Apesar de ter realizado filmes simpaticíssimos na década de 1980 [sendo “Um Salto Para a Felicidade” (1987) e “Amigas Para Sempre” (1988) alguns destes títulos memoráveis], foi na década de 1990 que Garry Marshall obteve sumo reconhecimento como diretor de comédias românticas lucrativas. O já clássico “Uma Linda Mulher” (1990) corresponde ao píncaro memorável de sua carreira, não obstante o dramático “Frankie & Johnny” (1991) ser o seu filme mais pessoal.
As obras consecutivas revezavam-se entre os fracassos retumbantes [“O Amor é uma Grande Fantasia” (1994), “Simples Como Amar” (1999) e “Noiva em Fuga” (1999)] e alguns sucessos eventuais [“O Diário da Princesa” (2001), “Idas e Vindas do Amor” (2010)], de maneira que os produtores hollywoodianos intuíram que, por causa desta segunda categoria, este diretor seria o comandante ideal daqueles candidatos a arrasa-quarteirão relacionados a algum feriado tradicional estadunidense. Se no filme imediatamente anterior, o tema era o Dia dos Namorados, em “Noite de Ano Novo”, o esquema de filme-painel romântico é novamente adotado, mas, ao contrário daquele, este filme é vergonhosamente esquemático e ostensivo em seu aspecto contratual: para além dos vários casais que se formam ou reconciliam nos 118 minutos de projeção, o roteiro e as interpretações do ótimo elenco são prenhes de apatia e, num filme que se pretenda romântica, isto é um verdadeiro crime estilístico!
Malgrado reunir um elenco estelar e ser lançado num momento azado de identificação tramática, “Noite de Ano Novo” deixa evidente seu maior problema compositivo logo na seqüência inicial: tal qual a personagem de Hilary Swank, violentamente pressionada para executar com sucesso um chamariz luminoso numa festividade típica nova-iorquina, o diretor Garry Marshall parece forçado a parir um filme xaroposo que nunca consegue engrenar, padecendo de uma arritmia nociva entre alguns interessantes pontos de partida tramáticos e a decepcionante comunhão de personagens ao final: se a personagem de Michelle Pfeiffer parece digna e credível em sua solidão, o contraste com a redenção moral oportunista do inverossímil ‘office-boy’ mal-interpretado por Zac Efron destrói qualquer possibilidade de verossimilhança sentimental; se o histrionismo de Lea Michele empolga logo que entra em cena, sua completa falta de entrosamento com o preguiçoso personagem de Ashton Kutcher redunda em números musicais forçados e enfadonhos; se algo na ridícula composição do competitivo personagem de Til Schweiger parecia minimamente comprometido com dramaticidade conceptiva, isto logo é dizimado pela abominável estória das grávidas que disputam a primazia pelo primeiro parto do ano 2012; se Hector Elizondo marca presença cativa como ator e coadjuvante-fetiche do diretor, sua presença é ridiculamente subaproveitada; se o veterano Robert De Niro cria que seu moribundo personagem pudesse ser minimamente convincente ou enternecedor, ele lega uma interpretação caricata e lamentável (no pior sentido do termo), digna de nojo ao invés de compaixão; e, se Halle Berry, Josh Duhamel, Abigail Breslin e o prefeito Michael Bloomberg possuem alguns breves bons momentos em cena, a sofrível atuação de Jon Bon Jovi e as vergonhosas sessões de estereotipia de Sarah Jessica Parker, Katherine Heigl, Sofía Vergara e Sarah Paulson tornam insuportáveis as cenas que protagonizam.
Infelizmente, num filme-produto como este, a observação das intervenções técnicas dos demais participantes do filme (o compositor John Debney e o fotografo Charles Minsky, por exemplo, ambos parceiros habituais do diretor) é pouco relevante diante dos detalhes anteriormente destacados acerca do elenco, mas cabe acrescentar aqui, por mero desencargo analítico, que, enquanto peça cinematográfica, “Noite de Ano Novo” é ínfimo. Enquanto produto hollywoodiano descaradamente oportuno, o filme é chavonado e impessoal, num lamentável retrocesso do diretor Garry Marshall em relação aos graciosos roteiros alheios que ele filmou como se fossem seus. Neste caso, portanto, a culpa maior é da roteirista Katherine Fugate, incapaz de dotar de sinceridade os (re)encontros fúteis que permeiam a projeção deste filme. Pena...
À guisa de conclusão forçosa, portanto, cabe insistir que este filme é emocionalmente nulo, que a maioria de suas piadas e ‘gags’ dialogísticas são insossas e/ou preconceituosas, que as canções-tema interpretadas por Jon Bon Jovi e Lea Michele são francamente desinteressantes, e que a condução directiva de Garry Marshall soa pesada e frívola, tanto quanto os beijos pré-agendados que a maioria dos personagens antecipam-se em trocar na cerimônia de ‘réveillon’.
Se serve de infinitésimo consolo, o filme é um retrato fiel do estado dominante de capitalismo desintegrador que apresenta, nesta segunda década do século XXI, a sua faceta tardia mais progressivamente desumanizada, em que os preparativos maquinais de uma cerimônia pública são muito mais relevantes que os dramas e sorrisos de pessoas comuns, até então, a matéria-prima dominante e convidativa dos filmes de Garry Marshall. Como fica evidente nos desenxabidos erros de gravação que são mostrados durante os créditos finais, este filme é um índice da atemorizante crise de criatividade que permeia a outrora famosa “fábrica de sonhos” conhecida como Hollywood. Mas, ainda assim, o filme vai bem nas bilheterias. É o que importa para os produtores. O que acrescentar depois disso?
Wesley Pereira de Castro.