sábado, 17 de outubro de 2020

O ENREDO DE ARISTÓTELES (1996, de Jean-Pierre Bekolo)


 

Na abertura, o diretor camaronês destrincha o questionamento intrínseco ao título: ao perceber que os estratagemas narrativos sugeridos pela “Poética” de Aristóteles não adéquam-se às tramas africanas, ele opõe-se frontalmente ao eurocentrismo dominante no projeto para o qual foi convidado, “Century of Cinema”, homenagem do Instituto Britânico de Cinema aos cem anos da Sétima Arte. De repente, a pergunta: “quantos filmes africanos destacam-se entre aqueles que vimos?”


A partir deste pressuposto, o diretor constrói personagens e situações estereotipadas, a fim de demonstrar o quão colonizada por Hollywood está a cinefilia em seu país. Nomes como Bruce Lee, Cobra, Nikita e Saddam aparecem em cena, reclamando dos erros de continuidade de superproduções estadunidenses e admitindo que sofrem de “abstinência de filmes” quando ficam muito tempo longe do cinema. Nesse ponto, insurge-se o maior defeito do roteiro: em seu afã por distanciar-se de um estilo europeizado (comum no financiamento de filmes subsaarianos), hipertrofia o cânone hollywoodiano, ao investir num estilo dicotômico de crítica que assemelha-se bastante ao que, no Brasil, pode ser visto em "Cine Holliúdy" (2012, de Hálder Gomes). Ou seja, os chistes envolvendo o público que não pára de falar durante as sessões validam a translação local dos chamados ‘action-packed movies’ – responsáveis por um mercado auto-suficiente na Nigéria e Uganda, por exemplo – mas não reproduziriam justamente o modelo de narrativa condenado?


Em dado momento, o narrador interroga-se acerca da obsessão dos cineastas africanos pelos temas políticos, o que seria uma invenção dos críticos europeus. E reitera que as fórmulas aristotélicas não são tão eficazes quanto as palavras de seu avô, que valoriza “o doce e o amargo da vida”. Num ato de revolta, um personagem cinematograficamente consciente veste-se como motoqueiro e pisoteia o cartaz de um filme protagonizado por Arnold Schwarzenegger. Mas isso já não foi feito, de forma mais contundente, pelo nigerino Moustapha Alassane, em "O Retorno de um Aventureiro" (1966)? Problema maior do filme: não decidir a quem direcionam-se os questionamentos truístas sobre a pretensa oposição entre “cinema” e “realidade”, que aparecem recorrentemente no filme, em que o próprio nome de diretor é mencionado como “fazedor de covas”...


Wesley Pereira de Castro. 

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