tag:blogger.com,1999:blog-64904987913456503352024-03-19T13:36:04.320-07:00CRÍTICAS DE UM CINEMA NUPseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.comBlogger301125tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-91488151797135037492024-02-16T17:42:00.000-08:002024-02-16T18:11:04.486-08:00NADA SERÁ COMO ANTES - A MÚSICA DO CLUBE DA ESQUINA (2023, de Ana Rieper)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyQwmj8x0Qb-Ui8D0vkYbOQsXWx39jLbkQ_l4p5IkgR9Oe7L2pQ6Z8frFzXvWC-4q_pVsSLDPeWFy3KukprqAQ7YqB2B-GqnIDk3tNYSl5C_DQm_d8w6B5vXqBQQw1C7-scBuZe87nayAlpPXWDrdPtaM_aV-qOCbkDJ_QvoO94U1ooUuPOt47jBg_hT0/s1280/Nada%20Ser%C3%A1%20como%20Amtes.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyQwmj8x0Qb-Ui8D0vkYbOQsXWx39jLbkQ_l4p5IkgR9Oe7L2pQ6Z8frFzXvWC-4q_pVsSLDPeWFy3KukprqAQ7YqB2B-GqnIDk3tNYSl5C_DQm_d8w6B5vXqBQQw1C7-scBuZe87nayAlpPXWDrdPtaM_aV-qOCbkDJ_QvoO94U1ooUuPOt47jBg_hT0/s320/Nada%20Ser%C3%A1%20como%20Amtes.jpg" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Apesar do subtítulo descritivo, este filme não opta pelo percurso historiográfico nem será idealmente apreciado por quem não conhece a fundo o disco em pauta: a diretora realiza quase um 'making-of' tardio, um material que poderia muito bem ser inserido nos extras do DVD de um efusivo reencontro, no palco, entre os músicos entrevistados. A tônica depoimental é tão improvisada quanto eram as composições do grupo, em relatos que enfatizam o quão importante é a amizade na criação artística: <i>"o Clube da Esquina só existiu por causa do movimento estudantil e do cinema",</i> enfatiza um deles, inclusive.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">No início, Lô Borges agradece ao instante em que sua mãe pediu para que ele comprasse pão e leite e, ao descer a escada do prédio em que morava, escutou a voz egrégia do jovem Milton Nascimento: ficou compreensivamente fascinado por ele, à primeira audição. De repente, o músico comenta que, em sua época, "a infância era muito mais inocente" e que "demorou para descobrir que Papai Noel não existia". Aos dez anos de idade, ele encontrou Beto Guedes na rua, e tentou trocar algumas moedas estrangeiras pelo patinete que ele conduzia. E, assim, ele vai mudando de assunto, demonstrando que é tudo muito circunstancial no documentário, o que confirma a ambientação afetiva identificada pelos entrevistados. Porém, isso deixa o espectador frustrado por não <b>saber </b>mais sobre o processo de criação do álbum: para a diretora, o que importa é <b style="font-style: italic;">sentir, </b>através de lembranças compartilhadas!</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Lançado em março de 1972, o álbum "Clube da Esquina" é sobremaneira elogiado pelos críticos musicais, sendo considerado um dos melhores e mais importantes discos brasileiros. Recentemente, a famosa capa - que flagra dois garotos, um branco e um negro, sentados no chão de uma estrada de terra - foi alvo de um processo judicial, visto que os dois meninos, já crescidos, exigiram compensação monetária, por não saberem que foram fotografados e expostos comercialmente por tanto tempo. Esta informação não aparece no filme, e o próprio processo de gravação do álbum é comentado de maneira esparsa. À realizadora, conhecida por ter se enveredado pela influência da música brega, em "Vou Rifar Meu Coração (2011 - crítica <a href="https://crticasdeumcinemanu.blogspot.com/2012/08/vou-rifar-meu-coracao-brasil-2011.html" target="_blank">aqui</a>), interessa muito mais registrar a emoção dos cantores, já idosos, redescobrindo acordes, lembrando causos de quando eles passavam as noites juntos, conversando e cantando sobre os mais variados temas, na esquina de uma rua do bairro onde residiam... </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Sendo ostensivamente modesto na adoção da linguagem documental e evitando estratagemas que poderiam encarecer o orçamento do filme (executar as canções de The Beatles que os amigos músicos tanto mencionam, por exemplo), "Nada Será Como Antes - A Música do Clube da Esquina" cumpre o que está embutido na primeira sentença titular, em suas intenções nostálgicas, mas revela-se conteudisticamente parco na aplicação da segunda. Conhecemos as influências (rock progressivo, jazz, pontos de candomblé) daqueles outrora rapazes, descobrimos que a musicalidade mineira é influenciada pela geografia montanhosa do Estado e constatamos que a inteligência e a sensibilidade dos responsáveis por uma obra-prima do cancioneiro nacional permanecem resguardadas. Todavia, isso não é suficiente para explicar a excelência e a complexidade da feitura de um álbum musical. Enquanto longa-metragem documental, este filme é tão evasivo quanto uma conversa ouvida durante um passeio de trem: instaura a curiosidade e nos atiça, carinhosamente, mas logo se perde em meio a outros chamarizes audiovisuais. Fica a recomendação para ouvirmos novamente o disco, prestando ainda mais atenção à beleza singular de suas letras e acordes: "<i>você ainda pensa e é melhor do que nada</i>"!</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: right;">Wesley Pereira de Castro. </div><p></p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-55118931402497281702024-02-03T19:00:00.000-08:002024-03-03T13:39:14.067-08:00POBRES CRIATURAS (2023, de Yorgos Lanthimos)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxrNnDtuBdy5xsAWfyxnpA98soj3gGMfmt4JgKzUMC-8VJe-gis2QrrWPOKg0Mcf6De4nBlZz6h4rQvO0Mj3emN-R7p_dW5m8Qv_HVIR1HDj1RBDHlrVLVtQxi11pxMkJl3elmjlG92hTb7yGPFPAJyI02mpnFCtEza0-GFQSlyWboSvbWMTfXpgDE12I/s1682/Pobres%20criaturas.webp" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="900" data-original-width="1682" height="171" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxrNnDtuBdy5xsAWfyxnpA98soj3gGMfmt4JgKzUMC-8VJe-gis2QrrWPOKg0Mcf6De4nBlZz6h4rQvO0Mj3emN-R7p_dW5m8Qv_HVIR1HDj1RBDHlrVLVtQxi11pxMkJl3elmjlG92hTb7yGPFPAJyI02mpnFCtEza0-GFQSlyWboSvbWMTfXpgDE12I/s320/Pobres%20criaturas.webp" width="320" /></a></div>Em dado momento do filme - mais precisamente no capítulo sobre um cruzeiro marítimo - a protagonista Bella Baxter (intensamente interpretada por Emma Stone) conhece um gigolô chamado Harry (Jerrod Carmichael), que, além de demonstrar a ela que há muita miséria no mundo, tenta demovê-la de ter esperança na humanidade, "seja advinda da religião, do socialismo ou do capitalismo". E, enquanto ele discursa, podemos enxergar nele uma espécie de alter-ego diretor, conhecido por sua misantropia. À primeira vista, esta é uma breve participação, uma fala solta. Mas a onipresença egóica do realizador é manifesta ao longo de toda a projeção, através de uma perspectiva que simula o fechamento da íris ou uma bisbilhotada pelo buraco de um telescópio: há um personagem cujo apelido é God, mas, no universo lanthimosiano, o único deus é ele próprio! <p></p><p><br /></p><p>Isso não quer dizer que o direcionamento feminista do roteiro seja inócuo: muito pelo contrário, a jornada de amadurecimento de Bella, a partir de suas múltiplas descobertas sexuais, é sobremaneira aplaudível, não obstante terminar num previsível mote vingativo, que faz referência direta ao desfecho de "Monstros" (1932, de Tod Browning). É uma das diversas referências literárias e cinematográficas detectáveis nesta luxuosa produção, que conta com uma fotografia acachapante e ostensivamente artificial de Robbie Ryan , que leva ao extremo a utilização de lentes olhos-de-peixe, mais uma vez corroborando o olhar teológico do realizador, testada anteriormente na colaboração em "A Favorita" (2018). A trilha musical de Jerskin Fendrix é igualmente esplêndida! </p><p><br /></p><p>As inspiradas seqüências no prostíbulo parisiense possuem elementos conteudísticos que remetem ao clássico "A Bela da Tarde" (1967, de Luis Buñuel) e ângulos e enquadramentos mui assemelhados a "Laranja Mecânica" (1971, de Stanley Kubrick), o que não deve ser casual, já que todas estas obras possuem como tema comum a adesão defensiva do livre-arbítrio. Neste sentido, é muito complexo, no mais positivo dos sentidos, o desenvolvimento tramático das relações que Bella estabelece com o anatomista que lhe serve de figura paterna, Godwin (vivido por um excelente Willem Defoe), e a companheira de meretrício que torna-se a sua amante e iniciadora explícita no socialismo, Toinette (Suzy Bemba). É magnífica a cena em que as duas, fugindo da perseguição ciumenta do insuportável Duncan (Mark Ruffalo), gritam: "<i>nós somos nossos próprios meios de produção"</i>!</p><p><br /></p><p>Esta última frase, mui oportuna, faz com que retornemos para um conflito interno no enredo fabular: ainda que Bella Baxter chame a atenção por seu empirismo erótico e que a atriz Emma Stone mereça todos os aplausos e prêmios por sua extraordinária entrega actancial, é a obsessão do realizador pela temática supostamente protetoral do <b>confinamento </b>que se instaura como dominante. O protagonismo é feminino - e repetimos: também feminista -, mas o que efetivamente interessa ao diretor é a confirmação de suas teses sobre a degradação dos caracteres humanos em face da repressão alheia (alegadamente social) sobre a sobrecarga desejosa (biológica e/ou natural) de alguém, o que já pode ser detectado nos filmes que ele rodou antes de "Dente Canino"(2009), que garantiu-lhe projeção internacional. Yorgos Lanthimos é um esteta que desconfia das intenções dos amantes, dos cuidados familiares e da beleza enquanto válvula de escape sensório. Como tal, precisa aderir a certa dose de sadismo (insere a questão ameaçadora da infibulação!), felizmente moderado neste trabalho mais recente, permeado por situações e diálogos cômicos, pelas intervenções de uma figura terna (o assistente Max McCandles, vivido por Ramy Youssef) e por algumas manifestações reflexivas do perdão. Quão luminosas são as aparições de Hanna Schygulla, admitindo que também é adepta da masturbação. Viva! <br /><br /><br /></p><div style="text-align: right;">Wesley Pereira de Castro. </div><p></p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-3543140680946295322023-10-21T18:31:00.004-07:002023-10-21T18:45:56.386-07:00ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES (2023, de Martin Scorsese) <p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxWUlWQwU8pJkOyvGa9Lcd3DkbL5WPtEZUmVU5J0eu59-KEI5A-ECtk9iSOHwZDFoMeS8NiJYq1VJtMWDrCPbVpAl4WWfvA2GmUJjLtltKycJppzSOYRRkHMmg_csaX2EyHb5keEoEzWjqINa01UWSMPH5gwFzP6QV4kys5Uk1JLHmfx3R0xhtWjc1EcE/s1024/Flower%20Moon.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="536" data-original-width="1024" height="168" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxWUlWQwU8pJkOyvGa9Lcd3DkbL5WPtEZUmVU5J0eu59-KEI5A-ECtk9iSOHwZDFoMeS8NiJYq1VJtMWDrCPbVpAl4WWfvA2GmUJjLtltKycJppzSOYRRkHMmg_csaX2EyHb5keEoEzWjqINa01UWSMPH5gwFzP6QV4kys5Uk1JLHmfx3R0xhtWjc1EcE/s320/Flower%20Moon.jpg" width="320" /></a></div><br />Em dado momento das três horas e vinte minutos de duração deste filme, os fãs das aceleradas narrativas scorseseanas tendem a estranhar a maneira comedida com que ele se dedica à <i>linearidade </i>do relato, quiçá obedecendo à estrutura capitular do romance original de David Grann. Diferentemente do que ele acostumou-nos em seus trabalhos mais célebres, aqui, a montagem de sua colaboradora fiel Thelma Schoonmaker evita as estripulias lingüísticas, não obstante servir-se de paralelismos situacionais e de 'flashbacks' explicativos/revisionistas. Até que a derradeira seqüência referenda a genialidade do realizador, no que tange à consciência de que, ao narrar a História de seu país, ele obrigatoriamente dedica-se a uma listagem de assassinatos. O que, porém, não o leva a estimular a descrença nas instituições democráticas, mesmo que fique evidente que isso advém de construtos discursivos embasados na repetição factual com intenções descadaramente ideológicas... <p></p><p><br /></p><p>Ao narrar a comunhão matrimonial oportunista (e ambígua) entre um jovem recém-chegado da I Guerra Mundial (Leonardo DiCaprio) e uma mulher indígena (Lily Gladstone, magnífica) com direito a grandes somas de dinheiro, relacionadas à exploração de petróleo em suas terras nativas, Martin Scorsese - que adaptou o roteiro do filme, junto ao premiado Eric Roth - chama a atenção exatamente para aquilo que a História é: uma narração! Neste sentido, o brilhantismo do desfecho também possui uma carga autocrítica, visto que, somando-se pincipalmente a John Ford [1894-1973], o diretor tem clareza de que contribuiu para uma apreensão deveras específica sobre as condições de estabelecimento da nação estadunidense. Ou seja, ele assume que oferece mitos nacionais ao espectador, malgrado preferir a faceta anti-heróica (ou até mesmo vilanesca) dos mesmos, fazendo com que este novo longa-metragem seja um complemento direto do igualmente magistral "Gangues de Nova York" (2002). </p><p><br /></p><p>Fotografado de maneira excelente por Rodrigo Pietro, "Assassinos da Lua das Flores" é musicado de forma inteligente por Robbie Robertson [1943-2023], cujas composições muitas vezes se estendem por longos minutos, reforçando o aspecto conseqüencial das atitudes dos personagens, em cenas distintas. Ainda que a perspectiva dominante seja a do protagonista Ernest Burkhart, em tom objetivo, o filme surpreende ao inserir duas alucinações moribundas da personagem Lizzie Q. (Tantoo Cardinal), em tom subjetivo, antecipando a reviravolta narratológica da seqüência final, uma das mais corajosas já filmadas (e protagonizadas) pelo cineasta, um dos mais talentosos em atividade em Hollywood! </p><p><br /></p><p>Em sua décima colaboração actancial com o diretor, Robert De Niro converte o vilão William King Hale num personagem que sintetiza as características hipócritas facilmente encontráveis nos líderes carismáticos de algumas regiões norte-americanas, sendo escancaradas as intenções político-denuncistas do enredo quanto a problemas da atualidade. Porém, o foco tramático é o pedido de desculpas a uma comunidade indígena que foi amplamente dizimada, num projeto malévolo desvendado pelo então recente FBI (Federal Bureau of Investigation), fundado em 1908. Quantos e quantos genocídios locais não receberam a mesma atenção midiática, conforme o diretor faz questão de emular, ao citar a influência da Ku Klux Klan nalguns atos violentos, mencionados pelos personagens. Servindo-se, portanto, de uma estrutura narrativa consolidada, Martin Scorsese obriga-nos a questionar os interesses por detrás da própria <i>ficcionalização - </i>e, assim, no auge de oitenta anos de idade, ele entregou-nos um trabalho de gênio! </p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-90341372269504788692023-09-30T09:42:00.010-07:002023-10-08T10:21:45.751-07:00OTHELO, O GRANDE (2023, de Lucas H. Rossi dos Santos) <p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqY3Sq8BdsxvyxkDgqDFJJvlrDOefVPP6sWicnCP86c0GgLuMN06CHgjmmBKGiKrtH-DWNsyExFPFTctApZXJfRDyfqXmT3qhmrAqCJe1vO6y_10n5FAq3ITXslmvkF3oj1yxRhD698hr9KPNHPWY9m9yx4jOFu8Uo2_s7ztj0Eh9YBnDXnF9sn0aMsX4/s1186/grnde%20otelo.