segunda-feira, 22 de novembro de 2021

A NOITE DO FOGO (2021, de Tatiana Huezo)


Por mais onipresente que seja a violência dos cartéis de droga neste filme, a diretora dribla a explicitude que poderia converter-se em espetacularização: ao invés disso, ela prefere enfocar as conseqüências traumáticas e as exortações transformadoras, através das ações provisórias de professores abnegados. A perspectiva narrativa respeita a inocência ainda conservada de Ana (interpretada na infância por Ana Cristina Ordóñez González e, na adolescência, por Marya Membreño), mas as agruras ao seu redor tornam-se cada vez mais severas: sua mãe esforça-se para preservá-la do destino cruel reservado às meninas seqüestradas pelos traficantes, enquanto seu amigo Margarito (Julián Guzmán Girón) aparece com um revólver, demonstrando cumplicidade com as pessoas que fazem tanto mal aos moradores do povoado. O desfecho, neste sentido, é paradigmático, justificando muito bem o título do filme.


Não é por acaso que o fogo aparece, à noite: símbolo de reações encolerizadas, na primeira vez que Ana e suas companheiras vê algo sendo queimado, há um corte brusco que marca o envelhecimento delas. Sob a desculpa de uma infestação de piolhos, seus cabelos são mantidos bem curtos, a fim de assegurar-lhe uma aparência masculina e retardar o temido momento em que ela será perseguida pelos cultivadores de papoulas, em cujas plantações trabalham muitos de seus vizinhos, em atemorizadas condições. Helicópteros são constantemente ouvidos, despejando agrotóxicos. Tiros e explosões são ainda mais freqüentes. A supracitada violência é, portanto, indicial - porém, não exclusiva: num dos mais belos momentos do filme, Ana e Margarito dançam numa festa de rodeio... 


A naturalidade das interpretações infantis impressiona pela efetividade: as descobertas em sala de aula, as brincadeiras marotas (como passar beterraba nos lábios, para simular o uso de batom) e o modo como lida-se com a ausência súbita de outras pessoas abrilhantam ainda mais a dinâmica afetuosa entre o trio principal de amigas. Em planos impactantes, que só confirmam a magnificência da direção de fotografia a cargo de Driela Ludlow, diversas mulheres são vistas tentando falar com seus respectivos parentes, naquele que parece ser o único lugar onde há sinal de telefonia. Nem sempre obtêm êxito na comunicação, defendida como essencial em sala de aula. Enquanto isso, Ana aprende, para além das exigências etárias tradicionais: ótimo exercício de feminilidade cinematográfica! 


Wesley Pereira de Castro. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário