sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Olhar de Cinema: A MÁQUINA INFERNAL (2021, de Francis Vogner dos Reis)


Apesar do título, o que está em evidência neste ótimo curta-metragem é o aspecto humano. Mais precisamente, a subtração da humanidade intrínseca que ocorre no âmbito empregatício, em que as máquinas são dominantes e as leis atravessadas pela necessidade/desejo de lucro. Neste sentido, a instrumentalização perde o seu caráter integrativo e torna-se algo substitutivo: quando as máquinas param, os humanos são demitidos; quando elas voltam a funcionar, também!


Protagonizado pela versátil e muito eloqüente Carolina Castanho, que interpreta a auditora Sarah, este filme é marcado por sobreposições imagéticas e ruídos assombrosos, de prédios que são demolidos e de vidas que estão aprisionadas nas máquinas que começam a apresentar defeitos. Do mesmo modo que, no cenário barulhento onde desenrola-se a maioria das ações, há fantasmas vivos - desempregados que perambulam pelo ambiente em busca de acordos vãos -, fora da fábrica algo muito pior pode acontecer, sendo a demissão a mais tenebrosa das ameaças. É o que percebemos numa improvisada reunião sindical, em que os diálogos são interrompidos e as negociações são tolhidas pelas opções insuficientes ("recuso-me a negociar com pelegos", diz um dos trabalhadores). A metáfora é quase explícita: estamos no Brasil atual, onde inúmeros direitos trabalhistas foram perdidos em reformas previdenciárias em prol dos empregadores. Ocupar a fábrica parece um anacronismo, da maneira como aparece no filme...


Num clima de perene pesadelo, Sarah aceita as carícias de uma amiga no vestiário da empresa e ousa apaixonar-se por Djalma (Glauber Amaral), que perdeu uma das mãos num acidente de trabalho e consentiu em ser promovido ao invés de indenizado. Motivo: como sua jornada de trabalho era superior a doze horas por dia, achou que não saberia o que fazer longe da fábrica. Preferiu a robotização gradual de sua existência e, por mais ficcional que isso pareça (já que a 'mise-en-scène' opta pela assunção do artificialismo), é algo que ocorre com dolorosa freqüência na vida real. O contraponto a este pesadelo seria outro tipo de pesadelo, em que os relógios não estão mais à vista, as próteses metálicas desaparecem e as portas abrem-se para paredes iluminadas e inatravessáveis. Em suma: não há o que fazer com o saber especializado, e qualquer sonho proletário, no filme, redunda em grunhidos. É a reconstituição, nos moldes do terror, de algo documentalmente poético: quando não há afeto, surge o domínio das convulsões rítmicas. Permanecer humano, frágil, é resistir!


Wesley Pereira de Castro. 

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