quarta-feira, 1 de setembro de 2021

DANÇAS NEGRAS (2020, de João Nascimento & Firmino Pitanga)


O grande problema deste documentário está em seu título: ao prometer algo com um escopo tão avantajado, o filme frustra espectadores que esperam encontrar um tratado histórico-geográfico sobre o assunto. Ao invés disso, deparamo-nos com uma pesquisa sobremaneira situada e com uma orientação ostensivamente acadêmica: a grande maioria dos depoimentos faz menção a situações ocorridas no âmbito da Universidade Federal da Bahia, acerca da consideração das danças afro-brasileiras como merecedoras de relevância científica e artística. Entretanto, mesmo quando assume a sua pertinência, a obra fica refém de uma linguagem audiovisual chavonada, muito aquém do que é abordado: as danças surgem na tela em relances intermitentes, numa montagem que não respeita a duração original das coreografias... 


Dentre os professores convidados a falar sobre o assunto, o próprio co-diretor Firmino Pitanga apresenta-se logo no início, o que realça o aspecto de projeto de extensão universitária, muito mais do que um filme em si. Por mais valiosas que sejam, as reflexões compartilhadas sobre as danças negras caracterizam-se por constatações genéricas, que, ao menos, beneficiam-se da impressão de plurivocalidade. E, neste sentido, a coleção de depoentes é riquíssima: desde o dançarino estadunidense Clyde Morgan ao etnólogo cubano Carlos Moore, passando por mestres capoeiristas e pela artista plástica e folclorista pernambucana Raquel Trindade [1936-2018], numa de suas últimas entrevistas gravadas. Cada um deles acrescenta muito, ao concatenar aquilo que é ensinado com a vivência pessoal, demonstrando que as experiências orgânicas são centrais na lida com algo que pressupõe a onipresença do gingado corporal como essencialmente humano. 


Trazendo à tona tanto questões antropológicas referentes à expressividade contida nas reações percussivas quanto as implicações do racismo colonizatório no que tange à apropriação cultural de ritos religiosos que são desprovidos de sacralidade ao serem reproduzidos em palcos, as falas dos entrevistados são muito pertinentes ao reforçarem a importância das políticas afirmativas e das cotas raciais. No cotejo com a conjuntura política repressiva da atualidade, o documentário é exitoso ao apresentar ganhos identitaristas, sobretudo no contexto baiano que abarca a maioria dos depoentes. Não se sustenta na exposição daquilo que é mais ansiado pelos espectadores, justamente o que está contido no título e nas imagens de divulgação: as seqüências de danças, apresentadas como breves ilustrações das falas dos especialistas. Mas é um documentário que questiona os fundamentos curriculares, os preconceitos contra o candomblé e as tradições culturais ideologizadas do país. Propõe um debate válido, portanto!


Wesley Pereira de Castro. 

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