domingo, 13 de setembro de 2015

HOMEM IRRACIONAL ('Irrational Man') EUA, 2015. Direção: Woody Allen.

O que faz de “Crimes e Pecados” (1989) um filme seminal na obra de Woody Allen é que, neste roteiro, ele levou a cabo uma de suas maiores obsessões temáticas: a questão da culpa persecutória, no que tange à eliminação mortífera de um desafeto. Em mais de uma produção, ele retomaria este tema, seja como pasticho dramático [“Ponto Final – Match Point” (2005)], seja como pretensão mal-executada [“O Sonho de Cassandra” (2007)].

Neste seu mais recente filme, a mesma inspiração dostoievskiana dos títulos anteriormente citados é retomada, mas de uma maneira tão simplista e redundante que prejudica o andamento até então interessante de sua trama. Em “Homem Irracional” (2015), o que mais chama positivamente a atenção são as sutilezas distintivas em relação às características formais do diretor: por exemplo, durante a seqüência dos créditos iniciais – em que, como de praxe, os atores são apresentados por ordem alfabética e no mesmo estilo caligráfico da quase totalidade de seus filmes – não se ouve música, mas sim o marulho, que reaparecerá em momentos-chave de busca de paz interior, em relação a ambos os protagonistas, masculino e feminino.

Esta cisão sexual na protagonização do filme permite, inclusive, que ele seja simultaneamente narrado por dois personagens, deixando evidente que, ao menos no início, ambos os pontos de vista são corroborados pelo roteiro: tanto o professor pessimista Abe Lucas (Joaquin Phoenix) quanto a sua desenvolva aluna Jill (Emma Stone) gozam de igual espaço discursivo para a apresentação de suas perspectivas sobre a vida, até que o filme repentinamente toma a defesa desta última em seu quartel final, o que torna o desfecho quase moralista um tanto vago nesta fase contemporânea da carreira do cineasta.

No que tange às interpretações, Joaquin Phoenix se destaca por não incorrer num pecado comum a quem se aventura a trabalhar com o cineasta nova-iorquino: ao invés de incorporar os seus tiques, o ator transpassa as angústias caras a Woody Allen a partir da placidez, expondo de maneira muito oportuna a adiposidade de seu corpo. Emma Stone, por sua vez, comprova não apenas ser uma das melhores atrizes hollywoodianas de sua geração como demonstra que a confiança depositada pelo cineasta no ótimo “Magia ao Luar” (2014) não fora vã: sua personagem é verossímil e defensável até mesmo em sua tendência à irritabilidade. Pena que o mesmo não possa ser estendido ao modo como o roteiro se subsume a um fato que poderia ser corriqueiro (e, ainda assim, muito efetivo filosoficamente) mas que é alçado à categoria gratuita de epifania invertida. Afinal de contas, se o desiludido Abe não encontrara redenção ou sentido em sua vida mesmo quando se dispusera a ajudar os favelados de Bangladesh, por que, de uma hora para outra, associara a constituição de “um mundo melhor” à eliminação do desafeto legislativo de uma ricaça divorciada que chorava num restaurante a perda judicial de seus filhos?

Além de parecer radicalmente arbitrária, a associação do juiz Spangler (Tom Kemp) ao Mal soou inconvincente e incapaz de sustentar uma comparação com o romance “Crime e Castigo” (publicado originalmente em 1866), em relação ao qual o diretor enumera similaridades quase enciclopédicas, defeito este que também se encontra nas citações a Imamnuel Kant, Hannah Arendt e Søren Aabye Kierkegaard que pululam no filme. É incrível que, num filme em que a Filosofia é abordada de maneira tão academicamente justificada, ela seja tratada de maneira tão rasteira e senso-comunal, diferentemente do que o diretor realizara em obras alegadamente casuais como “A Outra” (1989), “Neblina e Sombras” (1991) ou “Desconstruindo Harry” (1997).

