sábado, 5 de maio de 2012

PARAÍSOS ARTIFICIAIS (Brasil, 2012). Direção: Marcos Prado.

Ao final da sessão deste filme, tanto espectadores senso-comunais como aqueles mais intelectualizados entrarão em concordância avaliativa a partir de um mesmo substantivo abstrato: obviedade. Se isto denota alguma falibilidade na condução alinear de seu enredo, que é extremamente previsível tão logo se possa verificar que se tratam dos mesmos personagens em anos distintos, na investigação de sua coerência constitutiva, esta mesma obviedade torna-se um elemento positivo, visto que o filme é muito cuidadoso na exposição reiterada de explicações intradiegéticas que a justificam.

 A seqüência em que o personagem Mark (Roney Villela), um senhor bem mais velho que as demais pessoas que encontra numa ‘rave’, apresenta a sua definição para as drogas é fundamental neste sentido. Segundo ele, as drogas (ou, para utilizar uma expressão menos careta, a cargo de Arnaldo Baptista, “expansores da musculatura mental”) “não criam a partir do nada: elas apenas amplificam os anjos e demônios que já estão dentro de nós”, o que nos leva a entendê-las, em nível prático, como paroxismos da obviedade, seja no que tange às motivações predominantes de consumo hodierno (o tédio intencionalmente introduzido pela economia capitalista, por exemplo), seja no que diz respeito às suas conseqüências inevitavelmente desagradáveis (as ‘bad trips’ e overdoses que surgem no filme), sem falar nas complicações vinculadas à ilegalidade de seu tráfico. E tudo isso contribui para que “Paraísos Artificiais” faça jus à pretensão taxonômica de seu título.

Dirigido por um cineasta estreante em ficção e cujo trabalho anterior [o documentário “Estamira” (2004)] fora amplamente divulgado e elogiado, menos por suas opções estéticas intrínsecas que pela desenvoltura inaudita de sua personagem central, “Paraísos Artificiais” conquista a atenção espectatorial mesmo quando elementos do filme parecem empurrá-la para um fastio reativo, cuja trama padece não apenas de originalidade como de inventividade. Escrito por três pessoas (Pablo Padilla, Cristiano Gualda e, entre eles, o próprio diretor) e adaptado de um argumento enredístico estranhamento elaborado por ainda mais escritores, o roteiro deste filme obtém êxito justamente quando assume a referida obviedade e a conduz até um arremedo de final feliz, que é incoeso, porém validado pela simpatia dos personagens. 

Para além das precipitações compositivas do adolescente Felipe (César Cardadeiro), Nathalia Dill (Érika) e Luca Bianchi (Nando) apresentam bons desempenhos, estando ela muito melhor que ele: se ela ostenta pelo menos três configurações personalísticas diferentes, a depender do contexto etário, geográfico e emocional que enfrenta, ele satura a variação mais contemporânea de seu personagem com uma propensão auto-vitimizante que beira a antipatia, mas está muito competente no espaço-tempo fílmico mais antigo, contribuindo bastante para sua difusão empática o uso bem-direcionado de sua acachapante beleza física. E, em meio a eles dois (literalmente, no plano sexual), Lívia de Bueno se destaca pelo carisma e também pela formosura, não obstante sua personagem incorrer em muitos clichês compositivos de propulsão pseudo-ataráxica, o mesmo servindo para o personagem de Bernardo Melo Barreto. No geral, portanto, o trabalho de elenco neste filme é digno de elogios moderados.

No que tange às suas qualidades técnicas, “Paraísos Artificiais” rende-se à mediania pretensamente exuberante do “padrão Globo Filmes de qualidade” em sua fotografia e trilha sonora: se, no segundo caso, os temas musicais de Rodrigo Coelho reconstroem bem o universo ‘techno’ requerido pela trama, no primeiro, o trabalho de Lula Carvalho nos alicia por causa dos contagiantes enquadramentos carnais nas cenas da festa praiana, pela breve focalização de elementos exógenos à estória, mas que são fundamentais para a justificação de alguns estados mentais dos personagens [vide a rápida cena do acidente automobilístico, que faz pensar num estratagema semelhante adotado, de forma muito mais politizada, em “E Sua Mãe Também” (2001, de Alfonso Cuarón)] e por dois planos celestes inspiradíssimos, em que a mostra de estrelas cadentes atravessando um belíssimo céu noturno confere um estatuto moralista à relação especular entre espectadores e personagens, como se gritasse para ambos: “aprendam a olhar para o mundo óbvio lá fora”!   

Analisando o filme genericamente, não há necessariamente uma ruptura entre a submissão ao objeto antropológico documentado do filme anterior de Marcos Prado e esta sua nova faceta ficcional, mas sim uma demonstração reiterada de direção abrandada, no sentido menos voluntário do termo. Em ambos os filmes, é como se o diretor se mantivesse refém de movimentos humanos internos, que são surpreendentes no filme prévio e abundantemente esquematizados, em sua previsibilidade, no filme atual. Mas isto não impede que “Paraísos Artificiais” seja um interessante documento de época, um testemunho da vacuidade estrutural de uma geração que confunde mergulho psicodélico no autoconhecimento com esperança de encontrar em substâncias lisérgicas industrialmente sintetizadas e amplamente comercializadas os supridores vicários de suas lacunas societais. E, se formos analisar o filme pelo prisma político, não resta dúvidas de que ele se encaixa muito bem no status promovido pela Globo Filmes: um retrocesso acelerado, porém disfarçado, pelas ferramentas epidérmicas de sedução audiovisual.


Wesley Pereira de Castro. 

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