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="593" data-original-width="1186" height="160" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqY3Sq8BdsxvyxkDgqDFJJvlrDOefVPP6sWicnCP86c0GgLuMN06CHgjmmBKGiKrtH-DWNsyExFPFTctApZXJfRDyfqXmT3qhmrAqCJe1vO6y_10n5FAq3ITXslmvkF3oj1yxRhD698hr9KPNHPWY9m9yx4jOFu8Uo2_s7ztj0Eh9YBnDXnF9sn0aMsX4/s320/grnde%20otelo.jpg" width="320" /></a></div><br />É sempre válido que se fale sobre os múltiplos talentos do ator, compositor e humorista mineiro Sebastião Prata [1915-1993], mas este documentário segue um percurso laudatório mui tradicional, com viés quase telejornalístico. Ainda que sejam aproveitados excelentes depoimentos do ator e que a montagem seja primorosa, ao concatenar diversas participações do artista em filmes e programas de TV, a ausência de narração, a falta de identificação imediata dos materiais utilizados e a recusa em exibir outras personalidades falando sobre o biografado tornam o resultado sobremaneira reiterativo. Não sabemos <i>mais </i>sobre este importante brasileiro apenas a sessão, apenas revemos trechos que já foram utilizados em reportagens anteriores sobre ele!<p></p><p><br /></p><p>Tendo como mote recorrente a entrevista que o ator concedeu ao programa "Roda Viva", da TV Cultura, em 1987, há importantes menções à discriminação racial que ele enfrentou ao longo de toda a sua vida, além da exposição revoltante de trechos indisfarçadamente racistas de obras das quais ele participou, como o filme no qual alguém se interroga <i>"como uma cabeça tão preta pode ter idéias tão claras?".</i> Porém, as omissões são gritantes, seja no falta de aproveitamento dos comentários de Grande Otelo sobre o Cinema Novo - donde a sua presença em "Os Herdeiros" (1970, de Carlos Diegues) é marcante enquanto enfrentamento -, seja na falta de manifestação sobre os derradeiros trabalhos do ator ou mesmo sobre as condições de seu falecimento. Neste sentido, o filme, em seus propósitos documentais, é decepcionante. </p><p><br /></p><p>Voltando ao parágrafo inicial, não obstante este filme apenas requentar cenas de outros veículos, é sempre válido que se fale sobre Grande Otelo, que tenhamos a oportunidade de ouvi-lo comentar sobre os encontros com Orson Welles [1915-1985] ou Werner Herzog, enumerar as características e fatos de suas relações familiares ou recitar a máxima de que <i>"todo ator cômico, nalgum momento, emocionará alguém e todo ator dramático, nalgum instante, conseguirá fazer alguém sorrir". </i>E, tal qual Zezé Motta expande, a partir de alguns versos de Carlos Drummond de Andrade [1902-1987], Sebastião Bernardes de Souza Prata foi um artista completo! </p><p><br /></p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-26343731999476698992023-09-27T17:16:00.004-07:002023-09-27T17:34:33.497-07:00NOSSO SONHO (2023, de Eduardo Albergaria)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqc06b0N9yJsTSck0kR_NwlfOEeExo9yrsHqH6XYARe7tgfThoeV81unRNPMTGiR_5ZWev_q8aDwO4NeYo8jd6mkOl6oxwGoTFgre2SQhiprkfCTDg8I4IZd2G9WsovIcI6zm9pTTKQs0wH0y84z0hERhinCbccMGOwjGGHqyTKRNyNmVueIR6pNXgZ14/s1024/Nosso%20Sonho.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="574" data-original-width="1024" height="179" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqc06b0N9yJsTSck0kR_NwlfOEeExo9yrsHqH6XYARe7tgfThoeV81unRNPMTGiR_5ZWev_q8aDwO4NeYo8jd6mkOl6oxwGoTFgre2SQhiprkfCTDg8I4IZd2G9WsovIcI6zm9pTTKQs0wH0y84z0hERhinCbccMGOwjGGHqyTKRNyNmVueIR6pNXgZ14/s320/Nosso%20Sonho.jpg" width="320" /></a></div><br />Quando se dispõe a mostrar os intérpretes da dupla Claudinho & Buchecha nos palcos e/ou gravações, este filme mostra-se contagiante e bem-sucedido. Entretanto, o roteiro escrito pelo diretor e mais três colaboradores deixa-se contaminar pelas recorrências ideológicas da produtora Globo Filmes, que, em seu esforço por libertar a emissora televisiva parônima de seus vínculos anteriores com a ditadura militar, comete pecadilhos reconstitutivos que, em sua aparente banalidade, dizem muito enquanto intenção culposa de reescritura da História. Vide o cartaz que menciona a entrada de um Real (R$ 1,00) num baile 'funk', em 1993, quando os protagonistas se reencontram, ou a oportuna exibição de "Central do Brasil" (1998, de Walter Salles), no canal fechado Telecine, quando os personagens compram uma casa. Não são erros circunstanciais na direção de arte, mas situações que, em seu bojo, trazem discursos reforçadores da importância dos Aparelhos Ideológicos de Estado - entre eles, a família. <p></p><p><br /></p><p>Não é por acaso, portanto, que o percurso de sucesso dos dois cantores seja progressivamente sufocado, em seu elã tramático, pela dificuldade de Claucirlei/Buchecha (Juan Paiva) em perdoar o pai alcoólatra, seu Souza (Nando Cunha), de modo que a parceria quase fraternal com Claudinho (Lucas Penteado) é essencial nesta reiteração discursiva, visto que é ele quem sempre traz o parente rejeitado para os eventos comemorativos. O que é ainda mais suspeitoso neste processo é que, sobre a família de Claudinho, nada sabemos: no filme, ele vive em função do acolhimento parental de seu parceiro. E, obviamente, sendo esta uma biografia cinematográfica validada por um dos personagens retratados - que ainda está vivo e é apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro -, o delineamento moral dos protagonistas é ilibado: eles se casam com mulheres que conhecem desde a adolescência, são monogâmicos e mui tolerantes, e demonstram-se alheios à violência do tráfico, característica de muitas comunidades cariocas, e até mesmo ao consumo recreativo de substâncias viciantes. Não chega a ser de todo inverossímil, visto que o comportamento público/midiático dos artistas diferenciava-se de outros representantes do 'funk' justamente por conta de sua ingenuidade exacerbada, mas o roteiro do filme é ideologicamente exaustivo, em sua unilateralidade, do meio para o final. </p><p><br /></p><p>Como "Nosso Sonho" é um exemplar sobremaneira simpático do cinema brasileiro contemporâneo, intencionalmente voltado para as camadas mais populares da audiência, é mister ressaltar algumas de suas qualidades, que são notáveis: os dois protagonistas juvenis, por exemplo, estão muito bem, ao representarem a espontaneidade histriônica e a timidez obediente de Claudinho e de Buchecha, respectivamente. A utilização das canções dos referidos artistas dota o filme de uma benfazeja nostalgia, ainda que acompanhemos pouco sobre os processos compositivos das mesmas. Pena que, apesar de Buchecha ser o narrador, é a lógica comportamental do senhor Souza que impregna a narrativa, não sendo casual a quantidade de vezes em que se repete o mantra "<i>quem é talentoso não tem patrão"</i> ou, menos ainda, que os patrões de Buchecha sejam mostrados tão benevolentes quanto aos seus anseios musicais. </p><p><br /></p><p><br /></p><p>As homenagens derradeiras são emocionantes, inclusive no que diz respeito ao caráter profético de Claudinho (falecido em 13 de julho de 2002, num acidente automobilístico), identificado em várias de suas composições e declarações pessoais - vide o pedido que faz para o amigo, a ser atendido no aniversário de quinze anos de sua filha Andressa. Nos créditos finais, o subtítulo "a História de Claudinho e Buchecha" aparece modificado na tela, pois Buchecha é o verdadeiro biografado, sobrevalorizado em sua definitiva reconciliação paterna, de modo que o longa-metragem é também dedicado a "Buchechão", apelido de seu progenitor. Tudo muito direcionado em seus prognósticos institucionais, como a produção não faz a mínima questão de disfarçar! </p><p><br /></p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-75648834176335590712023-09-22T14:41:00.007-07:002023-09-22T15:10:13.405-07:00ESTRANHA FORMA DE VIDA (2023, de Pedro Almdodóvar)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjohHwiUE3VhBRAHTs-qhUgjhfKHWe6FyGlTwQd8ate3_9mvIOfO2IVZaE4Uxnu21emd_R2irfbyoZgu-SdvNpP42wlwHAegZxXcooL8X49sT5blDvK4Eo0an3ww4JOZ6mddnjw4P4ms9WSpnaBFg5jclt7PXISKd5GKt3cEYHin2qxKvNzZ4S6Ik9cY3o/s1762/Strange%20Way.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="732" data-original-width="1762" height="133" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjohHwiUE3VhBRAHTs-qhUgjhfKHWe6FyGlTwQd8ate3_9mvIOfO2IVZaE4Uxnu21emd_R2irfbyoZgu-SdvNpP42wlwHAegZxXcooL8X49sT5blDvK4Eo0an3ww4JOZ6mddnjw4P4ms9WSpnaBFg5jclt7PXISKd5GKt3cEYHin2qxKvNzZ4S6Ik9cY3o/s320/Strange%20Way.jpg" width="320" /></a></div><br />Não obstante sermos capazes de identificar, neste curta-metragem, traços característicos do cinema almodovariano, ele parece estar bem menos à vontade com o idioma inglês que na experiência anterior [o ótimo "A Voz Humana" (2020)]: ao apropriar-se de elementos caros ao gênero 'western', mas sob a corruptela do romance homossexual interditado, o realizador incorre numa <i>autocensura estilística</i>, de modo que este filme chama mais a atenção pelos rumos sinópticos, deixados em aberto, que pela relevância dos partícipes técnicos envolvidos... <p></p><p><br /></p><p>Trabalhando novamente com o fotógrafo José Luis Alcaine e, principalmente, com o músico Alberto Iglesias, o diretor e roteirista espanhol, infelizmente, parece sabotar a si mesmo, dotando a trama de uma pudicícia vetusta, ao menos compensada pela entrega de seu elenco: Pedro Pascal, lamentavelmente, não dispõe de tempo suficiente para complexificar a sua participação actancial, no sentido de que o propalado reencontro amoroso possui um interesse escuso, mas Ethan Hawke aproveita com galhardia seus traços fisionômicos (e vocais) rudes, a fim de delinear um personagem que sufoca os seus desejos incompreendidos através da diligência profissional; e, na única seqüência em que comparece, George Steane demostra-se como um reencarnação encrudescida dos arquétipos que povoaram as obras exordiais do realizador. O desfecho do filme, por sua vez, é embasado numa temática que ronda toda a filmografia de Pedro Almodóvar: a dedicação de um algoz em cuidar, mui zelosamente, da pessoa que feriu, justamente por amar demais. Na imagem final, em que os créditos são exibidos enquanto cavalos descansam num rancho, o curta-metragem justifica a sua existência discursiva, ainda que seja um trabalho não tão memorável de seu autor. </p><p><br /></p><p>Dentre os indicativos de debilidade formal deste filme, podemos enfatizar: a montagem de Teresa Font (colaboradora recorrente do diretor, em suas últimas produções), que deixa a má impressão de compacto de episódio-piloto de uma série de TV ou de um 'trailer' estendido; a artificialidade da aparição de Manu Ríos, que dubla de maneira pouco imersiva a canção titular de Caetano Veloso; e o refinamento posado com que as situações eróticas são filmadas, todas sob o jugo publicitário do principal patrocinador, a grife Saint Laurent. Ainda que o desfecho seja reconhecível, enquanto abordagem continuada das questões que interessam ao realizador - tal qual susomencionado -, o curta-metragem é quase inautêntico na introdução da permissividade lasciva que culminou em roteiros outrora polêmicos, como os de "A Lei do Desejo" (1987) e "Fale com Ela" (2002), para ficar em dois exemplos da excelência de um cineasta que sucumbiu ao cansaço das concessões parahollywoodianas. Um sintoma preocupante de seu desgaste criativo! </p><p><br /></p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-8725536259841216612023-09-08T15:42:00.006-07:002023-09-08T15:55:26.223-07:00RETRATOS FANTASMAS (2023, de Kleber Mendonça Filho)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsk-bNXDuDwZYNO6D4oeQ8HKUZOTMXGDtklGMXQQM2vvueh8oftgQQ7yXstp-SHovQ8HfUb4RN3q732JYu2JOL5ViEkGRc7kRv0EzTrBrvsznZBG9BzzCa2Ep4zZPkYRQSAOwgFcU5LZTTh7LFVat1KqcActo4GPTMlsD1tvt-Az_JQEsv5IgJZBOLVfo/s1155/Retratos%20Fantasmas.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="770" data-original-width="1155" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsk-bNXDuDwZYNO6D4oeQ8HKUZOTMXGDtklGMXQQM2vvueh8oftgQQ7yXstp-SHovQ8HfUb4RN3q732JYu2JOL5ViEkGRc7kRv0EzTrBrvsznZBG9BzzCa2Ep4zZPkYRQSAOwgFcU5LZTTh7LFVat1KqcActo4GPTMlsD1tvt-Az_JQEsv5IgJZBOLVfo/s320/Retratos%20Fantasmas.jpeg" width="320" /></a></div>Obedecendo a uma recorrente estrutura tripartite, o renomado crítico e cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho utiliza como ponto de partida ensaístico as filmagens, em vídeo ou Super-8, que realizou desde a sua juventude, a fim de traçar um paralelismo entre o seu cotidiano doméstico, a nostalgia das sessões cinematográficas de outrora e as brutais transformações (para pior) do espaço urbano, na contemporaneidade. Repetindo o apotegma de que os filmes de ficção (inclusive, os futuristas) são também documentários, ele ficcionaliza a própria vida, ao documentá-la. E o resultado é sobremaneira emocionante! <p></p><p><br /></p><p>Na primeira seção, "o Apartamento de Setúbal", a narração do cineasta explica como a sua mãe - que era historiadora e faleceu antes de completar sessenta anos de idade - adquiriu o lugar no qual ele vive e que se tornou um cenário utilizado em várias de suas produções cinematográficas. É quando a relevância que ele concede às contaminações vicinais ressurge enquanto temática transversal de toda a sua obra, cujo apogeu é o longa-metragem "O Som ao Redor" (2012); na seção seguinte, "Os Cinemas do Centro de Recife", o cineasta edita valiosos materiais de arquivo, que registram desde as festas de inauguração de antigas salas de cinema até a relevância semiótica contida nos textos que estampavam as marquises das mesmas, passando pela valorização das atividades de profissionais-chave, como uma bilheteira e um projecionista; e, por fim, em "Igrejas e Espíritos Santos", a tônica analítica destaca a reação aos novos rumos da especulação imobiliária, culminando na constatação de que os templos do entretimento foram convertidos em fortalezas pentecostais (o que impactou no direcionamento ultraconservador da política brasileira) e, hoje, desembocaram nos grandes empreendimentos farmacêuticos. Ao invés de proporcionar alguma cura, isso adoece ainda mais...