 Se não se pode reclamar do desempenho dos atores coadjuvantes (Parker Posey, por exemplo, está ótima como a volúvel Rita), o mesmo não pode ser dito sobre a conformação classista dos personagens: nas obras cujo cenário era a efervescência artística de Nova York, era crível e justificável a pletora de intelectuais abastados, mas, na cidadezinha em que o diretor situa este seu mais recente filme, abunda a artificialidade sempre que um personagem fala em viajar para a Europa com a mesma trivialidade com que menciona uma caminhada até a esquina. Além disso, a seqüência em que um grupo de jovens brinca com um revólver depois que a anfitriã de uma festa (Sophie von Haselberg) expõe as pinturas originais recém-adquiridas de seus pais ecoa de maneira ridícula, por mais importante que tente ser no que diz respeito à exposição da vacuidade suicida do protagonista.

Noutras palavras: malgrado os personagens serem bem construídos e os seus dilemas românticos coadunarem-se afirmativamente às demais obras do cineasta, principalmente nesta sua fase contemporânea mais “leve”, o roteiro soçobra ao confundir questionamentos morais deveras amplos com o apelo criminal jornalístico. Assim sendo, Woody Allen desperdiça o seu pertinaz talento reflexivo sobre a existência humana numa dramaturgia estereotipada, em que “os ‘insights’ mórbidos sobre a futilidade da alegria”, inicialmente perpetrados pelo protagonista, são obliterados à medida que ele se convence de que “as idéias ficam mais originais quando espremidas por um prazo limítrofe”, o que desencadeia erros crassos de execução, como aquele que levou Abe à morte. Porém, toda a seqüência prévia do parque de diversões permanece digna de elogios, sobretudo no que diz respeito à aquisição casual da lanterna que seria tão relevante no desfecho sobrevivencial de Jill.

Em relação aos demais aspectos técnicos do filme, vale a pena mencionar a fotografia idílica de Darius Khongji, repleta dos enquadramentos paisagísticos que ele ensaiara em “Magia ao Luar”, e a trilha musical contida, que repete, em mais de uma situação, a mesma versão jazzística de “The ‘In’ Crowd”, interpretada pelo Ramsey Lewis Trio, em que os gemidos e aplausos dos músicos sobrepõem-se aos acordes propriamente ditos, o que causa um efeito de estranhamento particularmente valoroso na cena em que Abe efetiva o seu plano assassino.

 Em muitos aspectos, pode-se reclamar que este seja um dos menos inspirados filmes allenianos, o que se explica por seu automatismo roteirístico (à beira do autoplágio) e por seu desperdício situacional, visto que, ao invés de levar a cabo a sua experiência com os devaneios do acaso e erigir uma insuspeita história de amor, o autor cede ao conformismo num discurso final que proclama uma ode à mediocridade pequeno-burguesa. Que venha o próximo filme, a fim de que possamos compreender o que este “Homem Irracional” quis nos dizer...

 Wesley Pereira de Castro.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

CARROSSEL - O FILME (Brasil, 2015). Direção: Maurício Eça & Alexandre Boury.


Lançada originalmente em 1989, em 375 capítulos, pela emissora mexicana Televisa, e exibida pelo canal brasileiro SBT dois anos depois, a telenovela “Carrossel” tornou-se um dos maiores sucessos estrangeiros a serem exibidos no País. Após algumas tentativas frustradas de regravar a referida telenovela (o pasticho “Carrossel das Américas”, por exemplo, produzida em 1992, mas exibida no Brasil somente em 1996), a mencionada emissora brasileira foi bem-sucedida ao convocar um desenvolto elenco infantil para reavivar os célebres personagens da teledramaturgia mexicana.

Dois anos após o término da telenovela, este longa-metragem chega às telas, trazendo de volta a quase integralidade do elenco original, sendo a exceção mais notável Rosanne Mulholland, que interpretava a professora Helena, mas que, por cláusulas contratuais envolvendo uma emissora concorrente, não pôde participar do filme. De início, o maior problema desta produção é não ser prontamente acessível para quem desconheça os dados componentes deste intróito. Ou seja, “Carrossel – O Filme” (2015) talvez não seja muito fluente para quem não tenha afinidade com os personagens, visto que seu roteiro apressado não é cuidadoso na apresentação dos mesmos, parecendo apenas estar dando continuidade a um capítulo inacabado.

