sábado, 16 de junho de 2012

COMO BEM DISSE O POETA, “MORRE O HOMEM, FICA A FAMA!”: HOMENAGEM ECONÔMICO-POLÍTICA A CARLOS REICHENBACH

Na tarde do dia 14 de junho de 2012, quinta-feira em que completou 67 anos de idade, o cineasta gaúcho Carlos Reichenbach, conhecido por sua notável contribuição autoral aos filmes do chamado Cinema Marginal e da Boca do Lixo paulistana, faleceu em decorrência de uma parada cardíaca. No dia seguinte, uma nota de pesar atribuída à Ministra da Cultura Ana de Hollanda, desencadeou reações de protesto por parte dos amigos e amigos do cineasta, do sentido de que a mesma referia-se às fases áureas da carreira do diretor autoral como deméritos, incorrendo inclusive num erro gramatical vergonhoso, ao destacar que Carlos Reichenbach fora “taxado” de cineasta marginal e associado à ainda muito incompreendida Boca do Lixo, mas, “no entanto, apaixonado pelo cinema em si, foi autor de obras-primas como ‘Anjos do Arrabalde’ e ‘Alma Corsária’, entre outras” . A promulgação ministerial de tais preconceitos estéticos torna obrigatória a defesa deste artista incansável da cultura brasileira, responsável por verdadeiras proezas no que tange ao financiamento de seus filmes, depois que o governo de Fernando Collor de Mello extinguiu a Embrafilme, em 16 de março de 1990, através da malfadada Medida Provisória nº 151.

As agruras e peripécias do cineasta, ao lado de sua fiel colaboradora, a produtora Sara Silveira, com quem fundou a Dezenove Som e Imagens, são, em mais de um sentido, assuntos que interessam aos pesquisadores em Economia Política da Comunicação e da Cultura que se preocupam com o desenvolvimento do cinema brasileiro. Politicamente influenciado pelo pensamento marxista – e, mais precisamente pelo momento em que “o tema do desejo se confunde com a questão política ” – Carlos Reichenbach, para além da assumida recorrência autobiográfica de seus roteiros, praticava em cada um de seus filmes um tipo de ativismo político que, coadunado com o Cinema Marginal, a fase autoral que sucedeu imediatamente o Cinema Novo, “lidava com a dúvida, não via saída nenhuma, o desfecho era sempre uma estrada vazia ”.

 Responsável por “Alma Corsária” (1993), um dos filmes mais premiados da reestruturação do cinema brasileiro na primeira metade da década de 1990, este diretor acreditava que a retomada do mercado só é possível a partir de parcerias estatais, o que é confirmado por sua produtora Sara Silveira, que acrescenta que “o Estado é obrigado a dar dinheiro para a cultura, (...) porque o cinema brasileiro não tem condição de se autogerir, ou seja de fazer filme, ter bilheteria, (...) o dinheiro voltar. Isso se chama indústria. No cinema brasileiro não existe indústria. Existe ainda um cinema artesanal ”. Carlos Reichenbach, entretanto, lidava muito bem com as soluções “armengadas”, em razão de ter se filiado, desde a sua estréia, ainda na Escola Superior de Cinema São Luís, em São Paulo, a um manifesto que promulga a necessidade de realizar filmes péssimos, para, a partir daí, chegar ao ótimo, a um cinema instintivo e formado pela vida. Não obstante ter sido beneficiado pela Lei do Audiovisual – datada de 1993 e voltada para a produção considerada independente, ou seja, não vinculada às grandes cadeias televisivas do Brasil – o cineasta possuía críticas extensas à mesma, no sentido de que ela suscitava o aparecimento de profissionais oportunistas que, apesar de não possuírem conhecimentos ou interesses estritamente cinematográficos, mas sim predominantemente comerciais, conseguiam financiar obras menos preocupadas com o incremento discursivo-estético do que com a rentabilidade decorrente da dedução do imposto de renda dos investimentos dos contribuintes sobre elas.

Nas palavras do próprio diretor, a Lei do Audiovisual foi desenvolvida com o intuito de estimular a dramaturgia nacional a partir da cumplicidade com a iniciativa privada, “para oxigenar a produção que estava agonizante e não para privilegiar o filme institucional mercenário, sem identidade, assinatura e vergonha na cara ”. Definitivamente, Carlos Reichenbach não consentia com o entreguismo generalizado que abunda nas produções realizadas sob a égide da Globo Filmes.

 Por fim, não há como laurear adequadamente a memória deste genial cineasta sem mencionar analiticamente alguns de seus filmes: mesmo que se tenha visto apenas um punhado de suas produções, as mesmas são bastante elucidativas de um discurso muito coerente e mnemonicamente apaixonado, que repercute tanto o embate autocrítico entre sexualidade e política [conforme visto na obra-prima “O Império do Desejo (1981), em que um ‘hippie’ tupiniquim questiona “onde termina o libertário e onde começa o promíscuo”] quanto as menções diretas à ditadura militar [vide “Alma Corsária” (1993) e “Dois Córregos” (1999)], passando pela surpreendente ampliação referencial no curta-metragem documental/experimental “Equilíbrio & Graça” (2002) e pelas rigorosas pesquisas levadas a cabo na composição das personagens proletárias de “Garotas do ABC” (2003) e “Falsa Loura” (2007).

Se, por um lado, Carlos Reichenbach demonstra com louvor o provérbio cantado por Ataulfo Alves que consta no título deste artigo, por outro, ele corresponde a um modelo exemplar do tipo de promulgação dialética que defende que “a crítica se nutre da Arte e a Arte da vida” , a partir da associação que um dos cineastas mais admirados pelo próprio diretor faz a partir de sua alegação de que “o Polytyko é, antes de tudo, um intelectual” . Carlos Reichenbach era – e mesmo morto, continua sendo – tudo isso: artista, político, intelectual, marginal e gênio!

Wesley Pereira de Castro. 

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