo “Seven – Os Sete Crimes Capitais” (1995, de David Fincher)], era o seu viés moralizante, pois, no decorrer da trama, percebia-se que as intenções sádicas do vilanaz Jigsaw eram motivadas por um discurso senso-comunal de “elogio à vida”, sendo os personagens cruelmente assassinados descritos como indivíduos estultos que desperdiçavam solenemente o egrégio dom da existência. Nos filmes posteriores da cinessérie, esta inversão catequizante torna-se ainda mais exacerbada e contraditória, conforme se pode se perceber nas sinopses dos mesmos.

 James Wan, entretanto, preferiu se envolver directivamente noutros projetos, sendo os mais notórios “Gritos Mortais” (2007, título nacional interesseiro para ‘Dead Silent’) e “Sobrenatural” (2010): o primeiro é uma fracassada tentativa de servir-se do pavor engendrado por brinquedos malévolos e o segundo, uma desmazelada reedição do tema da casa mal-assombrada, que começa muito bem, mas se engancha nas armadilhas do horror explícito. Não é um currículo deveras entusiástico, mas, ainda assim, “Invocação do Mal” (2013) passou a ser alvo de uma inaudita recepção elogiosa por parte dos críticos: parecia que o diretor tinha conjugado espertamente elementos dos clássicos “O Exorcista” (1973, de William Friedkin), “A Cidade do Horror/Terror em Amityville” (1979, de Stuart Rosenberg, não-visto) e “Poltergeist – O Fenômeno” (1982, de Tobe Hooper), e obtido êxito a partir de uma obra que tem na hibridez a sua maior originalidade. Dito e feito!

 Por mais que o diretor incorra nos mesmos defeitos de seus filmes anteriores e que, nalguns pontos, a trama possua muitas similaridades com o prévio “Sobrenatural”, “Invocação do Mal” é assaz meritório, em mais de um aspecto: a excelente direção de fotografia de John R. Leonetti, elogiável desde a primeira seqüência, quando simula o aspecto de filmagem caseira para um filme utilizado numa palestra sobre infestações sobrenaturais proferida pelos protagonistas Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga, ambos ótimos), demonstra que, neste filme, os enquadramentos não estão apenas a serviço dos espantos somáticos – como infelizmente acomete o desenho de som – preocupando-se sobremaneira tanto com os detalhes reconstitutivos de época (o filme se passa no início da década de 1970) quanto pela concatenação dramática dos eventos familiares que balizam o enredo.

Além de ser um filme de terror – logo, impregnado pela violência advinda de entidades fantasmagóricas – “Invocação do Mal” é também uma espécie de melodrama, em muito favorecido pelo fato de os susomencionados Ed e Lorraine Warren serem personagens reais. Nesse sentido, a opção dos irmãos roteiristas Chad e Carey W. Hayes por alternar o cotidiano do casal Warren, em seu enfrentamento diuturno de avantesmas mal-intencionados, com as dificuldades de realocação doméstica da numerosa família Perron (comandada por um desenxabido Ron Livingston e pela muito expressiva Lili Taylor), assombrada por espíritos atormentados e suicidas, é excepcional, adequadamente distinta do sobejo de produções imitativas lançadas ano após ano pelos produtores hollywoodianos.

 Se, de fato, o roteiro é bem-sucedido na maneira precisa como constrói os seus personagens, ele peca (inclusive no sentido religioso do termo) por confundir-se com propaganda escancarada da Igreja Católica, visto que os desígnios de fé e os dotes paranormais que possibilitam que o casal Warren – devidamente apoiado (e quiçá sustentado) pelos padres locais – esteja apto a lidar com os seus antagonistas espectrais não correspondem ao que é promulgado pela doutrina redentora da referida igreja, sendo as menções à Santíssima Trindade (a adesão mística entre as manifestações paterna, filial e espiritual de Deus, segundo as Escrituras Sagradas) utilizadas como meros estratagemas oportunistas de eliminação profissional de infestações fantasmáticas. Assim sendo, crucifixos, recipientes com água benta e orações em latim são utilizadas desleixadamente e de forma fetichizada, ignorando-se a preparação intencional e benevolente de seus manipuladores, exceto pela reiteração da declaração feita por Ed a Lorraine, em sua noite de núpcias, depois de deixar patente a vontade de transar com ela repetidas vezes: “Deus não nos reuniu por acaso. Temos uma missão a cumprir no mundo!”.

