Tentar descobrir o que seria documental e o que seria ficcional num trabalho tão sensível como este seria uma tarefa vã - ou pior: implicaria em ignorar a grandiosidade sensorial do que o cineasta nos oferta, utilizando a sua própria família como moldura. Não se sabe qual o parentesco da protagonista com ele, visto que seu prenome não é pronunciado durante os diálogos, mas Anke Bak demonstra-se uma excelente atriz. Enquanto personagem, ela está com sessenta anos de idade e acaba de se aposentar. Vive na pacata Floresta Negra, na Alemanha, e costuma rezar diariamente, mas "nunca para que as coisas não aconteçam". Numa reunião familiar, ela sente falta do filho Maximilian, que vive em Hong Kong, e não pôde viajar por causa dos protestos políticos na região administrativa. Mesmo "não sendo um bom momento para viajar", ela dirige-se até lá, em busca dele. Hospeda-se no mesmo quarto, e espera...
No processo de descoberta da cidade - muito diferente do lugar onde vive - Anke logo constata ser verdade o que os transeuntes lhe disseram: "as pessoas por aqui são muito gentis". Além de conseguir hospedar-se com facilidade (um quarto compartilhado, inicialmente, não é um problema), ela também encontra companhia para conversar enquanto almoça. Num dado momento, passa diante de uma manifestação de estudantes. A câmera prefere mostrar o seu olhar, o modo como ela depara-se com uma realidade completamente distinta da sua. Logo, ela estará experimentando uma máscara facial, a fim de proteger-se das contaminações viróticas em curso. Ainda que ela vá embora, não será mais a mesma: trata-se de um filme sobre o reencontro com si mesma, a partir de algo até então inaudito!
Musicado por Brian Eno e fotografado de maneira muito sensível por Alex Grigoras, as imagens e sons acentuam a impressão de solidão que pode ocorrer tanto em ambientes rurais quanto nas grandes metrópoles. Estamos diante de um testemunho do quão possível é encontrar beleza no mundo, através da interação com os seres humanos. Três momentos confirmam isso muito bem: a consulta médica na qual Anke descobre que sofre de depressão advinda da ansiedade; a conversa com o ativista social também aposentado que conhece quando resolve fazer uma consulta esotérica (e descobrimos, por extensão, o magnífico significado do título do filme); e a prática de Tai Chi Chuan, no desfecho. Um convite à meditação que não exclui o fervor participativo. Puro compartilhamento de aprendizados extrafamiliares!
Wesley Pereira de Castro.
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