segunda-feira, 10 de novembro de 2014
A PELADA (Brasil/Bélgica, 2013). Direção: Damien Chemin.
O fato de emprestar locações para um filme não implica que um dado local confira caráter regional à produção em pauta. O conjunto de equívocos que atende pelo nome de “A Pelada” é uma infeliz demonstração desta corruptela.
Rodado na cidade de Aracaju, capital da menor Unidade Federativa do Brasil, o Estado de Sergipe, este filme é protagonizado por um homem cujo apelido é Baiano (Bruno Pêgo) e por sua esposa submissa Sandra (Kika Farias), que, depois de passar a maior parte de seu dia trabalhando como entregadora de panfletos, ao chegar em casa desilude-se com a insipidez de seu terceiro ano de casamento. Enquanto o marido conta vantagem de suas falsas conquistas sexuais para os companheiros de trabalho, ela convence-se de que comprar objetos pornográficos e/ou praticar sexo a três com outra mulher são opções que solucionariam os conflitos de sua vida. Ao final, ela constatará que seu marido a ama, já que ele ignora as carícias de duas loiras deitadas numa cama de motel para transar com ela no chão do estabelecimento. Um ‘close-up’ da aliança e vislumbres das zonas erógenas da esposa sob a água duma piscina alheia confirmam o procedimento da assimetria conjugal, em que os adultérios fantasiosos do homem são legitimados pela vacuidade existencial da fêmea devotada. Eis a moral sub-pornochanchadesca deste libelo de ojeriza, absolutamente vexatório em seu desperdício local das paisagens aracajuanas.
Pessimamente fotografado por Mark Debacker e terrivelmente montado por Pierre Haberer, a principal impressão que “A Pelada” nos transmite é que, tal qual ocorria nos estúdios Vera Cruz (num contexto produtivo muito superior, diga-se de passagem), os técnicos e o elenco não se entendem. A presença de vários belgas na equipe e a unilateralidade cômica e machista do roteiro escrito pelo próprio diretor denotam a zorra que é a concepção tramática desta obra, principalmente no que tange à entrada em cena da agente de viagens aéreas Daphne (Mariana Serrão), que surge pedindo carona num motel, já que a esposa de seu namorado está disposta a flagrá-los num encontro ilícito, mas, de repente, aparece de olho roxo, após ser esmurrada por um amante ciumento, que calha de ser justamente seu marido, de tão irrelevantes que são os seus laços afetivos. Mesmo espancada, ela não hesita em aceitar o convite do protagonista Caio para fazer sexo com ele e sua esposa, numa noite de sexta-feira, no local que ele determina.
Ou seja, basta serem cortejadas para que as mulheres cedam aos desejos eróticos dos machos que as intimam, única exceção concedida à atendente de bar lésbica Luana (Karen Junqueira, numa atuação realmente firme), que, não obstante, obceca-se subitamente por Sandra. A facilidade com que o zombeteiro Berg (Pisit Motta) enceta um romance com a motorista do fusca com que o veículo de seu amigo se choca é mais uma demonstração do extremo chauvinismo deste filme, pútrido em cada filigrana enredística.
Se, de fato, é interessante reconhecer os lugares e intérpretes sergipanos que aparecem à distância na tela, estes o fazem de maneira assaz exígua, como se os artistas locais fossem coadjuvantes em sua própria cercania. As participações ínfimas de talentosos atores como Diane Veloso, Lindolfo Amaral, Brenda Helena, Everlane Moraes, Walmir Sandes e Orlando Vieira são demonstrações do quanto os sergipanos são menosprezados e secundarizados no filme, que, ironicamente, poderia ser muito interessante caso optasse por um registro assumidamente paródico como aquele que configura a telenovela “Pântano da Paixão”, a que alguns personagens assistem em mais de uma situação.
Os chistes melodramáticos desta meta-telenovela correspondem aos únicos momentos realmente divertidos do filme, extremamente desengonçado em suas forçações humorísticas (vide o momento em que pescadores avistam um dildo em meio aos peixes quando erguem a tarrafa) e deveras imoral em seu desrespeito aos valores femininos – e, por extensão, aos homossexuais, já que um amigo ‘gay’ da protagonista, Neto (Lion Passos), também aquiesce com a sanha adúltera de Caio. Esta sanha, aliás, é ainda mais constrangedoramente corroborada pelas intervenções do dispensável personagem de Tuca Andrada, que chega ao cúmulo de fazer uma criança pronunciar que “o casamento é o maior sacrifício que um homem precisa fazer para obter sexo”. Urgh!
Não obstante a sua curta duração (82 minutos), a boa trilha sonora de Dudu Prudente (que, lamentavelmente, não se coaduna às seqüências) e a defendida independência produtiva (o filme foi co-financiado pela TV Aperipê), “A Pelada” demonstra-se vilanaz em sua filiação aos clichês cômicos difundidos largamente pelas produções da Globo Filmes, com a qual esta obra muito se assemelha em seus piores aspectos tramáticos.
Ritmicamente desconjuntado, entulhado de maus enquadramentos, embebido de preconceitos e imposições sexistas e interpretado de forma canhestra, esta produção, mesmo assim, obtém a adesão risória da maior parte do público, que, ao gargalhar e repetir os chavões demeritórios do enredo, financia a continuidade deste tipo de agressão – permitida em sua “brasilidade” (sic) – em favor do típico macho falastrão. É uma vergonha adicional que o Estado de Sergipe tenha sido o cenário para tal logro!
Wesley Pereira de Castro.
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