Se John Hughes ainda estivesse vivo e realizasse um filme sobre a maturidade etária de seus personagens, como seria o tipo de humor adotado nesta produção hipotética? O interessantíssimo roteiro de Fred Wolf e do protagonista Adam Sandler responde muito bem a esta pergunta, contando com atuações surpreendentemente maduras de um elenco acostumado a um estilo humorístico tão escatológico quanto epidérmico. Em “Gente Grande”, para nosso sobressalto, as poucas limitações actanciais ficam a cargo de David Spade, que está irritante como o solteirão Marcus Higgins, o que talvez seja um efeito proposital, que dignifica minimamente a sua função contrastante à seriedade inaudita e benfazeja dos ótimos personagens de Adam Sandler (Lenny), Chris Rock (Kurt), Kevin James (Eric) e, principalmente, Rob Schneider (Rob), que tinha tudo para recair numa interpretação caricata, mas dota seu personagem de uma verossimilhança escandalosa.
Não é por acaso, portanto, que, graças a um insulto descontrolado deste último personagem que a ótima Joyce van Patten (intérprete de Gloria, sua esposa hiponga e envelhecida) profere aquela que talvez seja a moral do filme: “do amor, vem a hostilidade”, apelo delicado à tolerância e às concessões maritais que encontra eco na convencional seqüência do jogo de basquete, que surpreende por inverter positivamente esta moral (ou seja, da hostilidade, também pode vir o entendimento) ao mostrar o protagonista errando de propósito uma enterrada a fim de permitir que seus rivais socialmente desintegrados possam ganhar ao menos um jogo em suas vidas. Quando perguntado por sua esposa sobre o porquê de ter feito isso, a resposta é taxativa: “eles precisavam ganhar ao menos uma vez. E nossa família tem que aprender a perder um pouco”. Tal qual acontecia nos bons tempos hughesianos, Hollywood voltou a enfrentar com delicadeza indisfarçada a inevitável luta de classes travestida em nostalgia. Ao final da sessão, portanto, mesmo estando diante de uma comédia que beira o pastelão, o espectador que beira os trinta anos de idade se sente tentado a derramar uma ou duas lágrimas de identificação...
A fim de que a dramaticidade elogiosa do filme pudesse ser efetivada, alguns aspectos também caros ao estilo hughesiano foram de vital importância, como o flerte com subgêneros cômicos consagrados, a observação percuciente dos costumes tipicamente norte-americanos e a trilha sonora coerente. Com exceção do pleonástico acompanhamento sonoro de Rupert Gregson-Williams, a seleção de canções deste filme é composta primordialmente por faixas setentistas ou oitentistas de bandas de ‘rock’ que, com certeza, eram apreciadas pelos personagens, merecendo destaque as execuções mui pertinentes de “Escape (The Piña Colada Song)” (de Rupert Holmes, clássico ‘kitsch’ que é reproduzido quando as belas filhas de Rob entram em cena) e de “Stan the Man” (composta e emocionalmente interpretada pelo próprio Adam Sandler durante os créditos finais, e cuja letra emula bem o clima consolador do filme).
No que tange à observação minuciosa da configuração hodierna e internamente problemática do ‘american way of life’, não somente esta última canção citada é pertinente, como a descrição de algumas cenas esquematicamente críticas e comicamente bem-sucedidas: a apresentação da abastada família Feder, quando vemos os filhos de Lenny enviarem torpedos de celular à babá da família, pedindo que a mesma traga-lhes chocolate quente; as reações de espanto que tomam os personagens sempre que o caçula da família Lamonsoff insiste em mamar no peito de sua mãe, aos quatro anos de idade; o riso não-contido quando Rob canta “Ave Maria” de forma histriônica no funeral de seu treinador de basquetebol; a graciosa seqüência em que a rica e hispânica Roxanne Chase-Feder (Salma Hayek) desiste de viajar para a Itália quando percebe que seus filhos estão a brincar no lago pela primeira vez; e o hilário momento em que os cinco amigos de adolescência são flagrados urinando numa piscina. Porém, a análise estendida de duas outras seqüências é ainda mais relevante no plano defensável da sinceridade enredística e micro-sociológica deste filme.
Num momento central do reencontro entre os amigos, eles resolvem participar de um jogo que consiste em atirar uma flecha para cima e depois verificar quem permaneceria por mais tempo no local em que a mesma iria cair. Enquanto o personagem de Rob Schneider queda-se no centro, orando, os demais personagens correm em várias direções, em câmera lenta e, aos poucos, passam a ser vitimados por quedas espalhafatosas (um deles bate num tronco, outro cai de cabeça num amontoado de fezes, etc.), sendo que a flecha finalmente atinge o pé do personagem que permanecera parado, ao passo em que o espectador era conduzido a se preocupar com um cachorro abandonado entre os cinco amigos. Apesar de ser destinada a provocar gargalhadas de um público acostumado a este tipo de riso humilhante, esta seqüência demorada extravasa a dificuldade em manter-se fiel a uma dada tendência genérica no atabalhoado cinema atual. Num momento posterior, vemos os personagens estendendo uma bandeira estadunidense à contraluz (afinal, é 4 de julho!) e o personagem de Adam Sandler aproveita a oportunidade para pedir à sua filha que liberte um pássaro convalescente, dizendo que este seria o momento ideal para celebrar a liberdade do mesmo, discurso este que não soa de todo pedante, ao contrário do que sói acontecer com qualquer citação democrática no cinema após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Com apenas estas duas seqüências-chave, “Gente Grande” promulgaria um regresso benévolo à simplicidade temática dos velhos tempos, mas ele é ainda mais agradável e comovente em seus 102 minutos de projeção...
Apesar de seus evidentes defeitos (a saber, a já citada trilha sonora redundante de Rupert Gregson-Williams, a forçação de barra envolvendo a doçura da pequena Alexys Nycole Sanchez e a incômoda presença em cena, intra e extra-diegeticamente, de David Spade), “Gente Grande” possui virtudes tão efetivas e em franco e lamentável desaparecimento no atual gênero cômico hollywoodiano que o diretor Dennis Dugan merece ser aqui redimido dos péssimos exemplos morais que levara a cabo em filmes como “O Pestinha” (1990), “Um Maluco no Golfe” (1996) ou “O Paizão” (1999) e ser merecedor de atenção redobrada em filmes sinopticamente espirituosos – mas ainda não-vistos – como “Mulher Infernal” (2001), “Eu os Declaro Marido e... Larry” (2007) e “Zohan – O Agente Bom de Corte” (2008).
Um elogio sincero e repetido deve ser direcionado ao roteiro, que evita os clichês do gênero com louvor (tudo bem, os flatos e infecções podológicas da sogra do personagem de Kurt são uma exceção!) e consegue emocionar o espectador de forma inesperada, num filme que, se olharmos bem, é até discreto diante da responsabilidade grandiloqüente a que se submeteu: retratar os ‘kidults’ como sendo conseqüências de um contexto socioeconômico irregularmente bem-sucedido, que tem na própria configuração sistemática e empresarial deste tipo de filme – do qual o protagonista é mais do que um simples alter-ego – um dos principais culpados.
Wesley Pereira de Castro.
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