A reiteração xaroposa desta assunção missionária, bem como os ‘flashbacks’ de alegria praiana irrestrita da família Perron, incomodam o espectador por conta da rejeição do estilo realista de apresentação dos fatos até então adotado, que, do meio para o final, soa tão dialogisticamente melindroso quanto o de uma telenovela. Mas nada que comprometa o ótimo trabalho do elenco, incluindo o infantil (Kyla Deaver, intérprete da pequena April, é encantadoramente eloqüente).

 Em relação à organização de seus componentes técnicos, vale reafirmar a maturação de James Wan como realizador, valendo-se de uma maravilhosa direção de arte e da sustentação hábil da trilha musical de Joseph Bishara, que, apesar de um ou outro excesso (vide a cena em que um acorde estrondoso ecoa quando uma lâmpada estoura na primeira vez em que Carolyn Perron desce sozinha ao porão de sua casa), dialoga funcionalmente com os instantes brilhantemente silenciosos do filme e com as canções escolhidas para serem executadas em momentos mais descontraídos (destacando-se a opção por utilizar a recente “In The Room Where You Sleep”, do grupo Dead Man’s Bones, que, apesar do anacronismo, combina muito bem com o clima tétrico da trama).

As cenas envolvendo a cadela Sadie (Dusty, na vida real), posteriormente encontrada morta num momento de bastante tensão familiar, a tentativa de plano-seqüência no momento em que a família arruma a mobília na casa nova e o assustador clímax do exorcismo de Carolyn demonstram o quanto James Wan evoluiu em relação aos seus filmes precedentes, adquirindo uma percepção orgânica do terror (vide a sutileza da cena que antecede os créditos finais, quando um brinquedo supostamente invocador de espíritos começa a funcionar repentinamente e, quando pára, nada acontece, exceto a irrupção de uma grave nota musical), que, se assim pode ser definido, não é apenas por causa da exorbitância de efeitos sonoros e visuais, mas em função da persistência do mal nos terrenos de convivência humana, muito bem sintetizada na comparação com o desconforto que aflige alguém que pisa num chiclete: “quanto mais assustada fica uma pessoa, mais as assombrações a perseguem”.

Neste sentido, o conluio este tipo de trama e os fitos institucionalmente religiosos é bem-vindo, mas não de forma apelativa e propagandística como foi posto em prática aqui, já que a explicação pretensamente científica para a impregnação de avejões nos relatos verídicos da bruxa Bathsheba e da boneca Annabelle é repleta de necedades sentimentalóides. Mesmo defeituoso em razão da perversão proposital de seu entrecho, “Invocação do Mal” merece aplausos (e sustos) por sua engenhosidade!

 Wesley Pereira de Castro.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

ANTES DA MEIA-NOITE ('Before Midnight') EUA, 2013. Direção: Richard Linklater.

A seqüência inicial deste filme, assessorada pelo diretor de fotografia Christos Voudoris, é notável por seu poder de síntese: num aeroporto internacional, o escritor Jesse Wallace (Ethan Hawke, bastante envelhecido) despede-se de seu filho adolescente (Seamus Davey-Fitzpatrick), prestes a embarcar num vôo de volta à cidade de Chicago, onde vive. É visível a vontade do pai de acompanhar o crescimento e o bem-estar do filho, que, ao perceber esta preocupação, adianta-se em confessar que as seis semanas que passara com ele e sua nova família na Grécia corresponderam ao melhor verão de sua vida. A câmera focaliza os pés dos interlocutores enquanto eles caminham e conversam. Depois de abraçar o filho repetidas vezes, Jesse e ele se despedem, uma música tenra irrompe na banda sonora e, ao sair do aeroporto, um plano móvel continuado permite que percebamos Celine (Julie Delpy) à distância, conversando em francês com alguém ao telefone, e, ao entrar no carro, um movimento brusco focaliza as filhas gêmeas do casal dormindo no banco de trás. Os créditos de abertura surgem e uma nova seqüência começa, esta mais reconhecível em relação ao estilo do diretor, em que a câmera permanece fixa na parte da frente do automóvel, enquanto Celine e Jesse conversam sobre a vida e o casamento e imagens de ruínas na paisagem circundante entremeiam seus diálogos.

