domingo, 24 de outubro de 2021

Mostra SP 2021: O CÃO QUE NÃO SE CALA (2020, de Ana Katz)


 As esquetes que compõem o enredo deste filme contêm muita ternura e doses leves de surrealismo, e, através de saltos elípticos, apresentam-nos ao percurso de vida de Sebastián (Daniel Katz, irmão da diretora), um jovem um tanto simplório que foi considerado um escritor promissor na infância, mas que converteu-se num 'factótum' na vida adulta. Após ser demitido do emprego por não ter onde deixar o seu cão de estimação, ele descobre um novo modo de vida ao conseguir uma ocupação espontânea numa cooperativa de agricultores. Porém, uma estranha epidemia surge e obriga as pessoas a evitarem distâncias superiores a um metro e vinte centímetros de altura. Enquanto isso, a vida segue: para quem nasce depois desta epidemia, "este é o seu mundo"!


Trata-se de um típico produto argentino de orçamento doméstico, que, em seus momentos mais promissores, comenta as tentativas paranóicas de readaptação à vida, num contexto muito semelhante à atual assolação pela COVID-19. As pessoas que possuem boas condições aquisitivas compram uma espécie de capacete de astronauta, graças ao qual podem interagir em ambientes públicos. O protagonista enfrenta dificuldades para cuidar de seu filho, o que faz seu casamento chafurdar. O tom da narrativa mistura características de Carlos Sorín e Charlie Kaufman, com um estilo um tanto literário, como se cada passagem da vida de Sebastián fosse um conto humanista isolado, sobre a necessidade de estabelecermos solidariedade ao nosso redor... 


É um filme bem-intencionado, portanto. Nos créditos finais, sabemos que a diretora dedicou esta obra a um amigo falecido, o músico Nicolás Villamil [1976-2017], que deixou prontas as canções que aparecem no filme. A fotografia em preto e branco parece um artifício fortuito e a interpretação do protagonista carece de mais empatia. Se, por um lado, isso reforça o aspecto errático de sua passagem pelos ambientes, por outro, é dificultada a adesão emocional do espectador, já que as situações apresentadas - mesmo quando dotadas de apelo dramático legítimo - soam pouco expressivas, rasteiras. O que não impede que bons diálogos sejam concebidos, como na dorida apresentação de um personagem com câncer ou quando a mãe de Sebastián, na cerimônia de seu casamento, declara ter encontrado um novo amor incondicional em sua vida, além do filho. As animações que pontuam os momentos de transição no roteiro são muito singelas! 



Wesley Pereira de Castro. 

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