</p><p><br /></p><p>Orquestrando de maneira hábil quais aspectos de sua vida pessoal/familiar são discursivamente enfatizados (sendo presumido que o espectador já sabe quem é o realizador, a ponto de ele mencionar a esposa de maneira breve, citando apenas o seu prenome), Kleber Mendonça Filho ignora os anos em que vivera fora do Brasil, por exemplo. O modo recitado como ele urde vocalmente as próprias memórias tem por interesse uma empatia genérica, que substitui a assunção de seus privilégios de classe pela constatação de que os processos de gentrificação descritos ocorrem na maioria dos cidades ocidentais. Servindo-se de elaborados efeitos sonoros e de uma montagem primorosa, as imagens de tempos passados são costuradas subjetivamente, às vezes forçando interpretações, como quando o diretor encontra manifestações fantasmáticas no catálogo audiovisual que ele desvela. Lidando com "coincidências" que, em verdade, são apanágios do capitalismo especulativo, o diretor converte a <b>cinefilia </b>em<i> estratégia de sobrevivência</i>, coadunada à aceitação carnavalesca do entorno e às reconstruções afetivas da arquitetura recifense. Foi erigido, assim, um clássico imediato!</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. <br /> </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-71392863607582598622023-07-31T19:27:00.009-07:002023-08-01T10:03:58.185-07:00BARBIE (2023, de Greta Gerwig)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhF3eQWDmGh-wdcqQW6brlwpyhzL0aMZamjJ94Ek7FaX91pOnpoaNYiji3aFFlQr6LdYbCgAejxx5nbQaV2XaQ4J_v6IXccqdPI7vMsCeQpKu167S0IQcicR9JHPCgS1KixG6_Z3hXdcjWgUbaokt3pn0Q9OoCdSSjL0AU_InMqxn8oUCYNG4IwXGVPxXQ/s1920/babrie%202023.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhF3eQWDmGh-wdcqQW6brlwpyhzL0aMZamjJ94Ek7FaX91pOnpoaNYiji3aFFlQr6LdYbCgAejxx5nbQaV2XaQ4J_v6IXccqdPI7vMsCeQpKu167S0IQcicR9JHPCgS1KixG6_Z3hXdcjWgUbaokt3pn0Q9OoCdSSjL0AU_InMqxn8oUCYNG4IwXGVPxXQ/s320/babrie%202023.jpg" width="320" /></a></div><br />Convém ir direto ao ponto: para além de qualquer boa intenção discursiva que exista no roteiro deste filme, o seu fundamento evidente é <b>publicitário</b>, com a intenção de vender mais e mais produtos associados à boneca titular. Não é por acaso que, em diversos momentos, as peças de vestimenta masculinas e femininas aparecem como se estivessem numa vitrine de loja, com uma etiqueta em destaque. Faltou apenas o preço, no sentido de que este é cobrado através da mesma moeda simbólica identificada pela personagem Gloria (America Ferrera), numa fala involuntariamente aproveitada: a nossa<i><b> imunidade cultural</b></i>. Tal como ela compara a sujeição acachapante das mulheres da Barbielândia ao recém-trazido legado patriarcal à impregnação de doenças européias entre os povos indígenas violentamente colonizados, somos contaminados pelas pragas capitalistas espalhadas ao longo dos cento e quatorze minutos de duração. A pretensão emancipatória surge como um produto acessível a quem aceita submeter-se à lógica da vendabilidade, <i>comprando </i>para depois <i>ressignificar</i>, conforme representado pela Barbie Estranha (Kate McKinnon), que fica deformada - e consciente - depois que brincam muito com ela. Essa é a boa notícia, não é?<p></p><p><br /></p><p><br /></p><p>Analisando-se o impacto midiático causado pelo filme - desde que o seu 'trailer' foi anunciado! -, podemos concordar que, sim, a diretora e co-roteirista Greta Gerwig foi assertiva em seus propósitos, configurando-se numa mulher muito bem sucedida em Hollywood, tanto quanto a sua protagonista, a ótima Margot Robbie, que entrega-se com energia admirável à sua personificação. As influências estilísticas da realizadora são tão identificáveis quanto aplaudíveis [vide a detecção de elementos inspirados em "Playtime - Tempo de Diversão" (1967, de Jacques Tati) nas seqüências passadas no interior do escritório da Mattel ou a óbvia inspiração em "Asas do Desejo" (1987, de Wim Wenders) no desfecho], mas a montagem, o acúmulo de canções na trilha musical e o roteiro beiram o tom vexatório, em diversos momentos. Por um lado, chama a atenção o apelo denuncista de cenas como aquela em que a Barbie Estereotipada é assediada por vários transeuntes, enquanto passeia numa pista de 'skate', expondo o desconforto renitente a que as mulheres são sexualmente expostas no dia a dia; por outro, os monólogos "desipnotizadores" da supracitada Gloria fazem com que a conscientização das mulheres soe como interruptores acessados a partir da mera exposição imediata. Nesse sentido, a trama subestima muito mais a inteligência das personagens femininas que a dos homens idiotizados. Afinal, sem a existência do machismo estrutural naquela sociedade plástica, como Ken (Ryan Gosling) conseguiu converter tão rapidamente a Barbielândia em seu Kendom? </p><p><br /></p><p><br /></p><p>Sem querer adentrar a debilidade argumentativa associada à mera substituição de um universo feminino por um masculino (ou vice-versa) como provedor de melhorias sociais, a inorganicidade basilar deste roteiro esbarra na pouca diferenciação entre a Barbielândia e o alegado Mundo Real: tanto que os bonecos conseguem aprender muito rapidamente as regras de convivência urbana, sendo a alegada alternatividade (empoderadora) do mundo das bonecas um mero cacoete. Pior que isso: a trama incorre num vício dominante nas produções hollywoodianas hodiernas, que é a concessão de poder resolutivo aos adolescentes birrentos. Num instante crucial, Gloria reclama quando a sua filha Sasha (Ariana Greenblatt) senta ao volante do carro da Barbie e toma a condução do veículo, mesmo sem saber dirigir. Dali por diante, é ela quem comandará as ações de resistência feminina, deixando clara a mensagem por detrás do feminismo de butique dessa produção: são os não-adultos que mandam! Todos nós somos os seus brinquedos, num contexto que, sabiamente analisado por críticos astutos, tem a ver também com a dominação expansiva desse tipo de enredo em relação às produções mais sérias. Eles venceram, ocupando quase todas as salas de projeção! E a cantora Billie Eilish compreendeu isso muito bem, ao compor a linda "What Was I Made For?": <i>"dirigindo por aí, eu era um ideal/ Parecia tão viva, acontece que eu não sou real/ Apenas algo que você comprou"... </i></p><p><i><br /></i></p><p>Isso implica em dizer que os elogios ao filme, por grupos consideráveis de esquerda, são indignos de merecimento? Não necessariamente. Da mesma maneira que alguns arrasa-quarteirões setentistas ou oitentistas, "Barbie" é um filme sujeito a variegadas interpretações psicanalíticas, existenciais ou mesmo políticas, para além de suas intenções originais - ainda que, enfatizemos, as entrevistas com a diretora são mui esclarecedoras. Porém, a melhor cena do filme é justamente aquela que escancara o seu paradoxo central, que é a comercialização da Barbie Depressiva, que surge num arremedo descarado de comercial televisivo, repentinamente, entre uma e outra seqüência. Os números musicais são interessantes e a fala derradeira da personagem-título, mencionando uma necessária visita à ginecologista, reitera a adesão do filme a esquemas externamente reconhecidos de maturação feminina. Gostar ou desgostar do que ele oferece torna-se secundário frente ao seu escandaloso sucesso de bilheteria. Os acionistas da empresa Mattel agradecem! </p><p><br /></p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /><br /><br /></p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-48818856922958693562023-04-16T16:02:00.012-07:002023-04-16T16:36:25.554-07:00PACIFICTION (2022, de Albert Serra)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPtvmPuHnGqK-xXXe4J6FdfBnkoWUOLsC7GOzUAwNQpGGcFtxWHHVYGQQ0t1PwvajyV54BPU38vdfZutZO4by0s7fDv_82XAWIlfJfV-GS9PFG8dyRDicude_e_8_jcUChh0E5qJpP9vqP_9KzDlPMPr4-2Sq9IHZum2_DpQSVjNYDnfoSjqHgrXj2/s1600/Pacifcition.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="900" data-original-width="1600" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPtvmPuHnGqK-xXXe4J6FdfBnkoWUOLsC7GOzUAwNQpGGcFtxWHHVYGQQ0t1PwvajyV54BPU38vdfZutZO4by0s7fDv_82XAWIlfJfV-GS9PFG8dyRDicude_e_8_jcUChh0E5qJpP9vqP_9KzDlPMPr4-2Sq9IHZum2_DpQSVjNYDnfoSjqHgrXj2/s320/Pacifcition.jpg" width="320" /></a></div><br />Um mote recorrente na filmografia assaz idiossincrática do catalão Albert Serra é a tomada de importantes decisões históricas e políticas num contexto geográfico permeado pelas orgias vampirescas. Roteirizado com a ajuda de Baptiste Pinteaux (que tem uma breve participação como ator, além de ser um colaborador habitual do cineasta), este filme escolhe o Século XXI como pano de fundo para as suas intrigas, sendo magistralmente sintético acerca das ameaças bélicas que rondam a contemporaneidade. Cada seqüência das quase três horas de duração é indispensável para a fruição do lento quebra-cabeças que é montado pelo diretor, permanecendo misterioso até o derradeiro efeito sonoro. Tudo nesta obra é cautelosamente estudado, a fim de mergulhar o espectador num torpor autocrítico, reiterando o que o protagonista pronuncia em determinado momento: "<i>a política é como uma boate: as pessoas conversam no escuro, sem conseguirem enxergar umas às outras e demonstrando-se alheias acerca do que acontece ao redor</i>"!<p></p><p><br /></p><p>Esplendidamente interpretado por Benoît Magimel, o administrador De Roller passeia por lugares suntuosos de uma colônia francesa na Polinésia, intimidando de maneira sutil quem tenta aproveitar-se de sua influência. Não obstante agir como um dândi, desfilando com seu impecável terno branco, De Roller tem ciência da importância instrumental da <b>violência</b>, quando constata que a diplomacia é ineficaz para desvendar as intenções de seus interlocutores. E isto é apresentado de maneira tão erotizada quanto espetaculosa, seja através dos flertes progressivos com Shannah (Pahoa Mahagafanau), a funcionária transexual do hotel onde hospedam-se funcionários governamentais paranóicos, seja na contribuição que ele faz ao ensaio de uma dança folclórica que metaforiza uma rinha de galos: "<i>as galinhas estão sorrindo</i>", comenta De Roller. "<i>É necessário parecer mais agressivo</i>"!</p><p><br /></p><p>O 'travelling' inicial apresenta-nos a uma zona portuária, onde percebemos diversos contêineres. No instante seguinte, penetramos na boate Paradise, comandada por Morton (Sergi López), onde os garçons servem bebidas aos clientes, utilizando apenas roupas íntimas. Um deles reclama, por achar tais vestimentas indecorosas, mas logo recebe como resposta: "é esse detalhe que faz tantas pessoas terem inveja desse lugar", o que pode ser estendido ao próprio estilo de Albert Serra, deveras incisivo na exposição associativa entre sexualidade e poder, como se estivesse a demonstrar, de uma vez só, variegadas teses foucaultianas. A tensão é amplificada à medida que o filme avança, visto que a impecável fotografia de Artur Tort - com quem o realizador já trabalhou em mais de uma oportunidade - faz com que os diálogos ambíguos dissolvam-se na beleza quase onipresente dos lusco-fuscos, em combinação com uma trilha musical tão fascinante quanto perturbadora. As ameaças nucleares são confirmadas, ainda que o submarino repetidamente mencionado pelos personagens não seja encontrado. O transe final depende da interpretação multissensória do espectador, mais ou menos como o cineasta reage aos agendamentos jornalísticos, rechaçados explicitamente no enredo. Estupendo! </p><p><br /></p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-83369083533082370052023-03-12T11:33:00.004-07:002023-03-12T11:54:26.657-07:00MATO SECO EM CHAMAS (2022, de Joana Pimenta & Adirley Queirós)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8oC75gs2mjmoK-WNxeapC1J5iuaManfXVMD7hlt4ZSBdnwRsKqubvbtFHqtqWC0kMWYDq8uw169H0Iukm6aEOZN7HiMqSbI2Y-wByWykwqRf7DF1TsQtokiMNqjcS_7EKX6fIonSRlxhg19SnDCr1CvmaWMb9KY3HVJW3W3qYuvGjOu4A3Ybyyf-y/s1920/mato%20seco.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1014" data-original-width="1920" height="169" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8oC75gs2mjmoK-WNxeapC1J5iuaManfXVMD7hlt4ZSBdnwRsKqubvbtFHqtqWC0kMWYDq8uw169H0Iukm6aEOZN7HiMqSbI2Y-wByWykwqRf7DF1TsQtokiMNqjcS_7EKX6fIonSRlxhg19SnDCr1CvmaWMb9KY3HVJW3W3qYuvGjOu4A3Ybyyf-y/s320/mato%20seco.jpeg" width="320" /></a></div>Conjugando aspectos discursivos e elementais de suas obras anteriores e aderindo a uma parceria directiva mui vigorosa com a responsável pela excelente fotografia, Joana Pimenta, o goiano radicado em Brasília Adirley Querós realiza não apenas a sua obra mais autoral como um dos petardos mais revolucionários do cinema contemporâneo. Aqui, ele encara de frente, novamente, a falência política de um país que aceita provisoriamente o discurso de ódio advindo de um representante ignóbil da extrema-direita, optando por uma narrativa que, além de estraçalhar as fronteiras tênues entre ficção e documentário, apresenta-nos a um relato sobre meios-irmãos que amam-se incondicionalmente, a despeito dos sofrimentos enfrentados por suas respectivas mães, no que tange à promiscuidade e a tendência renitente à criminalidade do pai deles. Do elã partidário que advém de "A Cidade é uma Só?" (2011) às emulações distópicas que marcam "Branco Sai, Preto Fica" (2014) e "Era uma Vez Brasília" (2017), lidamos com uma potente alegoria cinematográfica, direcionada contra as mazelas do bolsonarismo... <p></p><p><br /></p><p>De um lado, Léa (Léa Alves da Silva) e Chitara (Joana Darc Furtado) assumem-se como gasolineiras na favela de Sol Nascente, na Ceilândia, na mesma localidade em que Andréia Vieira tenta eleger-se como deputada distrital; do outro, as forças repressivas, que, no fanatismo servil por um presidente que flerta com o neofascismo, instauram um toque de recolher na favela em que acontecem as ações. Um grupo organizado de motoqueiros surge como organismo intersticial, prestando assistência às mulheres, ao perceberem que as taxas que elas cobram pelos derivados de petróleo são muito mais acessíveis que aquelas ofertadas pelos distribuidores institucionais. Entretanto, os efeitos colaterais do crime circundam as personagens, que relatam com nostalgia ressignificada a vivência na cadeia, ao passo em que são recapturadas por práticas ilícitas reincidentes. Notamos que as personagens utilizam os seus nomes verdadeiros, o que é confirmado de maneira surpreendente quando Chitara, no meio de uma cena, comenta que sua irmã fora presa novamente, enquanto estava empolgada por participar de um filme. Onde começa uma distopia e onde termina a outra? Na magnífica direção de arte deste filme, tudo é Brasil! </p><p><br /></p><p>A alinearidade da montagem não prejudica o entendimento do espectador, no que diz respeito à compreensão da trama, visto que os diretores prezam pela completa imersão na narrativa periférica, em que a seleção cancional revela-se instrumentalmente brilhante: seja quando a banda Muleka 100 Calcinha executa o tema titular numa festa de boteco, seja quando uma música célebre de Odair José ilustra o desejo de Léa de, algum dia, gerenciar um puteiro. Os enquadramentos antológicos são variegados, com destaque para a comunhão erótica entre mulheres que divertem-se, ao som de uma letra de funk, num ônibus e o instante posterior em que algumas delas são conduzidas à prisão. Idem para a longa duração da seqüência em que Chitara participa de um culto evangélico ou os instantes em que as mulheres trabalham numa olaria ou na companhia petrolífera improvisada, de cariz ostensivamente feminista. Tudo nesse filme evoca <i>revolução</i>, a fim de enfrentar o treinamento de evocações nazistas, ensaiado no interior de um camburão bélico. Obra-prima em estado ígneo absoluto!