O que se percebe imediatamente através do cotejo entre essas duas seqüências é que: 1 – a trilha musical de Graham Reynolds estabelece uma tonalidade sentimentalóide, atrelada às determinações classistas que eram discretas nos filmes anteriores da trilogia, mas incontornáveis na assunção de um cotidiano marital; 2 – o diretor está afobado para concatenar os eventos tramáticos e, ainda assim, manter o clima de nostalgia pelo presente que predominava nos encontros fortuitos do casal; e 3 – o tom dialogístico, instaurado por uma minuciosa colaboração entre os dois atores centrais e o diretor, ainda estava titubeante, em busca de um instante (ou situação) focal que possa ser dramaturgicamente estendida.

 Essas três percepções exordiais, arriscadas em sua forçação esquemática, perigam dirimir o chamariz de que o filme goza em seu anúncio de que fora realizado exatamente nove anos após “Antes do Pôr-do-Sol” (2004), por sua vez realizado nove anos após “Antes do Amanhecer” (1995). Porém, se nos dois primeiros capítulos da trilogia os questionamentos existenciais do relacionamento eram justificados pela fugacidade do encontro, a ostensiva crise de insatisfação cotidiana que permeia o contexto deste filme mais recente intimida o espectador por causa da insistente emulação de transitoriedade nas percepções conjuntas de Celine e Jesse, que parecem viajar o tempo inteiro, de modo que as lembranças que compartilham (e sobre as quais se questionam mutuamente) antecipam o recurso apelativo de ‘continuum espaço-temporal’ que permitirá a reconciliação do casal numa cena-chave posterior.

Ou seja, apesar de não ser estilisticamente tão delimitado quanto os filmes antecedentes, “Antes da Meia-Noite” é brilhantemente indicial, sendo assaz evidente – até mesmo por vias involuntárias – o que deseja transmitir, mas que só é evidenciado na longa e genial seqüência da discussão no hotel, rigorosamente conectada àquilo que os fãs dos personagens desejavam presenciar, não obstante a inversão sentimental em relação à perspectiva anterior, pois, agora, os personagens sobretudo brigam: Jesse hipertrofia as suas características de norte-americano desleixado enquanto Celine subsume-se aos cacoetes contraditórios da neurastenia feminista (entendida enquanto pecha autodeclarada e não enquanto organização discursiva). Em seu terço final, por dedução, este filme é magistralmente coadunado às produções prévias, estabelecendo-se como mais uma realização meritória na vasta e desigual filmografia de seu diretor.

Responsável tanto por filmes que se esforçam para ostentar uma verve alternativa [vide “SubUrbia” (1996), “Waking Life” (2001, em que os protagonistas deste filme aparecem brevemente em versões animadas) e “Nação Fast Food – Uma Rede de Corrupção” (2006)] quanto por obras de apelo comercial inquestionado [“Newton Boys – Irmãos Fora-da-Lei” (1998), “Escola de Rock” (2003) e “Eu e Orson Welles” (2008)], Richard Linklater não possui traços que o identifiquem autoralmente: a desenvoltura de seus sutis movimentos de câmera, a predominância dos diálogos em relação às ações e a temática das preocupações juvenis com o envelhecimento e a inserção capitalista, numa contextualização impregnada de filosofemas, são algumas de suas marcas registradas, mas não constantes em todas as suas obras. Comparar “Jovens, Loucos e Rebeldes” (1993) e “O Homem Duplo” (2006), por exemplo, é um exercício que permite a rápida constatação de suas limitações directivas, compensadas pelo entrosamento de seus atores, algo que, infelizmente, não funciona muito bem na primeira metade de “Antes da Meia-Noite”: os diversos momentos em que Jesse e Celine são mostrados interagindo com típicos representantes da classe média helênica contemporânea falham por causa da pretensa fluidez interativa.

Os lapsos de intelectualidade espontânea (vide o modo como um escritor mais velho descreve as suas influências estilísticas ou o comportamento de uma jovem atriz sentada à mesa) e as confissões românticas provenientes tanto de uma viúva sorridente quanto de um rapazola abobado (vivido pelo formoso Yiannis Papadopoulos, só para constar dos autos) intentam situar o casal de viajantes numa conjuntura de espontaneidade relacional deveras similar àquela em que encontramos os personagens nos filmes antecessores. Porém, somente após a caminhada até o quarto num hotel de luxo que fora pago por seus amigos gregos é que Jesse e Celine irão enxergar (e, por conseguiste, mostrar) a si mesmos como realmente são: receptáculos humanos de emoções e conhecimentos invulgares que são tolhidos pelas convenções e comparações precipitadas do dia-a-dia, clamando por instantes de expressividade confessional mútua em meio aos deslocamentos flexíveis a que se habituaram...

