terça-feira, 9 de julho de 2013

MINHA MÃE É UMA PEÇA - O FILME (Brasil, 2013). Direção: André Pellenz.

Alguns filmes oferecem desafios praticamente insolúveis para a crítica: além (ou aquém) de seus defeitos, configurações elementares de sua estruturação enquanto artefato cinematográfico são convocadas, dificultando ainda mais uma análise que não pode ser balizada pela apreciação qualitativa imediata. Apesar de conter a palavra “filme” em seu subtítulo, esta adaptação parcamente fílmica de uma peça cômica teatral de sucesso apóia-se quase unicamente no histrionismo de Paulo Gustavo, merecedor de demorados elogios por conta de sua divertidíssima personificação de uma mãe obsessivo-compulsiva que, conforme percebemos no ótimo excerto humorístico-documental que é exibido antes dos créditos finais, é inspirado em sua própria genitora. 

Antes de apressarmo-nos em pronunciar que este filme é ruim, torna-se muito mais delicado e emergencial identificar o que há nele que corresponde ao filme que ele insiste em se autocategorizar: as péssimas e insistentes tomadas paisagístico-urbanas da cidade de Niterói na transição entre uma e outra seqüência, os ‘flashbacks’ forçados que se instauram na narrativa e as composições personalísticas coadunadas ao que de mais preconceituoso poderia ser realizado em matéria de estereotipização saltam aos olhos como principais indícios negativos da validade perniciosa desta comédia de costumes enquanto obra cinematográfica.


Alicerçada num vasto cabedal de ofensas, que vai desde chistes envolvendo a obesidade e a afetação homossexual dos filhos da protagonista até a infâmia de sua empregada doméstica arrogante (Samantha Schmütz), passando pelas acusações de que suas vizinhas seriam maconheiras ou macumbeiras, a composição verborrágica da protagonista Hermínia é exitosa na conquista do riso quase somático do espectador, dado que é inevitável não identificar o excesso de zelo da personagem com características maternas largamente reconhecíveis em qualquer mãe que conheçamos. 

Em meio à velocidade impressionante dos pronunciamentos sarcásticos da personagem principal (maravilhosamente vivificada por Paulo Gustavo, é mister admitir), algumas aberturas melodramáticas são tão previsíveis quanto inesperadas, sendo do primeiro tipo a redenção filial em relação aos excessos cuidadosos da mãe vigilante e do segundo a menção ao sobrinho da protagonista, morto num acidente automobilístico causado por ingestão de bebidas alcoólicas. 

Ou seja, malgrado ser publicitariamente distinguido como uma comédia rápida, o moralismo familiar preventivo do enredo é assumido e defendido com fulgor. No plano fílmico, nem sempre funciona, mas isso não incomodaria tanto se assumíssemos esta obra como um mero catecismo de hipocrisia comportamental... Pena que “Minha Mãe é uma Peça – O Filme” insista em parecer filme, retroalimentando uma deletéria intenção do projeto geral da Globo Filmes em inverter a sagacidade constante das pornochanchadas setentistas e substituir a lubricidade das mesmas por um conjunto anódino e antitético de lições desgastadas de moral, emolduradas num formato apressado de conjunção de anedotas mnemônicas que assemelha-se bastante ao que é exibido em programas de televisão...
Musicado com certa funcionalidade por Plínio Profeta, fotografado de forma canhestra por Nonato Estrela e montado desengonçadamente por Marcelo Moraes, “Minha Mãe é uma Peça – O Filme” centra a maior parte de seus esforços composicionais na desenvoltura do elenco que, se é bem-sucedida na já mencionada personificação do excelente Paulo Gustavo, chafurda nas horrendas atuações de Mariana Xavier e Rodrigo Pandolfo como os filhos de Hermínia, na desenxabida participação de Herson Capri como o seu ex-marido, na inespontânea colaboração de Suely Franco como a sua tia Zélia e nas inconvenientes aparições de Ingrid Guimarães como a madrasta Soraia, desprovida de interesse desde que entra em cena e nos permite entrever que ela se converterá em uma facínora marital. 

As inserções de contrapontos dramáticos através de Alexandra Richter, que interpreta Iesa, a irmã mais nova de Hermínia, são interessantes, seja quando ambas disputam um móvel deixado como herança para a protagonista após a morte da mãe seja quando elas discutem até que ponto as suas atitudes particulares são passíveis de se tornar modelos comportamentais negativos para os respectivos filhos, já que elas duas são, ao mesmo tempo, fumantes e condenadoras do fumo alheio. No teatro, talvez estas menções actanciais tenha sido mais bem desenvolvidas, visto que, neste arremedo de filme, elas são lancinadas pelo sobejo de cortes numa edição desprovida de justificativa estética...


Em mais de um aspecto, este filme clama por uma apreciação difamatória, sendo nojoso tanto na construção de alguns dos personagens insuportáveis que circundam a protagonista quanto em sua formulaica implantação da fama midiática como objetivo involuntário de vida a ser perseguido por Hermínia, que se torna apresentadora de ‘talk-show’ depois que seu emocionado depoimento numa pesquisa espontânea de rua faz com que a audiência de uma emissora ficcional de TV alavanque subitamente. 

Não obstante ser bem-intencionado em sua homenagem ao carinho maternal – mesmo quando exponenciado às raias da perseguição – o roteiro escrito por Paulo Gustavo, Rafael Dragaud e Fil Braz coaduna-se ao que de mais execrável é vendido pelo conglomerado vertical relacionado à Rede Globo de Televisão, aqui em parceria com o canal fechado Telecine. Por mais acidentalmente engraçado que o filme seja e por mais enganoso que ele se demonstre enquanto obtedor da comunicação pretendida com um público-alvo bastante extenso (quantitativamente falando), “Minha Mãe é uma Peça – O Filme” vincula-se ao que de menos nacionalizante é posto em prática no cinema brasileiro contemporâneo. 

Por isso, independentemente de o filme ser bom ou ruim (ainda que ele tenda largamente para a segunda opção), ele é péssimo enquanto projeto de cinema, vergonhoso enquanto produto audiovisual nacional e tartufo enquanto tentativa de reeducação parental. Um filme a ser temido – e, por dedução política, enfrentado – mas não evitado!



Wesley Pereira de Castro. 

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