sábado, 24 de outubro de 2020

* Mostra SP: PILATOS (2019, de Linda Dombrovszky)


 

    Quando deparamo-nos com a sinopse deste filme, a primeira referência que salta aos olhos é "Sonata de Outono" (1978, de Ingmar Bergman), por causa das tensões que envolvem a convivência súbita entre mãe e filha. Mas o contexto é radicalmente distinto: aqui, a figura autoritária é a filha, que deseja controlar minuciosamente todos os passos de sua genitora. O apelo enredístico precisa do romance original para fazer sentido: “os mortos não respondem”, escreve Magda Szabó [1917-2007], uma das mais importantes autoras húngaras…


    No enredo, são inúmeros os bloqueios emocionais de mãe e filha: logo no começo, sabemos que o marido da protagonista falece de câncer. Sua filha, que é médica, vende a casa onde a mãe conviveu por tanto anos com o homem que amava, sem mesmo consultá-la. Ela sente falta até menos das notícias que ele lia, não por serem eram importantes, mas porque deliciava-se com a sua voz. Sua filha, entretanto, é pragmática: não quer lembranças desnecessárias ou móveis antigos. Sufoca a sua mãe com presentes desnecessários, ao passo em que deixa malograr o seu relacionamento recente com um psicólogo. É um filme curtíssimo, mas que existe bastante carga existencial por parte do espectador.


    Dividido em quatro capítulos relacionados aos elementos naturais, ele inicia-se com a Terra, onde conhecemos os baluartes relacionais de ambas as personagens; segue-se o Fogo, onde os conflitos instalam-se; tenta-se um novo estabelecimento de interesses com a Água; e o Ar é o suspiro que resta… Tal qual o clássico bergamaniano supracitado, os diálogos são intensos e sufocados. Em chave invertida, as brigas desencadeiam um cotejo violento com as lembranças familiares dos espectadores. Trata-se de um telefilme muito elogiável, que recebeu prêmios de interpretação em vários festivais: a veterana Ildikó Hámori está excelente no papel principal, mesclando a fragilidade submissa de sua personagem com a infelicidade despótica da personagem de Anna Györgyi. Palmas para a excelente direção feminina – também premiada – e para as interpretações de ambas!


Wesley Pereira de Castro. 

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