 Se, neste filme, a interpretação displicente de Ethan Hawke rende uma excelente caracterização masculina arquetípica, a deslumbrante Julie Delpy estranhamente se deixa converter num insuportável estereótipo de mulher enfastiada, incorrendo em ressentimentos e laivos de ciúme que só contribuem para desnudar a atmosfera de deslumbramento amoroso idealizado de que o casal gozava até então. Mas, contrariamente ao que poderia parecer, isto não é ruim: a absoluta sinceridade na composição dos personagens nos diversos segmentos da discussão matrimonial a que se submetem permite que reconheçamos a supremacia qualitativa do roteiro, que atualiza muito bem os anseios afetivos dos personagens (que metonimizam também os da platéia), fixando-os em suas condições de classe e diferenças profissionais, mas sem abandonar a graciosidade inerente aos contextos em que eles se conheceram e se reencontraram.

Na derradeira cena, tal qual vinham oferecendo indícios desde a primeira aparição, no filme de 1995, Jesse e Celine se reconciliam a partir da recorrência interpelativa de outras personalidades: ele, como um homem do futuro que conhece as reações íntimas e antecipadas de sua parceira; ela, como uma beldade estulta que se deslumbra pela inteligência pragmática dele. Um belo fecho para uma trilogia que se assume como cíclica, afinal!

 Wesley Pereira de Castro.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

FLORES RARAS (Brasil, 2013). Direção: Bruno Barreto.

Graças ao poderio financeiro de sua família, Bruno Barreto tornou-se um precoce realizador de cinema: aos 17 anos de idade, dirigiu o irregular “Tati, a Garota” (1973), logo demonstrando um talento insuspeito em obras vigorosas como “Dona Flor e seus Dois Maridos” (1976), “Amor Bandido” (1978), “O Beijo no Asfalto” (1980) e o posterior “Atos de Amor” (1996), filmado nos EUA, onde se radicara na década de 1980. Na década posterior, provou que ainda era um hábil diretor, ao conduzir filmes bem-sucedidos comercialmente como “O Que é Isso, Companheiro” (1997) e “Bossa Nova” (2000), que exibiam um acabamento técnico incapaz de escamotear os seus desvios ideológicos.

Recentemente, os desconjuntados “Voando Alto” (2003), “O Casamento de Romeu e Julieta” (2005) e “Última Parada 174” (2008), além do escabroso projeto do ainda não-visto “Crô” (2013), fizeram com que fosse posta em xeque a diligência directiva outrora demonstrada por este profissional cinematográfico, que, no elogiado “Flores Raras” (2013), mistura características de todas as fases de sua carreira. Se, por um lado, a sutileza intemporal que acompanha o romance entre a poetisa Elizabeth Bishop (Miranda Otto) e a arquiteta nata Lota de Macedo Soares (Glória Pires) ao longo de quinze anos é encantadora, por outro, os descuidos referentes à evolução cronológica da trama são execráveis em sua proposital corrupção histórico-política.

 Por mais garrida que seja a interpretação de Glória Pires e por mais ternas que se mostrem as cenas de sexo entre mulheres, a composição das personagens é precária, principalmente no que diz respeito à contextualização de suas condições sociais, fazendo com que a sensualidade que baliza o envolvimento passional entre as protagonistas seja contrabalançada por uma desenxabidez tramática, realçada pela trilha musical quase redundante de Marcelo Zarvos e especialmente percebida quando a indefinida e ciumenta Mary (Tracy Middendorf) está presente.

O autodeclarado comprometimento de Elizabeth com o pessimismo redunda numa hipertrofia oportunista dos caracteres depressivos, que visam a levar o espectador a considerar o seu alcoolismo uma falha de caráter muito pior que o colaboracionismo de Lota com a primeira fase da ditadura militar brasileira. Neste sentido, o declínio rítmico que se instala após a entrada em cena da personagem infantil Clara torna ainda mais evidente a malevolência discursiva do filme em suas omissões e/ou deturpações históricas, que devem ser atribuídas ao roteiro de Matthew Chapman e Julie Sayres, precipitado em sua concatenação temporal. Se, intradiegeticamente, a rapidez com que se instaura o vínculo paramatrimonial de Elizabeth e Lota é justificada quando a primeira responde à questão “que tipo de vida é esta em que o amor vem na frente da amizade?”, no que diz respeito à reconstituição de época, o atropelamento de fatos históricos (geralmente metonimizados através de notícias de jornais ou programas radiofônicos) vai de encontro à bela fotografia de Mauro Pinheiro Jr., que tira excelente proveito das paisagens naturais cariocas.