Entretanto, perante a obviedade das situações que compõem a trama, isto não é de todo prejudicial, pelo menos não tanto quanto os vícios lingüísticos televisivos de Alexandre Boury, que dirigira, no passado, alguns execráveis longas-metragens protagonizados por Renato Aragão [entre eles, os horripilantes “Didi, o Cupido Trapalhão” (2003) e “Didi Quer Ser Criança” (2004)].

Não obstante a condução directiva do filme ser automática e o roteiro de Márcio Alemão e Mirna Nogueira ser propositalmente banal, a simpatia do extraordinário elenco infanto-juvenil torna este filme deveras apreciável, mesmo frente ao seu cabedal de problemas formais: os espontâneos Larissa Manoela (Maria Joaquina), Nicholas Torres (Jaime Palillo), Lucas Santos (Paulo Guerra) e Matheus Ueta (Kokimoto) fazem com que assistir a este filme pareça tão divertido quanto deve ter sido realizá-lo, inclusive no que tange à despretensiosa imitação de clichês combativos que foram explorados em ‘Esqueceram de Mim” (1990, de Chris Columbus), imitação esta que é assumida pelos próprios personagens numa dada cena.

Ainda que alguns atores infantis sejam sobremaneira desenxabidos [Stefany Vaz (Carmen Carrilho), Guilherme Seta (Davi Rabinovich) e Thomaz Costa (Daniel Zapata)], as situações protagonizadas pelas crianças são espirituosas e abundantes em humor brejeiro – conforme se percebe na cena em que a romântica e comilona Laura Gianolli (Aysha Benelli) corteja um rapazola por quem parece estar apaixonada e, de chofre, furta o seu sanduíche parcialmente comido [risos].

As situações advindas do ciúme que a hiperativa e cafona Valéria Ferreira (Maísa Silva) sente por seu namorado Davi, entretanto, são enfadonhas e contaminadas pela mesma verve deletéria - no sentido moral do termo – que sobejava nas produções anteriormente dirigidas por Alexandre Boury, tal qual se percebe na ridícula composição da personagem nordestina Graça (Márcia de Oliveira). Mas nada que a excelente caracterização estereotipada do vilão interpretado por Paulo Miklos não contrabalanceie!

Se, por um lado, a trilha musical é atravessada pelos arroubos equivocados de modismos fonográficos contemporâneos [a tendência ‘rapper’ da convocatória matinal do velhinho Sr. Campos (Orival Pessini) que o diga!], por outro, ela remodela de maneira minimamente interessante os chavões benfazejos sobre a amizade as diversões inocentes de outrora.

As colaborações de Bruna Caram e Erika Machado nas canções que aparecem incidentalmente são efetivas na manifestação encomiosa deste parecer geral sobre a trilha musical, que tenta beneficiar-se da percussividade somática na execução do efusivo tema “PanaPaná” ao final. Dentro das convenções aborrecidas dos filmes infantis, portanto, estas características de “Carrossel – O Filme” não soam demeritórias, de maneira que, em comparação com inúmeros exemplares hollywoodianos assemelhados, esta produção nacional é assaz exitosa.

 Pode-se reclamar que, numa avaliação estrita de suas potencialidades cinematográficas, “Carrossel – O Filme” demonstre-se preguiçoso, ainda que possua esmerados efeitos visuais (vide o incêndio na lagoa, por exemplo) e seja beneficiado pelo carisma de pré-adolescentes tão eloqüentes quanto a belíssima Fernanda Concon, que interpreta a esperta Alícia, aquela que convida os amigos para as férias num acampamento florestal, o que engendra as confusões do parco enredo. O ponto de partida competitivo entre as equipes roxa e laranja – que, por vezes, irrompia na tela sob a forma de telas divididas – é resolvido de maneira ladina quando os concorrentes põem a amizade acima de qualquer disputa e unem-se na causa comum pela salvação do acampamento em relação às ações vilanazes de empreiteiros que desejam transformar a região num parque industrial.