</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. <br /> </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-77560351198728257442023-03-04T19:38:00.005-08:002023-03-04T19:52:33.980-08:00QUANDO FALTA O AR (2022, de Ana Petta & Helena Petta)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3xpIdyixht4ULB65JUvv-jMxDpOzPo3FE0Eqbd2e1XoJc4Gh_b2eX-gufOS8Y_hiNT7iglxntBqZOjl11Ca_3OlCeaurknWKMWPR61JDhEb2c8U4Dj3-SDcxexpQ1hUvVrxQjfexlEl0IcUCyE4TWVynuUqMi4gbVh-NBj9MEItmHI0-4tNoR6yMq/s3888/qando%20falta%20o%20ar.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2592" data-original-width="3888" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3xpIdyixht4ULB65JUvv-jMxDpOzPo3FE0Eqbd2e1XoJc4Gh_b2eX-gufOS8Y_hiNT7iglxntBqZOjl11Ca_3OlCeaurknWKMWPR61JDhEb2c8U4Dj3-SDcxexpQ1hUvVrxQjfexlEl0IcUCyE4TWVynuUqMi4gbVh-NBj9MEItmHI0-4tNoR6yMq/s320/qando%20falta%20o%20ar.jpg" width="320" /></a></div><br />Assistindo-se a este filme com certo distanciamento em relação à época em que os eventos foram retratados - ou seja, num contexto em que já existe uma vacina para a COVID-19 -, percebemos que o documentário em pauta é ainda mais valoroso em seu pendor político, no sentido de que ele posiciona-se frontalmente contra os desmandos perpetrados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. O fato de uma das diretoras ser formada em Medicina reitera o aspecto mais destacável do filme, que é o seu elogio reiterado ao desempenho dos profissionais que compõem o SUS (Sistema Único de Saúde), no Brasil. <p></p><p><br /></p><p>Ainda que não haja intervenção explícita de um narrador onisciente, a montagem do filme possui diversos instantes condutivos, sobretudo nas seqüências protagonizadas pela médica baiana, que, ao atuar num complexo prisional, aproveita a oportunidade para tecer alguns comentários sobre o racismo, manifesto até mesmo no modo como algumas doenças são erradicadas. Em razão de possuir evidente cabedal discursivo, de cunho militante, ela age como se fosse a co-diretora interna de suas participações, de modo que, ao ser mostrada atendendo aos seus pacientes, suas intervenções são reforçadas pela pujança sociológica das canções que ouve - entre elas, "Vida Loka (partes 1 e 2)", do grupo Racionais MC's, e "Strange Fruit", da cantora Billie Holiday. Como tal, suas falas destoam do que é filmado nos demais localidades registradas pelas documentaristas. </p><p><br /></p><p>Focalizando o cotidiano de um hospital em São Paulo, os percursos de agentes comunitários em Recife e as dificuldades enfrentadas pelos médicos em regiões ermas de Amazonas e Pará, este filme opta pela comprovação da determinação otimista que é adotada como epígrafe: um trecho do romance "A Peste", de Albert Camus, em que é afirmado que aprende-se no meio dos flagelos que<i> "há nos homens mais coisas a admirar que coisas a desprezar". </i>De fato, é o que percebemos. Vide a ternura das enfermeiras que sintonizam a canção favorita ["Princesa", de Amado Batista"] de um senhor adoentado, o reconhecimento dos ensinamentos do xamã de sua tribo, por parte de um médica com ascendência indígena, e o emocionante momento em que uma idosa chama uma médica de "menina", a fim de perguntar se pode comer macaxeira durante a quarentena. É um filme que faz jus à ressignificação de sílabas contida na canção " Mortal Loucura", composta por José Miguel Wisnik a partir de um poema de Gregório de Mattos, que aparece nos créditos finais em bela interpretação de Mônica Salmaso. Levando à frente o importante jargão: <b>"viva o SUS"!</b></p><p><br /></p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-61953911756548640662023-02-12T18:21:00.007-08:002023-02-12T18:35:40.467-08:00BATEM À PORTA (2023, de M. Night Shyamalan) <p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgY4TER9tAJLxX_tfqvTC9lfS8yO6WftDa-ZeOuPHa7APvt5fS7ct2K9Ok2h02GJzOy4f_qzsLUva0xw0SFL9EE6PmJjMF9GFDOjHHo2H4ugxswlAD6lxd_Z1YYJDn8onOPByTKeTvTw59vt8PIuNELPaQgJ-ISYF3mUMXXNDSVHQPqn5VfmgyC3NgO/s2500/Batem%20%C3%A1%20Porta.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1362" data-original-width="2500" height="174" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgY4TER9tAJLxX_tfqvTC9lfS8yO6WftDa-ZeOuPHa7APvt5fS7ct2K9Ok2h02GJzOy4f_qzsLUva0xw0SFL9EE6PmJjMF9GFDOjHHo2H4ugxswlAD6lxd_Z1YYJDn8onOPByTKeTvTw59vt8PIuNELPaQgJ-ISYF3mUMXXNDSVHQPqn5VfmgyC3NgO/s320/Batem%20%C3%A1%20Porta.jpg" width="320" /></a></div><br />Apesar de ser baseado num material pré-existente - o romance "O Chalé no Fim do Mundo", de Paul Tremblay, acerca do qual parece bastante fiel - , o roteiro deste filme acentua obsessões que o diretor abordara em seus melhores filmes, como a proximidade do Apocalipse e o impacto dos traumas derivados da violência urbana nos comportamentos recônditos de seus personagens. Entretanto, aquilo que parece fundamental nas obras deste grande autor cinematográfico é a sua crença na <b>narrativa </b>como algo sustentacular em si mesma, estando muito mais preocupada em demonstrar coerência interna que em ser confirmada por fatos exteriores, não obstante ambos os aspectos estarem conjugados. Conforme o desfecho simbólico deixa bastante evidente, <i>casualidade </i>também atrela-se à <i>causalidade</i>: seria por acaso que "Boogie Shoes", de KC and the Sunshine Band, toca no rádio exatamente naquele momento? Maria de Nazaré recebendo a visita do arcanjo Gabriel que o diga! <p></p><p><br /></p><p>Diferentemente de cineastas esquemáticos como Christopher Nolan ou Darren Aronofsky, M. Night Shyamalan não fica plantando pistas que só serão desvendadas a posteriori, ainda que as metáforas bíblicas sejam cumulativas. Ao invés disso, ele prefere confiar nas possibilidades do próprio ato de <i>narrar</i>, tornando-nos simultaneamente cúmplices e testemunhas daquilo que é exposto e acreditado pelos personagens. Ao assumir que os visitantes indesejados da cabana titular são representantes contemporâneos dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse (Peste, Guerra, Fome e Morte), o diretor-roteirista prefere associá-los aos aspectos típicos do ser humano: maldade, acolhimento, cura e orientação, sendo três positivos e apenas um negativo. Trata-se de um realizador que acredita efetivamente na redenção das pessoas, de modo que, quando o casal homossexual (Jonathan Groff e Ben Aldridge) percebe que um daqueles messiânicos (Rupert Grint) é um agressor homofóbico, isso não faz com que duvidemos de suas intenções salvacionistas. Até que os julgamentos de "parte da humanidade", metonimizados através dos sacrifícios consentidos dos invasores, redundam em tragédias amplamente noticiadas... </p><p><br /></p><p>Demonstrando um domínio completo de recursos cênicos, o diretor abusa dos 'close-ups' e dos reenquadramentos que valorizam a especificidade daquele cenário confinado, enquanto representação fabular voluntária, tanto quanto a obra-prima "A Vila" (2004) também era. Apaixonamo-nos imediatamente pela ternura e sensatez da garotinha Kristen Cui, ao passo em que não questionamos a capacidade pedagógica de Leonard (Dave Bautista), que demonstra-se solenemente devotado ao progresso relacional de seus alunos. Sem aderir à sanguinolência explícita, mesmo que a trama e as convenções de gênero assim requeiram, o filme demonstra-se tão zeloso quanto a enfermeira Sabrina (Nikki Amuka-Bird) é em relação aos seus pacientes. Ao final da sessão, por mais que saibamos que milhares de pessoas morreram em razão de desastres ambientais, vírus devastadores, acidentes aéreos e tempestades, temos ainda mais certeza de que a pacificação foi instaurada. Ponto para a excelente fotografia de Jarin Blaschke e Lowell A. Meyer, para a gravidade oportuna dos acordes musicais de Herdís Stefánsdóttir e para as ótimas interpretações de um elenco inicialmente heterogêneo. As transformações proporcionadas pela Fé são mesmo arrebatadoras! </p><p><br /></p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-16108750091391637692022-11-25T11:03:00.003-08:002022-11-25T11:12:10.642-08:00SOL (2021, de Lô Politi)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyoH3tdjBObMRQVxZkycrlSLUv69ImzWvD_osmMLRsyHjaqm48P8ooOMEB0Xmh9qXn1RsLPlyDPLBR7DtyRfemBvcTR5jwxvV4nlV1T6s03VH6PiE_hqRF3zcqPAIUBK5e-nTSkBLEWzxmGXbXQSblYfVkhJTsoQNpyp6NnGIZTrf-aqxd24mmweuw/s1113/sol%20(2021).jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="534" data-original-width="1113" height="154" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyoH3tdjBObMRQVxZkycrlSLUv69ImzWvD_osmMLRsyHjaqm48P8ooOMEB0Xmh9qXn1RsLPlyDPLBR7DtyRfemBvcTR5jwxvV4nlV1T6s03VH6PiE_hqRF3zcqPAIUBK5e-nTSkBLEWzxmGXbXQSblYfVkhJTsoQNpyp6NnGIZTrf-aqxd24mmweuw/s320/sol%20(2021).jpeg" width="320" /></a></div><br />O título monossilábico deste longa-metragem faz menção simultânea a dois substantivos: um deles é a contração nomenclatural de Solange, esposa de um dos personagens, falecida antes dos eventos apresentados, mas conservada, em efígie, na carranca de madeira que Teodoro-pai (Everaldo Pontes) esculpe em sua homenagem; o outro é o astro luminoso onipresente, que dota de muito calor e luz os cenários atravessados por Teodoro Filho (Rômulo Braga), que viaja até o interior da Bahia para reencontrar alguém que não via há muito tempo, mas que ressurge continuamente através de 'flashbacks' aquáticos, que logo converter-se-ão em 'flash-forwards' igualmente elementares. No desfecho, o mais jovem dos Teodoros imagina banhando-se com a sua filha Duda (Malu Landim), mais ou menos como o seu próprio pai fazia consigo. Como a relação entre pai e filho foi interrompida por conta de eventos que desencadearam muita culpa e vergonha - e, por conseguinte, várias tentativas de suicídio - será que isso também ocorrerá na relação geracional posterior? <p></p><p><br /></p><p>Por motivos óbvios, isso não é respondido pelo roteiro, escrito pela própria diretora, tanto quanto outras questões fundamentais permanecem irresolvidas ao longo do enredo, quiçá atreladas ao pseudo-pragmatismo do protagonista, mal construído em suas características íntimas. No afã por conectar-se com a filha, a quem não vê há muito tempo, e relutando em afeiçoar-se novamente ao seu pai, este personagem soa incoeso, pouco crível no desenvolvimento de suas atitudes e aquém do talento do ator a ele vinculado. A cena em que Teodoro Filho, bêbado, entra numa festa de rua onde está sendo executada uma versão em relato masculinizado da canção "Supera" - que ficou famosa na interpretação da cantora Marília Mendonça [1995-2021] - é vexatória! Por mais que a eficiente (porém xaroposa) trilha musical de Guilherme Barbato e Janecy Nascimento esforce-se para fazer com que nutramos empatia pelo protagonista, ele é desagradável em múltiplas instâncias, o que, infelizmente, estende-se para a avaliação do filme como um todo... </p><p><br /></p><p>Em meio às tentativas soçobradas de dotar de válida dramaticidade duas relações familiares interseccionadas, ambas prejudicadas pela falta de comunicação, o filme desemboca em situações tendentes à chantagem emocional, como quando Teodoro Filho pede à sua filha que descreva tudo o que está fazendo quando entra num banheiro ou quando ela explica o porquê de não poder ingerir xaropes, apesar de apresentar uma tosse renitente. Everaldo Pontes passa a maior parte do tempo calado, mas, quando pronuncia alguns poucos diálogos, demonstra que é, de fato, um dos melhores atores nordestinos de sua faixa etária. Pena que esta produção não faça jus ao talento dos envolvidos. As situações são tão atropeladas, em sua intenção afobada de sensibilizar o espectador, que tudo permanece atravessado pela lógica do pantim. Idem quanto às pouco convincentes aparições de Luciana Souza. Uma pena!</p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-44495131965873215062022-11-24T03:52:00.007-08:002022-11-24T04:09:36.870-08:00AUTODECLARADO (2022, de Maurício Costa)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcfmZ83iIgFo4brzvFzqSodgTyBeSNB1PW1l7EU4NtgJo3aScKRd1XyfYcXIQjpKY7bg6mm6Fg4-YOMVROe3osa46BqUG0G663nYwJQOU2hTK9tjPmCisc38mhEHLQE7sk5wrjuR3Q3Ixac8TdWZlaN2HIKno02fN9aD9qG7FT0OXwhHrEy9Ey81Fw/s1130/winnie%20Bueno.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="590" data-original-width="1130" height="167" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcfmZ83iIgFo4brzvFzqSodgTyBeSNB1PW1l7EU4NtgJo3aScKRd1XyfYcXIQjpKY7bg6mm6Fg4-YOMVROe3osa46BqUG0G663nYwJQOU2hTK9tjPmCisc38mhEHLQE7sk5wrjuR3Q3Ixac8TdWZlaN2HIKno02fN9aD9qG7FT0OXwhHrEy9Ey81Fw/s320/winnie%20Bueno.jpg" width="320" /></a></div><br />Ainda mais complexo que o racismo explícito e/ou institucionalizado, o espectro do <i>racismo estrutural</i> instaura-se diuturnamente através de polemismos que desviam o foco orgânico da luta coletiva contra o preconceito. Ao fomentar conflitos envolvendo a controversa figura da pessoa parda - as comparações individuais efetuadas através do <b>colorismo</b>, por exemplo -, o fenômeno do racismo estrutural dificulta a compreensão generalizada acerca da necessidade e urgência das cotas raciais, em concursos públicos e universidades. E este é o tema nodal desde documentário, que traz a questão à tona desde a seqüência inicial, quando apresenta uma reportagem do programa "Fantástico", da TV Globo, na qual investigou-se o caso de um candidato que pintou-se de preto para concorrer às vagas destinadas às pessoas negras... <p></p><p><br /></p><p>Estruturado como se fosse um debate em rede social, este filme mescla depoimentos contundentes com a reconstituição de uma avaliação racial - quase como um julgamento -, na qual as características fenotípicas de uma jovem são analisadas por um grupo de contratadores. Paralelamente, acompanhamos os casos de denúncias de fraudes envolvendo a autodeclaração, além dos relatos pessoais de quem, desde a infância, convive com a chaga do racismo. O diretor, neste sentido, foi muito exitoso na coleta das falas, que vão desde os esclarecimentos contundentes do teólogo militante Frei David até as declarações de sociólogos sobre manifestações contemporâneas de lombrosismo, passando pelas valiosas contribuições da pesquisadora antirracista Winnie Bueno. Além disso, conhecemos um jovem sulista acusado de "<i>não ser nem branco nem preto"</i> e conhecemos os dilemas vivenciados por diversas pessoas, sob o jugo categoricamente indefinido da mestiçagem... </p><p><br /></p><p>Dentre os depoimentos com forte apelo emocional, temos: as lembranças de uma jovem de classe média que era discriminada pelos cobradores de ônibus, que estranhavam que ela não descesse numa comunidade aquisitivamente carente; as rememorações íntimas da brasiliense Bárbara Kruczynski, que chegou a ser ofendida por namorados por causa da coloração de seus órgãos sexuais; e as provocações compartilhadas pelo colunista Spartakus Santiago, que, ao referenciar o impacto da canção "Bixa Preta", de Linn da Quebrada, em sua trajetória, reclama que já foi questionado publicamente tanto como negro como enquanto homossexual. </p><p><br /></p><p>Não obstante a longa duração do filme (quase duas horas) e a utilização de uma linguagem midiático-televisiva, o ritmo deste documentário é envolvente, de modo que ele consegue ser didático e entretenedor ao mesmo tempo, conduzindo-nos a uma auto-reflexão obrigatória, quando uma situação paraficcional é deixada em aberto, sendo-nos direcionada de maneira interrogativa. As menções recorrentes à lógica binária do <i>"preconceito de marca X preconceito de origem"</i>, cotejando o modo como o racismo implementou-se no Brasil e nos Estados Unidos da América, é outro aspecto mui positivo desta obra, que urge por divulgação. Façamo-la, portanto.</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-75001644627416405852022-11-10T16:48:00.015-08:002022-11-11T04:23:35.857-08:00DIÁRIO DE VIAGEM (2020, de Paula Kim) <p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbhpIrJcRfzSb__0HuDGsRUB6xf4WXgApkPvtIikn2iaRL6NKXMv8hBjuopTTs5kdMR47weOrQNK8qRUWQcaqIkE-fhwhcvK5cNXmXYXnlG8qr1eqVBscBtUZchI7FWkYqhW8xKYIKnGYYLsq4Q7hF6Z7BFSeRXHq0vBapYbr1UxDM-lG9YQBqP8nk/s720/Di%C3%A1rio%20de%20Vagem.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="475" data-original-width="720" height="211" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbhpIrJcRfzSb__0HuDGsRUB6xf4WXgApkPvtIikn2iaRL6NKXMv8hBjuopTTs5kdMR47weOrQNK8qRUWQcaqIkE-fhwhcvK5cNXmXYXnlG8qr1eqVBscBtUZchI7FWkYqhW8xKYIKnGYYLsq4Q7hF6Z7BFSeRXHq0vBapYbr1UxDM-lG9YQBqP8nk/s320/Di%C3%A1rio%20de%20Vagem.jpg" width="320" /></a></div><br />A transcrição autobiográfica em livros ou filmes é uma tendência subgenérica acometida por uma ambigüidade essencial, no sentido de que os responsáveis por esse tipo de obra podem incorrer na condescendência ou no punitivismo em relação a fatos da própria vida. E, de fato, isso também ocorre neste filme, em que a diretora e roteirista - estreante em longas-metragens - projeta dramas pessoais na concepção da protagonista, vivida com corajosa entrega por Manoela Aliperti. Se os tormentos anoréxicos (e extensivamente depressivos) experimentados por ela asseguram a identificação com quem padece de transtornos semelhantes, pela intensidade com que são retratados, os elementos circundantes engendram a impressão oposta, o afastamento subjetivo, visto que os privilégios classistas da família em pauta podem desencadear interpretações malogradas, em âmbito político. Um ponto de partida interrogativo: por que o enredo faz tanta questão de reforçar que os eventos ocorrem durante a aplicação ministerial do Plano Real, de 1995 em diante? Considerando-se que a protagonista Liz é aburguesada, a insistência desse elemento histórico-econômico soa problemático em relação à fruição dramática do filme... <p></p><p><br /></p><p>Apaixonada por Literatura e pelas artes em geral (e também por Matemática), Liz viaja para a Irlanda, a fim de realizar um intercâmbio estudantil pouco explorado nas interações posteriores, exceto no que diz respeito ao interesse platônico da protagonista por Lucas (Daniel Botelho). Sentindo-se malquista pelos colegas de classe, ao ganhar um caderno de seu pai (Eucir de Souza), Liz resolve redigir as suas inquietações, de trás para a frente, a fim de metonimizar um processo similar ao de transformação de lagarta em borboleta. Na narração em 'off' que conduz o filme, Liz confessa-se para este diário, a quem chama de "Pupa". Em sua precocidade adolescente, ela compara-se indiretamente a Anne Frank [1929-1945], mas seu pai faz questão de estabelecer uma distinção fundamental: <i>"enquanto ela viveu sob a guerra, tu desfrutas de paz e abundância". </i>Repentinamente Liz decide parar de comer, submetendo-se a uma rotina violenta de supressão alimentar, que causa-lhe também amenorréia, automutilações e os tiques involuntários. Isso faz com que ela distancie-se cada vez mais dos poucos amigos e da família. Muitas garotas passam por esse mesmo tipo de sofrimento juvenil, de modo que o filme goza de uma boa comunicação com este público-alvo. Entretanto, a falta de nuanças na apresentação dos personagens secundários - principalmente a mãe de Liz (numa interpretação deveras inexpressiva da mui talentosa Virgínia Cavendish) - expõe as múltiplas fraquezas do filme, que levam-nos a julgar a protagonista quase da mesma maneia cruel com que ela trata a si mesma!</p><p><br /></p><p>Não ignorando a gravidade dos temas abordados, lamenta-se que a indefinição do enfoque narrativo prejudique a nossa empatia em relação à personagem principal. Na maioria das vezes, claro, torcemos para que ela se recupere, sendo dignos de menção os esforços apresentados no desfecho elíptico do filme, em que a personagem demonstra-se disposta à recuperação, alguns anos depois que os seus distúrbios são diagnosticados. Porém, a maneira passivo-agressiva com que ela se relaciona com as pessoas ao redor beira a inverossimilhança reconstitutiva, como quando, na Irlanda, Liz reclama que algumas brasileiras que estavam consigo no avião não são suas amigas ou na cena em que uma garota se oferece para assinar em um curativo em seu pulso. O comprometimento actancial da jovem atriz com a sua personagem é aplaudível, mas o processo de construção tramática da mesma é incoeso - para além do que é permitido pelo registro da rebeldia adolescente. Trata-se de um filme que merece ser aproveitado para finalidades terapêuticas, por causa da maneira acessível [leia-se: previsível] com que ele é montado, mas que talvez funcionasse melhor como trama seriada, em que os desleixos ideológicos (vide a maneira como a empregada doméstica da família é tratada) tornar-se-iam menos evidentes. Em conjunto com o <a href="https://sobrenossavisaodistorcida.com/" target="_blank">'site' sobre "realidade prejudicada</a>" idealizado pela diretora, "Diário de Viagem" é exitoso nalguns objetivos, mas nem sempre se sustenta enquanto peça cinematográfica. Vale pelo esforço compartilhado: ainda que não sejam suficientes, boas intenções importam!</p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-27508123617323707222022-11-10T16:13:00.003-08:002022-11-10T16:13:18.150-08:00A MÃE (2022, de Cristiano Burlan) <p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgIJovoAXGjl4NP79-5VtfPXM7elPpqZ1pRpCzIjKP3dpCwWkWWMmnFFa6zN2Xr763_RYJbhBzeuv0MTWj09x7Cf2DKHRxsaKWvRaE87TDvIHNzTzd5CHKYjyc_NsLCyYM29V3LecKP8zl8Poqu_mwgbAv3yBJNZ3UityG6M4xltRqWl2K2TM5pVo20/s730/m%C3%A3e.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="398" data-original-width="730" height="174" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgIJovoAXGjl4NP79-5VtfPXM7elPpqZ1pRpCzIjKP3dpCwWkWWMmnFFa6zN2Xr763_RYJbhBzeuv0MTWj09x7Cf2DKHRxsaKWvRaE87TDvIHNzTzd5CHKYjyc_NsLCyYM29V3LecKP8zl8Poqu_mwgbAv3yBJNZ3UityG6M4xltRqWl2K2TM5pVo20/s320/m%C3%A3e.jpg" width="320" /></a></div><br /> <p></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: small;">Uma das principais funções
do título de um filme é sintetizar as perspectivas que o espectador
buscará naquela obra, seja em termos de identificação seja no que
diz respeito a uma necessária catarse em relação às angústias
cotidianas. Ao escolher um artigo singular definido feminino mais o
substantivo comum mais pronunciado, desde a infância, por qualquer
indivíduo, o diretor Cristiano Burlan sabia do potencial
melodramático do seu título, alavancado pela tragicidade
relacionada ao modo como a sua própria mãe havia falecido
(assassinada a facadas por um companheiro). Num primeiro impulso,
esperamos encontrar neste filme uma estória de abnegação, centrada
no desespero de uma mulher, em busca do filho desaparecido… </span>
</p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: small;"> Porém, esse mesmo título
evoca utilizações anteriores do poder de síntese. De maneira
imediata, mais de um crítico deve ter associado “A Mãe” ao
título homônimo de um romance do escrito Máximo Gorky [1868-1936],
sobre o desamparo de uma dona de casa, inicialmente alienada, que, ao
saber da prisão política de seu filho, torna-se cada vez mais
consciente das obrigações ativas que a fazem reconhecer que é
parte de uma comunidade. E é basicamente o que acontece aqui!</span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: small;"> Rodado no início de 2020, “A
Mãe” enfatiza o relacionamento terno entre uma imigrante
paraibana, chamada Maria (vivida por Marcélia Cartaxo, premiada no
Festival de Gramado por este papel) e o adolescente Valdo (Dunstin
Farias). Ela trabalha como camelô, vendendo óculos escuros
falsificados, enquanto ele costuma faltar às aulas para jogar
futebol e cantar ‘rap’ com seus amigos. Até que, numa noite, ele
não volta para casa, o que faz com que Maria perceba a fragilidade
das relações entre os vizinhos do bairro em que vive, na Zona Leste
paulistana. </span>
</p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: small;"> Em vez de optar por uma
representação langorosa da perda do filho, já que os dois parentes
tratam-se de maneira mui carinhosa desde o início, o diretor e
roteirista (em parceria com Ana Carolina Marinho) opta por uma
abordagem sóbria, que visa a criticar uma espécie de terrorismo
institucional, financiada pela consideração de que, como diz um dos
personagens, </span><span style="font-size: small;"><i>“a
ditadura só vai acabar quando não mais existir Polícia Militar”.</i></span><span style="font-size: small;">
Ainda que Valdo não seja um criminoso – prefere estar com um
microfone nas mãos que com o cano de um revólver, como ele mesmo
canta na letra de “Soldado Romano”, repleto de referências
bíblicas inteligentes –, tudo indica que ele foi assassinado por
policiais, irritados pelo modo não indulgente com que ele reage a
uma abordagem preconceituosa de rotina. Ocorre que isso instaura uma
súbita ruptura entre Maria e seus vizinhos, já que ela passa a ser
tratada com frieza por uma amiga e com desconfiança por um
traficante local, irritado com o comparecimento freqüente da polícia
naquela região, após as denúncias da mãe aflita. </span>
</p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: small;"> Partindo de um evento também
autobiográfico – o assassinato do próprio irmão – , Cristiano
Burlan utiliza este clímax dramático (o sumiço de um ente querido)
para demonstrar tanto a fragilidade das instituições estatais
quanto a sanha auto-organizadora de indivíduos obrigados a
amadurecerem ideologicamente, de maneira imediata. Num primeiro
momento, Maria age (e é tratada) de maneira ríspida, quando
responsabiliza a secretária de uma escola pela falta de aviso quanto
às faltas recorrentes de Valdo, e agressiva, quando é ignorada ao
denunciar para um escrivão policial o sumiço de seu filho. Mas,
após a conversa atenta com uma mulher que precisou fortalecer-se ao
receber a notícia, via transmissão radiofônica, do assassinato do
filho, ela é dotada de um tipo de força que ressignifica todo o seu
cotidiano – não sendo casual que o ‘rap’ executado durante os
créditos finais, novamente a cargo do intérprete Dunstin Farias,
chame-se justamente “Antígona”. </span>
</p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: small;"> No percurso errático da
protagonista, em busca de notícias sobre o desaparecimento em pauta
(mesmo suspeitando do que tenha ocorrido), Maria encontra outra
imigrante proveniente do Nordeste (interpretada pela corroteirista
Ana Carolina Marinho), numa das várias viagens de ônibus captadas
pelo filme, o que representa um alento frente aos contínuos
maus-tratos da sociedade sudestina. Diante de um cadáver
desconhecido, no Instituto Médico Legal, ela sorri de maneira
nervosa, ao perceber que aquele não é seu filho. Sem saber como
despejar a sua fúria contra o descaso alheio, ela age de maneira
rude quando a dona de um boteco vende de maneira hiperfaturada a
meia-dúzia de ovos que, apenas uma semana antes, comprara por um
valor menor. “Aumentou”, diz a vendedora, de maneira ressequida.