O momento em que Elizabeth, bêbada, escandaliza os seus companheiros de refeição ao externar seu desagrado pela reação indiferente dos brasileiros que jogavam futebol na praia enquanto os militares tomavam o poder é particularmente constrangedor porque, apesar de ser provido de motivação opinativa, é desfavorecido em mais de um aspecto, seja pela exacerbação reprobatória do alcoolismo da personagem, seja pela desconsideração da subtração informativa que se instalou midiaticamente no Brasil durante o período abordado.

 Insistindo na averiguação dos componentes discursivamente negativos do filme, pode-se perceber na ausência de manifestações homofóbicas em relação às personagens lésbicas menos um adendo militante ou apoiador das causas homossexuais que uma associação perniciosa ao isolamento paisagístico proporcionado pelas benesses classistas das protagonistas. A perspectiva instável de câmera na seqüência em que Mary, financiada por Lota, visita a casa de uma mulher pobre e deveras fértil para comprar um bebê recém-nascido é outro instante de constatação do decréscimo talentoso de Bruno Barreto, repercutido nas metáforas paupérrimas que acompanham cenas de suposto impacto elevadamente emocional, como quando começa a chover, forte e subitamente, no momento em que Lota confessa a Mary seu intuito de namorar Elizabeth, ou quando esta última recita, ao lado de seu fiel amigo Robert Lowell (Treat Williams, eficiente), o célebre poema “A Arte de Perder”, num parque de nautimodelismo, e é focalizado um barco de brinquedo que afunda num lago.

Situações como esta quase dirimem a imponência de momentos grandiosos como as carícias eróticas entre as duas protagonistas e o instante em que, após ser resgatada de um porre etílico, Elizabeth Bishop sintetiza na seguinte afirmação o dilema de sua existência: “quando eu não tenho aquilo que quero, sinto-me sozinha e triste; mas, quando consigo, tenho a certeza de que perderei tudo em breve. A espera é insuportável”. Tal confissão valida o reconhecimento literário que a verdadeira personagem goza enquanto renomada poetisa, para além dos preconceitos acadêmicos contra a sua condição sexual.

 Vale acrescentar que, tal qual o título do livro de Carmen Oliveira [“Flores Raras e Banalíssimas”] em que este filme se baseia, o brilho dos cabelos negros de Glória Pires, e os paradoxos contidos nos versos premiados de “Norte e Sul – Uma Primavera Fria” (obra lançada em 1956), o filme de Bruno Barreto é tecnicamente pulcro e potencialmente muito interessante. O problema é que ele se deixa perverter por um nocivo projeto de reescritura da história brasileira levado a cabo pela Globo Filmes e manipula os altos e baixos do intenso envolvimento amoroso entre as protagonistas em prol de um recorte assaz enviesado que se associa à obnubilação política, conforme se evidencia na representação caricatural do governador Carlos Lacerda (Marcello Airoldi) e nos pantins aristocráticos das ricas personagens.

A audição de canções antológicas como “Kalu” (interpretada por Dalva de Oliveira) e “Blue Velvet” (na voz de Tony Bennett) na banda sonora é balsâmica em sua efetividade nostálgica, mas o entreguismo ideológico do filme preocupa-se sobremaneira em legitimar o elitismo pioneiro da determinada Lota de Macedo Soares, segundo se constata na exaltação sentimentalóide do Parque do Flamengo nos letreiros finais. Poeticamente falando, as flores raras que o filme tão bem modela sucumbem quando morros inteiros são explodidos apenas para assegurar visões profissionalmente confortáveis àqueles que dispõem do mesmo (desejo de) conforto luxuoso de que gozam as personagens do filme.

 É esse tipo de situação que mantém o comprometimento falacioso com o pessimismo, enquanto sentimento que assegura a lógica de consumo atrelada à divulgação desta peça fílmica tão iridescente quanto equivocadamente encenada...

 Wesley Pereira de Castro.