Não é um filme memorável, mas, dentro de perspectivas específicas de vendabilidade afetiva, ele é funcional em sua pretensão de emular uma “fábrica de saudades”. Ganha pontos em sua efetividade mercadológica tupiniquim, por conseguinte!

Wesley Pereira de Castro.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

MAD MAX: ESTRADA DA FÚRIA ('Mad Max: Fury Road') Austrália/EUA, 2015. Direção: George Miller


Não obstante ser – ao menos, por enquanto – o fecho de uma tetralogia iniciada com a obra-prima “Mad Max” (1979), este filme não carece da audiência prévia aos filmes anteriores para ser compreendido. Na verdade, ocorre praticamente o inverso: a trama desta obra é tão desconectada em relação aos eventos prévios da vida de Max Rockatansky (antes interpretado por Mel Gibson) que as reverberações de memórias de garotinhas suplicantes que culpam o protagonista por não ter conseguido salvá-las soam insuportavelmente incoerentes. Afinal de contas, levando-se em consideração o somatório de desgraças que já fora testemunhado (ou até mesmo praticado) pelo personagem-título, as suas reprimendas contra a esperança e a inserção do adjetivo ‘mad’ (que pode significar tanto ‘louco’ quanto ‘furioso’) em seu prenome tornam dispensáveis as lembranças persecutórias de melindrosos falecidos.

Sendo assim, logo em sua seqüência inicial, quando testemunhamos o sujo Max, diante de um precipício, narrando as condições mui rudes de sua sobrevivência quase instintiva, o filme demonstra-se perseguido por este conflito entre a violência inclemente e cultuada de sua verve australiana (vide o modo como o protagonista mastiga um lagarto bicéfalo que surge no deserto em que se encontrava) e o sentimentalismo que se instala até mesmo nos mais selvagens filmes de ação hollywoodianos (manifesto inicialmente através destas lembranças infantis persistentes e hipertrofiado no tratamento inevitavelmente “feminino” que é concedido às mulheres seqüestradas para serem meras reprodutoras, que Max se dispõe a salvar).

Apesar de este conflito não prejudicar a admissão da extrema qualidade da direção versátil de George Miller, que se aventurou por filmes dos mais diferentes gêneros e classificações etárias, conforme demonstram “As Bruxas de Eastwick” (1987), “O Óleo de Lorenzo” (1992) e “Babe – O Porquinho Atrapalhado na Cidade” (1998), para ficar apenas em alguns. Um traço comum a seus filmes? Quiçá a capacidade dos protagonistas em reconstruir os laços familiares após a ocorrência de tragédias, o que faz com que o final feliz de “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015) não seja desprovido de sentido, ainda que pareça um tanto súbito no que diz respeito aos “viciados em água” que circundavam a Cidadela em que viviam os personagens.

Com algumas similaridades formais em relação a “Mad Max 2: A Caçada Continua” (1981), o maior problema desta mais recente produção milleriana talvez seja o desenvolvimento de seu roteiro (escrito pelo próprio diretor, ao lado de Brendan McCarthy e Nico Lathouris), visto que, apesar do ótimo argumento e do aplaudível ritmo quase incessante de ação, os diálogos são vagos e desperdiçam o potencial levado a cabo pela extraordinária direção de arte. Se, nos minutos em que exibe o cotidiano do monstruoso Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne) e a sua horda infindável de serviçais filiais, o filme poderia explorar a contento sua transposição sexualmente invertida de uma colméia de abelhas – em que Joe seria, obviamente, a abelha-rainha; seus filhos deficientes, as abelhas-operárias; e as mulheres aprisionadas, os zangões reprodutores –, infelizmente, quando a rebelde Furiosa (Charlize Theron, maravilhosa) parte em sua jornada ensandecida pelos desertos da Terra devastada, todo este potencial descritivo-narrativo é desperdiçado.