Maria tem vontade de quebrar tudo, sentindo-se frustrada e solitária.
No fogão, a panela de pressão serve como potente metáfora. </span>
</p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: small;"> Noutro momento que parece
deslocado, mas é fundamental para o desfecho militante do filme,
Maria interage com a personagem de Helena Ignez sobre o sofrimento
experimentado pelas mães de filhos desaparecidos durante a ditadura
militar no Brasil. Numa imagem derradeira, mulheres seguram um cartaz
das Mães de Maio, à guisa de equiparação histórica acerca do que
é vivenciado pela protagonista. O drama individual é, por dedução,
espelhado socialmente, demonstrando, mais uma vez, que a intimidade é
política, através de sua publicização. </span>
</p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: small;"> Além do referido prêmio de
interpretação feminina, “A Mãe” também foi laureado nas
categorias Melhor Direção e Melhor Desenho de Som, na edição
deste ano do Festival de Cinema de Gramado. Para quem é acostumado a
assistir aos documentários ensaísticos do realizador, talvez cause
algum estranhamento essa empreitada ficcional, ainda que algumas de
suas obsessões temáticas e reivindicativas possam ser facilmente
reconhecidas. O modo como o local onde Maria mora é apresentado, por
exemplo, de maneira rigorosamente descritiva, sem que as condições
de miserabilidade sejam enfatizadas enquanto justificativas para um
tratamento marginal dos indivíduos, mas, pelo contrário, enquanto
causa desse problema, já que se trata de um reflexo do descaso
estatal. </span>
</p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: small;"> Num breve descanso em sua
rotina corrida de sobrevivência sob o Capitalismo, Maria conversa
com um pastor-poeta, que lhe recita alguns versos rimados de Patativa
do Assaré [1909-2022], enquanto deixa para a exortação
conscienciosa que acontecerá ao longo do filme. Fica a advertência:
“encontramos em nós uma força que nem sabíamos que tínhamos”,
acrescenta uma mãe depoente. Quantos e quantos dramas que nem este
não acontecem diariamente? Mais que nos conduzir a um choro
tangencialmente reparador, este filme obriga-nos a prestar atenção
duradoura em quem está ao nosso lado em instantes de aflição.
Relembremos o que o título evoca, portanto. </span>
</p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<br />
</p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<br />
</p>
<p align="right" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: small;">Wesley Pereira de Castro.</span></p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-35046301153758093372022-11-02T16:09:00.007-07:002022-11-02T16:18:32.652-07:00Mostra SP 2022: AGITAÇÃO (2022, de Cyril Schäublin)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgo1SuRBF4QBY7C0cJzk_pRVIwA9eWTXOJ0rJESRduMk-ArT3OiVgKcxZmlOKXrkHMV9c_cyhLrRmCL3CU9UR2jzfXzNPWzQb1KHd5T9cAuIJBOYNPXO5Cl174AHn_chcmb3yEnKvAQCc53bSjYHDYEaAn9zg1ePPePZ4R05W_B6lwchJyTfqamwzrd/s3840/Agita%C3%A7%C3%A3o.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2160" data-original-width="3840" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgo1SuRBF4QBY7C0cJzk_pRVIwA9eWTXOJ0rJESRduMk-ArT3OiVgKcxZmlOKXrkHMV9c_cyhLrRmCL3CU9UR2jzfXzNPWzQb1KHd5T9cAuIJBOYNPXO5Cl174AHn_chcmb3yEnKvAQCc53bSjYHDYEaAn9zg1ePPePZ4R05W_B6lwchJyTfqamwzrd/s320/Agita%C3%A7%C3%A3o.jpg" width="320" /></a></div><br />No início do filme, algumas raparigas aristocratas conversam sobre as intenções do primo de uma delas, Pyotr Kropotkin (Alexei Evstratov), que pretende migrar da Rússia para uma zona fabril numa cidade montanhosa do interior suíço. De repente, elas começam a enumerar as principais diferenças entre o socialismo e o anarquismo, cogitando a importância da lógica territorial neste último sistema de governo, baseado na autogestão. É quando somos apresentados ao próprio Kropotkin, que alega estar desenhando um mapa cartográfico, envolvendo-se com os trabalhadores de uma fábrica de relógios...<p></p><p><br /></p><p>De maneira regida por um tempo mui particular, em que vários personagens são apresentados simultaneamente, afeiçoamo-nos a algumas funcionárias da fábrica, com destaque para Josephine (Clara Gostynski), que nutre uma simpatia declarada pelas idéias anarquistas. Nalgum momento, ela apaixonar-se-á por Pyotr e lhe explicará como funciona o seu trabalho, sendo ela responsável pela inserção das rodas de agitação nos relógios, que produzem o tique-taque característico desses produtos. Pouco a pouco, esse tique-taque invadirá a própria banda sonora do filme, que erige várias simetrias paralelas, através de situações que se repetem e de enquadramentos que focalizam muitas pessoas em diferentes atividades, ao mesmo tempo. </p><p><br /></p><p>Em momentos pontuais, o roteiro permite a constatação de um humor melancólico, como quando uma mulher reclama da vacuidade de ter ganho um relógio-despertador num sorteio, visto que ela acorda todos os dias no mesmo horário, mesmo quando está em folga. Há inúmeras seqüências de pessoas ajustando os ponteiros dos relógios locais, o que é reforçado pela peculiar circunstância daquela cidade, que possui quatro fusos horários internamente regulamentados. O diretor da fábrica (Valentin Merz) insiste para que a medida temporal utilizada m seu estabelecimento imponha-se sobre os demais. Entremeando estas situações, as contínuas tentativas de mensuração de ações humanas corriqueiras, como caminhar por uma alameda ou produzir um determinado objeto. De um instante para o outro, as fotografias dos personagens supracitados têm seus preços aumentados, quando o vendedor percebe o interesse de potenciais compradoras. Tudo é regido pelo Capitalismo, portanto - e o filme critica isso de uma maneira tão charmosa quanto inteligente!</p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-24635310317550389912022-10-31T17:56:00.004-07:002022-10-31T18:03:15.690-07:00Mostra SP 2022: NOITE OBSCURA - FOLHAS SELVAGENS (2022, de Sylvain George)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgSIkVVauVRjQhj9uGrU6mmNk9k7uTeHO2yH0j552znIzMehi82H43g5AjmhPYXTZqoqLXNLH7VyjAwA4_dWumyXQUdIti2ZLmqTMEHZUbqIYFYhjd0E5VtN0dquLe2rn_yBVv7xL32xNwvr1nglWR3IYsmaT81o-I5j-YktHMGK1Pb7rxXr-g3w-l0/s1920/noite%20obscura.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgSIkVVauVRjQhj9uGrU6mmNk9k7uTeHO2yH0j552znIzMehi82H43g5AjmhPYXTZqoqLXNLH7VyjAwA4_dWumyXQUdIti2ZLmqTMEHZUbqIYFYhjd0E5VtN0dquLe2rn_yBVv7xL32xNwvr1nglWR3IYsmaT81o-I5j-YktHMGK1Pb7rxXr-g3w-l0/s320/noite%20obscura.jpg" width="320" /></a></div><br /> <p></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span>Ao final da árdua jornada –
em todos os sentidos – de quase quatro horas e meia de duração
concernente ao filme “Noite Obscura – Folhas Selvagens” (2022,
de Sylvain George), continuamos imaginariamente o desfecho das
trajetórias que acompanhamos durante a projeção do documentário.
Nem sempre sabemos o que está acontecendo, mas </span><span><i>sentimos</i></span><span>:
a câmera-cúmplice do cineasta põe-se ao lado de adolescentes
marroquinos, que vivem ilegalmente nas ruas de Melilla, enquanto
sonham em viajar para a França ou para a Espanha… </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> Antes de a fotografia assumir
o seu tom estilizado de preto-e-branco, uma antecipação rubra é
instalada, a fim de metonimizar a recorrência do fogo ao longo dos
eventos apresentados: os rapazes cozinham em fogueiras improvisadas,
acendem cigarros, se aquecem nas noites frias. Mas o fogo também diz
respeito ao que eles almejam ser: cidadãos europeus. Estes
adolescentes recebem a alcunha de ‘harragas’, que significa algo
como “aqueles que queimam”, em referência aos documentos de
identificação que eles atiram às chamas. À frente deles, o
infindável mar… </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> Não obstante o realismo cru
das imagens, que rendem longuíssimas seqüências (paradoxalmente
demarcadas por ‘jumpcuts’), o ritmo deste documentário é
sobremaneira experimental. A captação das ondas e do reflexo da lua
nas águas do Mar Mediterrâneo rende imagens tão belas quanto
abstratas. É como se compartilhássemos das lombras daqueles
garotos, continuamente entorpecidos por alucinógenos improvisados,
uma versão local do “loló”. Durante os devaneios provocados
pela ingestão gasosa dessas substâncias, eles choram, cantarolam,
lembram dos familiares que deixaram no Marrocos… E prometem que
conseguirão chegar a algum país desenvolvido, a fim de se
estabelecerem profissionalmente e conseguirem resgatar as pessoas que
amam. </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> Em diversos momentos,
acompanhamos estes garotos escalando muros, pulando cercas,
ferindo-se nas pontas afiadas de arame farpado que circunda quase
toda a região. Eles referem-se às suas atitudes conjuntas como
“tomar o risco”, expressão que tem como objetivo o encaixe de
ganchos nos imensos navios que aparecem eventualmente na costa.
Enquanto aguardam as oportunidades ideais, que podem demorar
indefinidamente, eles dormem nas cavernas da cidade litorânea,
famosa por suas fortalezas com arquitetura modernista. E esperam… </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> No início do filme,
verificamos a entrega de doações fornecidas por entidades
assistenciais espanholas. Os adolescentes agrupam-se, de maneira
improvisada, recebendo pão, leite e outros víveres. É um conforto
benfazejo em meio à ameça dominante da fome, do abandono, do frio e
dos maus tratos. As feridas e infecções são recorrentes, bem como
as lágrimas, ao lembrar os entes queridos ou as histórias trágicas
de infância. A longa duração do filme torna-se irrelevante perante
o que eles testemunham. E esta é a intenção do diretor com essa
extensão desmedida: convidar-nos a uma experiência de imersão no
sofrimento daqueles imigrantes, que estão à margem das delongas
infindáveis nas filas alfandegárias. Noutra seqüência mui
demorada, acompanhamos os esforços de alguns homens, que prendem
alguns produtos em seu corpo, com fita adesiva, no afã por
deixarem-nos ocultos. Mais uma vez, aceita-se o risco (nesse caso, de
aprisionamento), frente ao desespero da fuga. </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> Não há uma intervenção
narrativa em ‘off’ no filme: no máximo, lemos alguns dizeres,
correspondentes ao título poético, na abertura. Depois, somos
atirados às ruas, juntos àqueles garotos, muçulmanos em sua
absoluta maioria. Num instante de alívio, após nadarem e lavarem as
suas vestimentas, eles recitam algumas orações, demonstrando que
não rejeitam culturalmente as suas origens, apenas economicamente.
Soldados desfilam, numa comemoração local que mantém uma tradição
de caráter franquista. Estamos num território marroquino,
colonialmente extirpado do próprio país. A reação imediata é a
de chorarmos coletivamente, em apoio emocional ao desamparo daqueles
jovens. </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> Em meio à fealdade
decorrente das condições de pauperismo enfrentadas por aqueles
garotos, a beleza exuberante da cidade, arquitetonicamente tombada.
No esplêndido desenho de som deste longa-metragem, os ‘raps’ que
eles recitam durante os seus delírios misturam-se às gargalhadas
ébrias, às bravatas inconseqüentes, ao marulho contínuo e ao
grasnar de algumas aves. O registro naturalista amalgama-se às
intenções vanguardistas do realizador, configurando um produto
fílmico de extrema singularidade. Quem enfrentar este percurso
carregado de dor deparar-se-á também com uma obra de arte mui
elogiável. Por vezes, questionamos algumas opções éticas do
diretor (e/ou do câmera), que quedam inanes diante das agruras
mostradas (vide o instante em que um garoto quase quebra as pernas,
ao cair de uma parede muito alta). Mas cada segundo exibido é
necessário enquanto testemunho de autenticidade documental. Aderimos
ao drama destes imigrantes </span><span><i>por
dentro</i></span><span>, no cerne
mesmo de suas usurpações cotidianas! </span>
</span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><br />
</span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><br />
</span></p>
<p align="right" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Wesley Pereira de Castro. </span>
</p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-15698236136328196262022-10-31T17:50:00.004-07:002022-10-31T17:50:45.268-07:00Mostra SP 2022: O DEUS DO CINEMA (2021, de Yoji Yamada)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiY0k9tCHDa3rrGBS2CeSELYP8Bbaj4Wlm3nVdkyoAuBYk4yatRFpchTUxIh-fFMlj8ehPcbUnMWkwv_ouG6Qx28vnnzvrpDZVuids--s0dfh3Dlk7dT68NYJgTSaFYjg-wZkPI9uGd4W8nEkh_0lRgDnAuMPvgKKGDH4NUVo06x1Scg5w2ls4fWaVc/s640/deus%20cinema.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="333" data-original-width="640" height="167" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiY0k9tCHDa3rrGBS2CeSELYP8Bbaj4Wlm3nVdkyoAuBYk4yatRFpchTUxIh-fFMlj8ehPcbUnMWkwv_ouG6Qx28vnnzvrpDZVuids--s0dfh3Dlk7dT68NYJgTSaFYjg-wZkPI9uGd4W8nEkh_0lRgDnAuMPvgKKGDH4NUVo06x1Scg5w2ls4fWaVc/s320/deus%20cinema.jpg" width="320" /></a></div><br /> <p></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span>Quem nunca assistiu a nenhum
filme do nonagenário cineasta Yoji Yamada, encontrará em “O Deus
do Cinema” (2021) uma maneira assaz graciosa de ser apresentada ao
seu estilo, enciclopedicamente demarcado pela </span><span><i>simplicidade</i></span><span>.
