segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Mostra SP 2021: 18 1/2 (2021, de Dan Mirvish)


Desde o início, salta aos olhos o primor reconstitutivo da fotografia de Elle Schneider, que transporta-nos efetivamente para a década de 1970: o modo como o diretor conduz os diálogos superpostos faz com pensemos nos filmes de Robert Altman ou Hal Ashby, de maneira que quase esquecemos que estamos assistindo a um filme contemporâneo. A atriz Willa Fitzgerald compõe a sua personagem Connie de maneira fascinante, amparando-se em recursos que antecipam a sua conversão em "cinderela espiã", conforme consta na letra da recorrente canção "Brasília Bela", composta por Luís Guerra. Neste filme, a violência eclode ao som de uma bossa nova temporã!


Para públicos estrangeiros, há uma dificuldade inicial na compreensão dos eventos mencionados na fita que os personagens anseiam por ouvir, mas, mesmo entre os estadunidenses, o conteúdo apagado possui um caráter de 'macguffin'. Neste sentido, o roteirista Daniel Moya reproduz muito bem as reações corriqueiras ao agendamento jornalístico: todos os personagens que aparecem em cena comentam, de alguma forma, o escândalo Watergate, e, por conta disso, o filme possui em seu âmago uma crítica sardônica ao modo como a avalanche noticiosa instaura alguns comportamentos programadamente revoltosos. Aconteceu antes (vide o modo estereotipado como o discurso pretensamente revolucionário dos 'hippies' é retratado no filme), acontece ainda mais hoje (vide as pendengas envolvendo opositores e simpatizantes da extrema-direita na realidade): ao falar do passado, o enredo, não por acaso, comenta justamente o presente! 


Se, por um lado, Connie destaca-se por sua incrível perícia ao decorar diálogos e manusear aparelhos - o que decorre de anos e anos de prática como funcionária responsável pela transcrição de reuniões institucionais -, por outro, o jornalista Paul (John Magaro) demonstra-se completamente atabalhoado. Na melhor seqüência do filme, com duração quase teatral, ele e ela entabulam um rápido romance, enquanto são ouvidos os fatos comprometedores que relacionam o ex-presidente Richard Nixon ao magnata Howard Hughes, segundo uma conversa imaginada pelo roteirista. Entretanto, o casal é continuamente interrompido, culminando no instante em que descobrimos as verdadeiras ocupações dos personagens de Catherine Curtin e Vondie Curtis-Hall, ambos ótimos. Quase todas as pessoas do filme desempenham papéis ambíguos, não sendo raro que vida privada e vida profissional se confundam. É um filme que usa a comédia para falar de coisa séria, portanto. Ou talvez o inverso, como muitas vezes ocorre na Política! 



Wesley Pereira de Castro. 

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