Num primeiro momento, a ausência de qualquer contato com o filme imediatamente anterior a este ou com os livros que deram origem à presente cinessérie dificultaria o entendimento da segunda parte do capítulo conclusivo do envolvimento langoroso entre a humana Bella Swan (Kristen Stewart) e o insípido vampiro Edward Cullen (Robert Pattison, tenebrosamente inexpressivo). Entretanto, a autoproclamada saga baseada nos livros escritos por Stephanie Meyer é perpassada por tantos clichês e convenções ultrapassadas da infantilização do gênero romântico hollywoodiano que não apenas a trama é perfeitamente acompanhável como vergonhosamente dispensável e esquecível.
A estratégia de fazer com que o clímax belicoso desta obra seja desvendado como premonição antevista pela vampira Alice (Ashley Greene, numa das poucas atuações convincentes deste filme) funciona como uma sacada momentaneamente arguciosa do desvirtuado diretor Bill Condon e/ou da medíocre roteirista Melissa Rosenberg para entremear o elogio à diplomacia interespecista contida no enredo com o estímulo à violência pseudojustificada que é requerida pelo público-alvo do filme a partir de direcionamentos espetaculosos de sua publicidade avassaladora.
Com exceção deste truque enredístico e do deslumbramento fotográfico diante dos poderes adquiridos por Bella após a sua vampirização, pouco mais há a ser aproveitado – de bom ou de ruim – neste engodo disfarçado de filme...
Protagonizado por um casal absolutamente desenxabido (malgrado a intérprete Kristen Stewart tenha se revelado uma atriz muito boa noutras produções), os episódios desta saga foram agraciados pela sensualidade nata do astro juvenil Taylor Lautner, que aparece sem camisa na maioria das sequências, com o obséquio de que seu personagem lupino sente um calor desmedido. Infelizmente, a composição do personagem Jakob Black é estapafúrdia em sua subsunção extremada a uma paixonite convertida em promessa de contrafação erótica embebida de um forte espectro pedofílico, visto que a moça por quem o lobisomem se apaixona secundariamente é nada mais que a filha recém-nascida de sua musa inacessível, de quem ele será o encarregado da criação desde a infância (quando é interpretada pela neutra Mackenzie Foy). Por esse motivo, as brigas entre Bella e Jakob no início deste filme são assaz gratuitas e nulas em sua factibilidade, visto que, no momento seguinte, não apenas a vampira recém-convertida estará participando de uma disputa de braço-de-ferro para demonstrar a sua força como é absolutamente provida de sentido a interrogação recorrentemente levada a cabo pelos personagens deste filme acerca do excesso de zelo, comprometimento e abnegação por parte de mais de uma espécie fantástica (lobisomens, vampiros, mutações) em relação à preservação da vida de Renesmee, filha de um hematófago com uma ex-humana: por que tantos seres se dispõem a sacrificar as suas vidas por causa de um casal tão insosso? Definitivamente, a direção apagada deste filme não consegue responder a esta pergunta!
Ainda que Bill Condon tenha demonstrado um impressionante talento dramático em “Deuses e Monstros” (1998) e uma versatilidade genérica em “Dreamgirls – Em Busca de um Sonho” (2006), tendo inclusive roteirizado ambos os filmes, em “A Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 2, o Final”, ele se dissolve negativamente na abundância de suspiros afetuosos e insinuações sexuais pífias e numa seleção de canções ‘indie pop’ que intenta exaltar a suposta pureza dos sentimentos escambados pelos protagonistas. Além de Feist, Christina Perri, St. Vincent, Green Day, Ellie Goulding e Passion Pit, a atriz Nikki Reed (que interpreta a vampira Rosalie Hale na saga), num dueto com Paul McDonald, interpreta “All I’ve Ever Needed”, uma das canções graciosamente chorosas que integram a trilha sonora, cujo tema original [“Plus que Ma Propre Vie”] é composto por Carter Burwell, que se reveza pouco inspiradamente entre os temas anteriormente compostos por Alexandre Desplat e Howard Shore.
Num saldo geral, ainda que “A Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 2, o Final” seja um péssimo filme, ele é inócuo até mesmo na incitação da fúria crítica que deveria ser destinada a ele, sendo aparentemente muito mais produtivo ignorá-lo a assumir qualquer posicionamento combativo diante de sua periculosidade disfarçada de propensão amorosa.
As impressionantes bilheterias alavancadas pelo filme – e pela série literária que lhe deu vazão – são ainda mais preocupantes quando se tem notícia dos comportamentos exaltados de algumas fãs, que chegam a gritar que desejam ser “comidas” pelos personagens durante as sessões. A reiteração perpetrada pelo roteiro de que os Volturi (poderosa família vampírica italiana que, precipitadamente, se torna inimiga da família Cullen) são intransigentes em suas decisões autoritárias e inabalavelmente avessos ao diálogo tentam oportunizar as degolações comemorativas que são vislumbradas na já mencionada antevisão da previdente Alice, o que demonstra mais um aspecto da malevolência inegável desta franquia cinematográfica.
Algo parecido pode ser dito no que tange à inconvincente sequência inicial de caça, em que Bella abdica da vontade de experimentar sangue humano ao morder o felino que tentava se alimentar do cervo que ela perseguia. Ou seja: encerrado o forçoso compromisso com a audiência, uma conclusão lícita a que o espectador consciente pode chegar é a de que, no quinteto de filmes protagonizado pelas criações literárias de Stephanie Meyer, onde parece sobejar amor, vaza peçonha...
Wesley Pereira de Castro.
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