Apesar de ele ter realizado mais de noventa produções antes dessa,
há algo de muito sintético no modo como o roteiro apresenta suas
afinidades temáticas – sobretudo em relação ao diretor
hollywoodiano Frank Capra [1897-1991], mencionado ostensivamente num
diálogo entre personagens cinéfilos e na emulação contida no
título internacional do seu filme, “It’s a Flickering Life”…
</span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> Em sua aplicação da fórmula
contida na epígrafe desta resenha, pronunciada pelo protagonista Goh
(Kenji Sawada) logo no início do filme, Yoji Yamada chega a adotar
algumas soluções muito simplistas no roteiro, visto que ele é
apressado no desenvolvimento das relações entre os personagens e
nas indicações de que a pandemia da COVID-19 obrigou os produtores
a improvisar algumas estratégias para finalizarem adequadamente o
filme. </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> O enredo metalingüístico
que justifica o título é obviamente inspirado em “A Rosa Púrpura
do Cairo” (1985, de Woody Allen), e é escrito pelo protagonista
Goh (interpretado, na juventude, por Masaki Suda), que tenciona
converter-se em diretor de cinema, depois que trabalha como
assistente de um deles, e encanta-se pela atriz principal, Sonoko
[vivida por Keiko Kitagawa, em homenagem à célebre Setsuko Hara
(1920-2015)], sendo correspondido por ela. Entretanto, Goh é alvo do
amor platônico da cozinheira Yoshiko (Mei Nagano), que, por sua vez,
é pedida em casamento pelo projetor Terashin (Yojiro Noda), melhor
amigo de Goh. </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> A trama de “O Deus do
Cinema” possui dois tempos interligados: na atualidade, Goh é um
idoso alcoólatra e viciado em apostas, o que faz com que a sua
esposa e filha sejam continuamente perseguidas por agiotas. Depois de
uma briga com Yoshiko (na maturidade, vivida por Nobuko Miyamoto),
Goh resolve esconder-se no cinema de Terashin (interpretado na
velhice por Nenji Kobayashi), onde assiste a um filme antigo e revive
algumas memórias de juventude, quando descobrimos os dois triângulos
amorosos interseccionados. </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> O tom da narrativa mescla o
melodrama capriano com a comédia de costumes, com vistas a uma
declaração de amor à Sétima Arte que intenta compensar as
decepções do cotidiano. “</span><span><i>Na
tela, os finais são felizes”,</i></span><span>
repetem os personagens em mais de um momento, evidenciando o tipo de
produção que interessa ao cineasta, conhecido pela simplicidade,
conforme já mencionado. Num ‘flashback’ decisivo, o jovem Goh é
incompreendido quando tenta enquadrar uma cena de maneira heterodoxa,
o que faz com que ele desista do cinema, até ser redescoberto muito
tempo depois como um “roteirista promissor”, aos 78 anos de
idade. Como não recebeu a mesma atenção por parte dos críticos
que vários de seus conterrâneos, mesmo sendo bastante prolífico, é
como se Yoji Yamada defendesse o seu próprio ‘modus operandi’,
visto que é reconhecido como um hábil artesão, sem a devoção
recebida por Akira Kurosawa, Yasujiro Ozu ou Kenji Mizoguchi… </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> Alguns desses diretores são
também homenageados via pseudônimos e nas descrições de filmagens
contidas nas memórias de juventude de Goh, Yoshiko e Terashin. O
filme que Goh decide assistir antes de falecer é uma clara
referência à obra-prima “Era uma Vez em Tóquio” (1953, de
Yasujiro Ozu), o que rende um instante de suma beleza, à guisa de
desfecho, num tipo de píncaro emocional bastante distinto do que
estava sendo reproduzido na tela. </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"> Co-escrito pelo próprio Yoji
Yamada, o roteiro deste filme é baseado num romance da escritora
Maha Harada, “Kinema no Kamisama”, publicado em 2011. Coube ao
diretor adicionar elementos de nostalgia cinematográfica, a fim de
homenagear tanto o estúdio centenário no qual ele trabalhou, o
Shochiku, quanto um tipo de ode ao cinema de cariz ocidental. Em meio
aos dilemas românticos dos jovens e às crises familiares e
econômicas dos mais velhos, momentos de piada pastelão, como quando
um porteiro reclama que está ficando careca quando ajuda a chamar
uma ambulância para socorrer o jovem Goh, após um acidente, ou
quando alguém decide ajudar a então faxineira Yoshiko a limpar
algumas privadas e espanta-se com a sujeira. Vale lembrar que Goh
atribui as suas inspirações roteirísticas a Buster Keaton e
deparamo-nos com cartazes de filmes de Charles Chaplin na sala de
projeção de Terashin.</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> “O Deus do Cinema” é,
portanto, um filme muito simpático, que, a despeito de sua longa
duração (duas horas e cinco minutos), é sempre entretenedor e
repleto de romance. Há algo de muito desconfortável nos
comportamentos de Goh enquanto aposentado, tratando a sua esposa de
maneira displicente e insistindo que a sua filha Ayumi (Shinobu
Terajima) é uma “psicopata”, já que ela convence os seus
familiares a não mais pagarem as numerosas dívidas de jogo do seu
pai. É nesse sentido que o garoto Yuta (Oshiro Maeda), filho de um
casamento desfeito de Ayumi, surge como elo intergeracional, sendo o
responsável pela adaptação contemporânea do roteiro esquecido do
avô Goh. </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> Na cena derradeira, todos
estão numa sala de cinema, assistindo a um filme clássico, em
preto-e-branco. A mensagem conciliadora do cineasta é muito clara:
ele acredita que os filmes podem (re)unir as pessoas, providenciando
milagres. Desde que eles estejam desprovidos das complicações
autorais que muitas vezes desencadeiam insalubres conflitos
egocêntricos (vide o chiste envolvendo o perfeccionismo exacerbado
de um diretor, que deixa Sonoko desconfortavelmente nervosa ao exigir
que ela mexa uma xícara numa quantia mui precisa de vezes). Já que,
no letreiro de abertura, um estúdio é reverenciado, o trabalho de
equipe é valorizado enquanto extensão familiar e celebração da
amizade. Na prática bem-intencionada, procede! </span>
</span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><br />
</span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><br />
</span></p>
<p align="right" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Wesley Pereira de Castro. </span>
</p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-81362965702801646322022-10-31T17:41:00.011-07:002022-10-31T17:45:26.198-07:00Mostra SP 2022: O CLUBE DOS ANJOS (2020, de Angelo Defanti)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZ9HcSsowTbwJ8X6nLyd3onzx_iefXs7kVzjMjRnDziQ2lqU3I-A7QsMSVfg8cxSzPY95i9ER06nCmg0WbmXDDgJAo1-xbHqsLgaYTT1KVp4FcWHqK8B6rQMEPB0xe9FaKt6Pe9oTPDNcLFkg_9XDLuKcQv3YwiAwhotpACvEv3Pa-Lx3NPzNWs7w3/s2048/clube%20dos%20anjos.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1154" data-original-width="2048" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZ9HcSsowTbwJ8X6nLyd3onzx_iefXs7kVzjMjRnDziQ2lqU3I-A7QsMSVfg8cxSzPY95i9ER06nCmg0WbmXDDgJAo1-xbHqsLgaYTT1KVp4FcWHqK8B6rQMEPB0xe9FaKt6Pe9oTPDNcLFkg_9XDLuKcQv3YwiAwhotpACvEv3Pa-Lx3NPzNWs7w3/s320/clube%20dos%20anjos.jpeg" width="320" /></a></div><br /> <p></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span>A afeição que Angelo Defanti
nutre pela obra do escritor Luís Fernando Veríssimo – que, em
breve, converter-se-á num documentário – explica a extrema
desenvoltura no modo como ele adapta o livro homônimo “O Clube dos
Anjos”, famoso por pertencer à inventiva série “Plenos
Pecados”. Nesse sentido, além da adoção de recursos literários
(o modo como é introduzida a narração, através da gravação de
fitas de vídeo, do protagonista vivido por Otávio Müller, por
exemplo), o cineasta serve-se habilmente de expedientes teatrais, em
sua benfazeja adaptação cinematográfica. </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"> Contando com um elenco
extraordinário, uma das grandes sacadas do roteiro é a exposição
estereotípica dos personagens: a polarização quase redundante
entre João (Augusto Madeira) e Pedro (Marco Ricca), respectivamente
um comunista culpado e um empresário capitalista; a mania do
cozinheiro vivido por Matheus Nachtergaele em fumar enquanto prepara
os seus banquetes; a misoginia indisfarçada do mentor Ramos (António
Capello), antes de sabermos que ele era homossexual; estes são
alguns dos aspectos cartunescos desta obra, advindos diretamente do
original literário.</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> Sendo assim, um relevante
problema conceitual apresenta-se desde o início: exceto por ser o
narrador, não há muito o que ser dito sobre o protagonista Daniel.
Solteiro e não trabalhador, ele parece alguém desprovido de
interesse pessoal, o que explica a fetichização excessiva da gula e
a teimosia de referir-se em seus amigos como “imprestáveis” (na
verdade, ele utiliza um palavrão). A insistência nos julgamentos de
mau caratismo depositado sobre os seus convivas demonstra que ele
próprio é também um mau caráter, o que não apenas ele não nega
como desemboca na conclusão pouco empolgante do filme, em que a
adesão dos companheiros de várias décadas à gula compartilhada
deixa de estar atrelada à sensação de “sentir prazer no prazer
do outro” para converter-se em intenções gananciosas, típicas da
conjuntura classista dos personagens. </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> Devemos acrescentar que a
conversão dos prazeres dos amigos de infância em uma organização
que visa à concessão de “eutanásias festivas” (ou “retiradas
orgiásticas”) para moribundos endinheirados justifica o modo
inteligente com que o enredo trabalha com a noção de
</span><span><i>previsibilidade</i></span><span>,
nunca frustrando aquilo que imaginamos a partir dos sumiços dos
personagens. Trata-se praticamente de um anti-suspense, substituído
decepcionantemente pela piada disfuncional do encontro entre Daniel e
o consultor Delgado (cujo sobrenome é confundido com a função de
um delegado), numa reviravolta tramática que funciona melhor na
literatura que na diegese audiovisual. Ao menos, isso contribui para
acrescentar alguma ironia à decisão estimulada por Ramos, a de
“saber o final do livro”, em sua ode à vida bem aproveitada por
quem sabe que padece de uma doença terminal. </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> Dentre os peculiares recursos
cênicos acrescentados como ingredientes fílmicos, dois merecem ser
especificamente elogiados: a seqüência em que os intérpretes dos
personagens adultos ocupam os lugares dos mesmos quando adolescentes,
de maneira que seus traços personalísticos são metonimizados na
maneira como eles interagem entre si; e as estratégias de iluminação
concernentes às lâmpadas acesas durante a erupção de orgasmos
gastronômicos individuais e ao alerta rubro que se instaura quando
Tiago (André Abujamra) descontrola-se diante de uma sobremesa de
chocolate. Aliás, esta obsessão pelos doces derivados de cacau,
junto às múltiplas vezes em que Samuel (Paulo Miklos) chama alguém
de “crápula” (no bom ou no mau sentido), são chistes que tornam
ambos os personagens muito divertidos, confirmando o que foi dito
sobre as vantagens da concepção intencionalmente estereotípica de
seus caracteres. </span>
</span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span> Ainda que não termine tão
bem quanto comece – o que chega a ser paradoxal, pois, mais uma
vez, confirma o brinde derradeiro de Ramos, que sugere que seus
parceiros chorem, depois de se alegrarem com a excelente comida,
visto que ali, seria o início do declínio de suas vidas –, este
filme demonstra de maneira assertiva uma tendência comum no cinema
hollywoodiano: a de que adaptar livros de sucesso é um chamariz
interessante de público. Sobretudo porque a adaptação não anula a
versão original, ambas as obras convivem harmoniosamente, para além
das discrepâncias comparativas entre elas. Nem bem a sessão termina
e os espectadores já anseiam por (re)ler o livro em pauta. A fome
sempre volta, eis a certeza mais repetida ao longo da projeção! </span>
</span></p>
<p align="justify" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><br />
</span></p>
<p align="right" class="western" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;">Wesley Pereira de Castro.</span></p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-50998437125458840122022-10-30T14:24:00.010-07:002022-10-30T14:42:06.859-07:00Mostra SP 2022: INVENTÁRIO (2021, de Darko Sinko)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQf3stVOezdI-NjIuLi4rqyzQRTx4Cczi96vlLXk4Dps6v95blVcMcZUhZafxxiFaNAS54709Oy3MOJ-d_8Pe9cpm2n94GxSQf5Kj0O8D7JGkDg9sikNw04Opo48PLaSn3ccPfsdpbsmYdtFTB9g3jlUIfSwHpyKe7DDy_THFjpnI82yTMBp1cMe76/s1920/invent%C3%A1rio.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="804" data-original-width="1920" height="134" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQf3stVOezdI-NjIuLi4rqyzQRTx4Cczi96vlLXk4Dps6v95blVcMcZUhZafxxiFaNAS54709Oy3MOJ-d_8Pe9cpm2n94GxSQf5Kj0O8D7JGkDg9sikNw04Opo48PLaSn3ccPfsdpbsmYdtFTB9g3jlUIfSwHpyKe7DDy_THFjpnI82yTMBp1cMe76/s320/invent%C3%A1rio.jpg" width="320" /></a></div><div><br /></div>Nos instantes iniciais deste enredo compassado, somos apresentados a um cidadão trivial, que parece satisfeito com a modorra de sua própria vida: Boris Robi<span face="arial, sans-serif" style="background-color: white;">č</span> (<span face="arial, sans-serif" style="background-color: white;">Radoš Bolčina</span>) é assistente de projeção numa Faculdade de Economia e janta com a sua esposa, Alenka (Mirel Knez), enquanto conversam sobre o abastecimento de carnes na despensa. Depois que senta-se, sozinho, em seu escritório para ler um pouco, Boris é surpreendido pelo barulho de vidro quebrando. Alguém atira em sua janela. Quem teria sido? <p></p><p><br /></p><p>Esse ponto de partida pode ser tanto chistoso quanto melancólico, a depender da perspectiva projetada pelo espectador, no que tange à identificação com o protagonista, mas, em ambos os casos, percebe-se que as feridas da guerra pós-esfacelamento da Iugoslávia seguem afetando as pessoas comuns. Após ser incitado a imaginar quem poderia ter alguma inimizade quanto a seu esposo, Alenka aventa que alguns ex-soldados vivem entre eles. O que Boris não consegue entender é por que alguém o odiaria a ponto de tentar matá-lo, de modo que ele consulta um amigo de juventude, que fôra (e ainda é) apaixonado por Alenka, e visita a sua mãe senil, num asilo, que pronuncia frases despropositadas sobre o fato de a sua nora não gostar verdadeiramente de seu filho. Até que entram em cena um homônimo de Boris, que aparentemente está tendo um caso, e a lembrança de uma apólice de seguros, que pagaria uma fortuna para a esposa e o filho de Boris, caso ele morresse subitamente... </p><p><br /></p><p>As reações do protagonista à constatação de que sua vida é considerada vã por outrem confirmam-se quando, ao tentar conseguir alguns dias de folga, ele ouve da sua chefa que "<i>ninguém é insubstituível".</i> Como tal, passa a desconfiar da própria esposa, o que rende algumas situações de comicidade taciturna, como quando ele inverte a ordem dos pratos colocados na mesa, temendo estar sendo envenenado. A condução plácida do filme evita os sobressaltos, ainda que haja uma reviravolta considerável no desfecho, que transfere para o espectador, mais uma vez, a interpretação definitiva acerca da possível nocividade com que Boris trata (e, por extensão, é tratado por) as pessoas ao seu redor. Como incremento argumentativo, temos a excelente seqüência da aula sobre "ética econômica", à qual Boris assiste enquanto exerce as suas funções empregatícias: é essencial compreender se há ganhos mútuos em nossas relações cotidianas, portanto! </p><p><br /></p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-30878657347222912352022-10-29T09:22:00.007-07:002022-10-29T09:32:24.861-07:00Mostra SP 2022: TARTARUGA SOB O SOLO (2022, de Shishir Jha)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjoiF-xj-gwcDjxp6yRZa9cROiEepjdCebJYAdHa6a0S5kH2qi6gVYY78ADnzagitpN9j5BukUOWUBMzdOKmP-6YaGSy3J0hXNNGm-5cp82laLF3VWg9Nt_ZJ2-7FN1NMx9T8UiZ2ktFYsaNMlySYnCEemxCcnuuIPORfwdMro14QY9F8eCW9e2jJMi/s1920/tartaruga%20sob%20o%20solo.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1920" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjoiF-xj-gwcDjxp6yRZa9cROiEepjdCebJYAdHa6a0S5kH2qi6gVYY78ADnzagitpN9j5BukUOWUBMzdOKmP-6YaGSy3J0hXNNGm-5cp82laLF3VWg9Nt_ZJ2-7FN1NMx9T8UiZ2ktFYsaNMlySYnCEemxCcnuuIPORfwdMro14QY9F8eCW9e2jJMi/s320/tartaruga%20sob%20o%20solo.jpg" width="320" /></a></div><br />Numa cena aparentemente circunstancial, o casal protagonista assiste a um telejornal que menciona um evento sobre discussão dos impactos ecológicos dos intervenções humanas no meio ambiente, Isso desperta a atenção de ambos, visto que eles lidam com uma situação vicinalmente catastrófica, em que a mineração de urânio na região vem contaminando e matando animais e pessoas. Como este evento acontecia no Brasil, dá para traçar um paralelismo imediato entre o que ocorre no interior daquele povoado rural indiano e os crimes ambientais que são comumente noticiados na Bahia e em Minas Gerais. Em comum, a sensação de impotência frente ao envenenamento progressivo das reservas aquáticas naturais. E a vontade de resistir!<p></p><p><br /></p><p>Além das questões referentes à tragédia ambiental, o casal lida com uma tragédia íntima, a morte de uma filha, o que faz com que a mulher (Mugli Baskey) aja de maneira depressiva, não queira sequer se arrumar, a fim de participar das celebrações locais. Seu esposo (Jagarnath Baskey) esforça-se para mantê-la motivada, sobretudo no que diz respeito à necessidade de continuarem vivendo onde estabeleceram residência, a despeito dos mandados contínuos de expulsão, provenientes de uma empresa mineradora. Ela sente-se solitária e desamparada, mas, depois assustar-se perante a possibilidade de uma nova ausência, adere à peroração musical do desfecho: <i>"não alimente a tristeza, seja ela grande ou pequena". </i>É um conselho que também serve para nós, espectadores. </p><p><br /></p><p>Demarcado por muitas canções, já trata-se de um filme que focaliza uma comunidade com costumes folclóricos, esse roteiro também possui personagens que chamam a atenção para o quociente de alienação política imiscuído entre as celebrações cotidianas: "<i>enquanto estamos aqui cantando, eles nos expulsam de nossas terras</i>", comenta alguém, antes de participar da leitura coletiva de uma notícia de jornal, sobre a exortação de um contexto em que uma formiga pode vencer um elefante. Trata-se de uma metáfora condizente com o aspecto cosmogônico da trama, evidente desde o título, referente aos trabalhos ancestrais de uma tartaruga e uma minhoca místicas. Ao ser decretado, desde o início, que "o verdadeiro fantasma é o urânio", o roteiro do próprio diretor permite a inserção de efeitos visuais numa condução tramática assaz realista, que demonstra algo essencial: em situações de combate, é urgente que apoiemo-nos mutuamente. Seja nas oferendas simbólicas que transmitimos aos nossos entres queridos, seja na colaboração característica dos mutirões, além da musicalidade concatenadora, que atravessa todos os momentos. Reiterando o ditado popular,<b> juntos somos efetivamente mais fortes! </b></p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-50988919098915403312022-10-27T11:13:00.004-07:002022-10-27T11:20:26.765-07:00Mostra SP 2022: A SAÍDA ESTÁ À NOSSA FRENTE (2022, de Rob Rice)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXzOBs06kBtTjGKdm2ZmqVfVQdzrJ4WU0EuL7zEW3UfStwISa9Huy8NSqpGHyFzdCset13treBTpFQc647elAPmhsOvA31netLR7C-m-zVdishCkfeXxAQMQ8x0D4UEW9FlrHrpIURxahtE2syDYR__vmRlawHorRYhi9FRP7pF2cC-kz19Thlfy7z/s2560/Sa%C3%ADda%20Est%C3%A1%20%C3%A0%20Nossa%20Frente.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1350" data-original-width="2560" height="169" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXzOBs06kBtTjGKdm2ZmqVfVQdzrJ4WU0EuL7zEW3UfStwISa9Huy8NSqpGHyFzdCset13treBTpFQc647elAPmhsOvA31netLR7C-m-zVdishCkfeXxAQMQ8x0D4UEW9FlrHrpIURxahtE2syDYR__vmRlawHorRYhi9FRP7pF2cC-kz19Thlfy7z/s320/Sa%C3%ADda%20Est%C3%A1%20%C3%A0%20Nossa%20Frente.jpg" width="320" /></a></div><p><br /></p>Antes que possamos organizar mentalmente aquilo que estamos achando deste quase-documentário sobre o 'white trash' estadunidense, percebemo-nos <i>sentindo </i>um afeto legítimo por aqueles personagens socialmente disfuncionais , mas legitimamente afetivos. De acordo com a sinopse, o elemento nodal é a doença terminal enfrentada pelo chefe de família Mark (Mark Staggs), porém essa é disfarçada até para nós mesmos, espectadores, a fim de não estragar os planos da carismática Cassie (Nikki DeParis), prestes a mudar-se para a cidade grande, em busca de melhores condições empregatícias. Acompanhamos, ao longo da curta duração do filme (1h27'), um cabedal de despedidas, que culmina na inevitabilidade da morte como aplicação da metáfora que um dos personagens tece, pendurado num balanço... <p></p><p><br /></p><p>Em mais de um momento, Mark é mostrado tentando resolver problemas via 'telemarketing', sendo aprisionado nas cadeias eletrônicas das mensagens automáticas. Sua esposa Tracy (Tracy Staggs) esforça-se para mantê-lo bem-humorado e para que ele não desista de tomar os seus remédios. O casal é cercado por vários cachorros, e vários de seus parentes interagem durante as festas de final de ano: alguns, com violência (o namorado de Cassie, por exemplo); outros com inusitada ternura, como o primo maconheiro da jovem. Em mais de um sentido, é um filme que não julga os seus personagens (colaboradores do projeto, em verdade), fazendo com que compreendamos os sentimentos, para além das condições evidentes de pauperismo. </p><p><br /></p><p>A fotografia é sobremaneira cálida, conforme requer o clima desértico daquele ambiente, e a montagem é elíptica, reforçando o caráter excessivamente independente da produção. Demoramos para compreender devidamente as relações entre os personagens, mas afeiçoamo-nos não apenas à candura de Mark e Cassie, mas também ao ex-presidiário que tornou-se um cristão amante dos animais, à transexual criadora de ofídios que sente-se chateada quando um parente invade um de seus quartos e àquela família extensa e heterodoxa como um todo, que sabe diferenciar muito bem "a glória de Deus" da "glória dos norte-americanos". Eis a realidade que <i>transforma </i>e é <i>transformada</i>, ao ser convertida em Arte! </p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-9573019109621660722022-10-26T17:16:00.007-07:002022-10-27T10:51:45.243-07:00Mostra SP 2022: CARVÃO (2022, de Carolina Markowicz)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkvz_Laat-02oRXupmdhPlIx25hdypmsuUB0DBgHKLisKlM7JPszCDfdUs6KHh0E8ze_1fRmjsCz3Z6iWTbPbNawbrDdH3czZHqqqpIA1ujE47HqECcaRmjjtpT-9T-LLxkC4p5osn55S9CknzWRqNL-fh3X-6qQnkgBYXf8KyQV54PsJP-OqOrhsX/s1000/carv%C3%A3o.webp" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="563" data-original-width="1000" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkvz_Laat-02oRXupmdhPlIx25hdypmsuUB0DBgHKLisKlM7JPszCDfdUs6KHh0E8ze_1fRmjsCz3Z6iWTbPbNawbrDdH3czZHqqqpIA1ujE47HqECcaRmjjtpT-9T-LLxkC4p5osn55S9CknzWRqNL-fh3X-6qQnkgBYXf8KyQV54PsJP-OqOrhsX/s320/carv%C3%A3o.webp" width="320" /></a></div><br />Para uma diretora estreante em longas-metragens, o domínio rítmico de Carolina Markowicz é impressionante. A duração é muito bem aproveitada na implementação dos silêncios e o elenco heterogêneo está bastante integrado às composições de cada um de seus personagens: Irene, a protagonista, é uma mulher de temperamento centrípeto, quiçá por causa da negligência sexual de seu marido, Jairo (Rômulo Braga), homossexual inassumido, que tem um caso com um vizinho, também casado. Eles vivem numa cidade erma do interior paulista, e recebem uma proposta perturbadora de Juracy (Aline Marta Maia), uma enfermeira local: sacrificar, de maneira violenta, o pai de Irene e, no lugar dele, conceder refúgio a um traficante argentino (César Bordón), que forja a própria morte. A presença deste "gringo", entretanto, acentuará as crises de comunicação sufocadas nesta comunidade de gente tão trabalhadora quanto melancólica... <p></p><p><br /></p><p>O desconforto provocado pelas situações supracitadas é contrabalançado pelo incrível bom humor do filho de Irene e Jairo, Jean (Jean de Almeida Costa, esplêndido), um garotinho que, a despeito das dificuldades de acesso da região em que vive, demonstra uma habilidade surpreendente para resolver problemas. Revela-se safo tanto na interrogação acerca da possiblidade de pedofilia em relação a alguém que acaba de conhecer quanto na desenvoltura para conseguir cocaína. Na lida diária com a sua mãe, ele parece estar em perene conflito, enquanto sequer percebe que seu pai está em casa, de tão ausente que ele demonstra-se, quando está longe do homem que ama. Tudo conduz a um desfecho violento, portanto. </p><p><br /></p><p>Mui hábil na condução de seu próprio roteiro, a diretora evita a obviedade climática: ficamos sem entender muitas das situações apresentadas (não sabemos quais crimes Miguel cometeu, por exemplo), mas dispomos de suficientes informações para compreender o impacto daquelas relações forçadas tão destoantes. Excitada, Irene começa a perfumar-se em excesso, no afã por atrair a atenção sexual de seu hóspede arredio, que beija Jairo numa demonstração implícita de poder. Permanece sempre misteriosa a origem de Juracy, do mesmo modo que são sub-articuladas as conversas entre Jean e seus colegas de escola. A Jairo, resta embebedar-se, a fim de poder enfrentar o seu cotidiano de repressão. No rádio (e, por extensão, na sardônica trilha musical), canções religiosas, cantadas pelo padre Marcelo Rossi. A igreja é bastante enfeitada, mas o pároco reclama das dificuldades financeiras por ele enfrentadas. Na parede do quarto de Jean, um lema providencial: <i>"ora que melhora".</i> Isso não evitará que Miguel seja sufocado diante de uma ilustração que evoca a derradeira ceia cristã. Por fim, um estampido abruto. Trata-se de um filme para adultos! </p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6490498791345650335.post-2476595698451631562022-10-24T18:19:00.012-07:002022-10-24T18:46:40.623-07:00Mostra SP 2022: O ESTRANHO CASO DE JACKY CAILLOU (2022, de Lucas Delangle)<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilWiIgGd1DxrGeRcyJblwb5Mx0yKHCJsBCIVwXj0sm789rvEnhA3PDVMHE5fZ8QyOFdtT9nAPZjioWMRmtStCmHllkVQi007rqp9JD506-OO4xachw0HTpoEaxV-wMdIJnB3u4wi6hVpKHSSruMgMuDpwMOgJJ7PJs_Vu142WVSuM4-RjJqc_3OIM-/s1000/caillou.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="540" data-original-width="1000" height="173" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilWiIgGd1DxrGeRcyJblwb5Mx0yKHCJsBCIVwXj0sm789rvEnhA3PDVMHE5fZ8QyOFdtT9nAPZjioWMRmtStCmHllkVQi007rqp9JD506-OO4xachw0HTpoEaxV-wMdIJnB3u4wi6hVpKHSSruMgMuDpwMOgJJ7PJs_Vu142WVSuM4-RjJqc_3OIM-/s320/caillou.jpg" width="320" /></a></div><br />Num primeiro momento, este filme parece abordar a mesma perspectiva dramática levada a cabo por Agnieszka Holland em "O Charlatão" (2020). Ou seja, a análise da conjuntura rural que permite que um camponês simplório perceba-se capaz de curar outrem, ainda que seja alvo de desconfiança pelas pessoas ao seu redor. Diferente da lógica biográfica daquele filme, aqui, o diretor estreante em longas-metragens opta por assumir a fantasia: inicialmente, enquanto reflexão acerca da solidão íntima de um personagem e, logo em seguida, como trama de gênero, num flerte ostensivo com o terror. Instaura-se o lastro da <i>incompletude</i>, através de interessantes pontos de fuga... <p></p><p><br /></p><p>O personagem-título (vivido por Thomas Parigi) vive com a sua avó curandeira (Edwige Blondiau), ciente de que, nalgum momento, dará continuidade ao seu trabalho místico. Ocorre que ele tem pretensões de converter-se em músico 'indie', apresentando-se eventualmente num bar local. O pedido de ajuda de uma moça chamada Elsa (Lou Lampros), molestada por uma impingem crescente nas costas, faz com que ele perceba o que lhe faltava na consecução dos atos de cura transmitidos por sua avó, a sensualidade. Elsa refere-se à observação do movimento das folhas como uma <i>linguagem</i>, o que deixa-lhe encantado. Porém, ao permitir o desenfreamento de seus anseios libidinosos, Jacky será obrigado a unir-se à sua comunidade na perseguição ao lobo que vem matando alguns animais na região. Calhará de esta ser uma mutação monstruosa da própria Elsa, que, convertida na fêmea de um lobisomem, admite <i>"nunca ter se sentido tão livre na vida"!</i></p><p><br /></p><p>Interpretado por um elenco que parece emprestado de um filme do Bruno Dumont, o roteiro deste filme metaforiza os receios da autodescoberta, no sentido de que a necessidade premente de tomar decisões obriga o indivíduo a lidar com situações inevitavelmente arriscadas. A fim de testar a possibilidade de ser capaz de curar um ser moribundo, Jacky envolve um pássaro ferido com as mãos, prendendo-o posteriormente numa gaiola, sem esperanças efetivas de que ele se recupere. Noutra seqüência, ele estará aprisionando a própria Elsa em seu quarto, após deixá-la inconsciente com uma pedrada na cabeça. Ele não conseguirá conter os seus recentes instintos assassinos, da mesma maneira que, repentinamente, passa a ser reconhecido por seus vizinhos como herdeiro dos dons curativos de sua avó. Como expurgar alguém de um mal-estar quando é-se pessoalmente atormentado pela baixa autoestima e pela repressão afetiva? A pergunta aplica-se tanto ao protagonista quanto ao filme em si, visto que ele é maculado pela indefinição rítmica, entre a primeira e a segunda metade. Resta o impacto dúbio da tentativa!</p><p><br /></p><p><br /></p><p>Wesley Pereira de Castro. </p>Pseudokane3http://www.blogger.com/profile/08664706471206215768noreply@blogger.com0