Ainda que, em breves relances dialogísticos, a portentosa construção do universo tirânico de Joe reverbere – vide as práticas excessivamente ritualizadas de seus asseclas, as características patológicas dos portadores da “meia-vida”, as relações comerciais de interdependência com outras regiões –, o roteiro não se mostra tão oportunamente político quanto poderia ser, visto que o seu discurso ecológico e reflorestador na metade final, apesar de sincero e bem-vindo, soa muito mais convencional que legítimo, por causa, principalmente, de um incômodo momento anterior, em que flagramos as mulheres raptadas (algumas delas grávidas) banhando-se à revelia com uma mangueira, numa cena deveras assemelhada às que encontramos em filmes eróticos tradicionais.

 Se a substituição de Mel Gibson pelo alucinado Tom Hardy assegurou de imediato a caracterização insana do hipercodificado personagem, esta insanidade contamina todos os demais intérpretes, visto que as tentativas de comunicação entre eles são quase sempre aos gritos, aos socos e aos gestos frenéticos. Os laivos de calmaria, surpreendentemente, vêm da personagem Furiosa, que aos poucos revela a sua emocionante origem, e do inaudito Nux (Nicholas Hoult, também ótimo), que é convertido pelo amor, num estratagema narrativo que parece forçado no início (quando ele é impedido de ser assassinado por uma das mulheres, a partir da argumentação de que “não deve haver mortes desnecessárias”!), mas que é positivamente justificado quando ele utiliza seu treinamento de ‘kamicrazy’ para sacrificar-se em prol das sobreviventes e futuras ressemeadoras do mundo.

Todo o processo de conversão, entretanto, revela mais uma concessão roteirística às convenções sentimentais do cinema hollywoodiano, sendo o mesmo bem-aceito pelo espectador tanto por sua funcionalidade intrínseca quanto, sobretudo, por sua previsibilidade contextual. No que tange às interpretações e caracterizações, portanto, o filme foi deveras feliz em suas escolhas, sendo mais uma vez digna de menção elogiosa a magnificente direção de arte e os estupefacientes trabalhos de maquilagem e indumentária.

Em meio à frenética corrida que domina mais de três quatros da duração (120 minutos) do filme, um aspecto genial salta aos olhos: a diegetização da espetacular trilha musical de Junkie XL (nome de palco do DJ holandês Tom Holkenborg), a partir da reprodução de uma prática comum nas investidas bélicas do passado, a saber, o acompanhamento, nas batalhas, de músicos que seguiam os soldados. Assim sendo, o guitarrista delirante que é mostrado executando um instrumento ígneo, cercado por dezenas de bateristas, enquanto hordas de veículos velocíssimos digladiavam entre si, surge como um dos maiores e singulares méritos deste filme. Um detalhe magistral, que fica ainda mais vigoroso quando o próprio Max enfrenta este guitarrista numa luta corpo a corpo, estando o mesmo muito mais preocupado em continuar com a execução de sua cantilena ‘rocker’ que em ferir o seu inimigo.

Mais uma vez, reaproveitando a metáfora da colméia, isto faz pensar na subordinação das abelhas-operárias às funções para as quais foram designadas, sendo muito interessante na concepção da aparência física das centenas de filhos de Immortan Joe a sua face decrépita, decorrente não apenas de uma anemia nata como também das várias pústulas que irrompem em seus corpos esquálidos, infecções estas que são tão naturalizadas que o meigo Nux chega mesmo a nomear e tatuar amigavelmente os tumores que podem consumir definitivamente as suas já parcas forças vitais.

 Para além do sub-aproveitamento do próprio universo que erigiu, o roteiro de “Mad Max: Estrada da Fúria” não impede que o filme como um todo seja uma elegante diversão e uma advertência autoflagelada acerca das inelutáveis contradições morais da produção cinematográfica hodierna: afinal de contas, se um filme gastou milhões de dólares em sua produção (e, diante da exuberância dos cenários, é óbvio que o orçamento desta produção foi avassalador), é imprescindível que os mesmos sejam devolvidos na bilheteria e, a fim de os espectadores não estranhem por completo o resultado final, as convenções românticas e sentimentais a que eles estão acostumados devem ser conservadas. Nesse sentido, não de seve repreender George Miller por ter tentado: sua direção é absolutamente audaciosa! Pena que não apenas o diretor comanda o filme...


 Wesley Pereira de Castro.