sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Netflix: NÃO OLHE PARA CIMA (2021, de Adam McKay)


Por mais que a criticidade humorística deste filme seja urgentemente necessária, no que tange à deslegitimação do negacionismo crescente da contemporaneidade midiatizada, é mister destacar que esse tipo de comédia célere tem seu quinhão de culpa na situação abordada: em seu pendor satírico para as chacotas institucionais e a imediatez reativa a tudo que acontece, o tipo inteligente de piadas escritas por Adam McKay, desde as suas colaborações televisivas para o programa "Saturday Night Live", encontra a sua contrapartida numa realidade espectatorial sobremaneira agendada, em que nada é levada a sério. Neste sentido, ao converter a personagem cientificamente perspicaz e emocionalmente desequilibrada de Jennifer Lawrence numa espécie de alter-ego, o diretor escamoteia a sua culpa no processo, pelo qual ele não merece ser condenado, visto que tudo é controlado pelos poderes dominantes, inclusive o que parece opor-se a ele. Sendo assim, ao zombar de uma empresa oportunista de telefonia celular, mais aparelhos são vendidos; ao escandalizarmo-nos diante de algumas futilidades noticiosas, mais estas são consumidas; ao rejeitarmos explicitamente políticos chulos, mais estes recebem divulgação. São os paradoxos inequívocos do século XXI!


Não se pode negar que este filme é muito engraçado e extremamente acertado em seu variegado painel da tragicomédia eleitoral hodierna: além de enfatizar que  há um lado "menos pior" a ser escolhido (permeado por inevitáveis contradições - vide o skatista evangélico interpretado por Timothée Chalamet), o roteiro conclui com um truísmo benfazejo, o de que a melhor coisa da vida é estar ao lado de quem amamos. Além disso, a associação dos nomes dos atores, nos créditos finais, aos objetos que permitem o reconhecimento imediato de seus personagens reitera o quão fetichistas somos hoje em dia. É um problema? Sim, mas também um apanágio incontornável. A estratégia mais aplicável de sobrevivência é seguir em frente - e prestar atenção ao que a personagem de Ariana Grande canta na espertíssima "Just Look Up": "Tu estás lidando com a verdadeira tristeza, e é tudo culpa minha/ Desculpe-me, meu amor/ Vou curar teu coração, vou segurá-lo em minhas mãos/ O tempo é tão precioso, não temos muito sobrando agora". Simples, não é? 


A importância da trilha musical de Nicholas Britell neste filme é definitiva, pontuando o ritmo irregular dos longos 138 minutos e inserindo acordes espalhafatosos que trazem à tona emanações de alegria e tristeza, simultaneamente. O humor do filme é trágico, chegando mesmo a reproduzir (com intentos satíricos) os discursos de ódio e incitação à ignorância, típicos dos representantes da extrema-direita, hoje em dia. Apesar de estar caricato, Jonah Hill cumpre bem a sua função metonímica, enquanto Mark Rylance, Meryl Streep, Ron Perlman e Cate Blanchett estão hilários enquanto representantes das grandes corporações, do Poder Executivo, do Exército e da indústria do entretenimento, respectivamente. A eles, soma-se Leonardo DiCaprio, no papel ambivalente de um astrônomo brevemente corrompido pela fama. Humano, demasiado humano. 


Em termos sardônicos, "Não Olhe Para Cima" possui aspectos semelhantes ao clássico "Dr. Fantástico" (1964, de Stanley Kubrick). Como é produzido por uma grande plataforma de 'streaming', possui em seu âmago intricadas incongruências - novamente convertidas em blagues, como no caso do astro hollywoodiano que divulga uma superprodução sobre a ameaça de um cometa prestes a destruir a Terra. Assistindo ao filme, gargalhamos de nós mesmos, movimentamo-nos catarticamente em relação a um estado de coisas pelo qual somos coletivamente responsáveis. O essencial, entretanto, está fora das telas, às vezes subestimado. A seqüência do desembarque num planeta alienígena é impagável!


Wesley Pereira de Castro. 

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