quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Mostra SP 2022: MAGDALA (2022, de Damien Manivel)


Em sentido etimológico, a palavra religião está vinculada ao ato de "voltar a ligar", no que tange às conexões estabelecidas entre os homens e Deus e entre os homens e seus semelhantes. Num primeiro contato com a sinopse deste filme, pensamos numa extensão discursiva dessa etimologia, a partir do que é definido, nos créditos de abertura, como uma reinvenção dos "últimos dias de Maria Madalena"...


Não obstante a fidelidade a ser Jesus Cristo ser constante nos passos lentos da protagonista, que deambula sozinha por uma floresta, o elã religioso é substituído por uma psicose fetichista que ultrapassa a compulsão: quando não está urrando a falta de seu amado, a idosa Maria Madalena está urinando, banhando-se  ou lavando a sua manta, enquanto constrói diversas cruzes com gravetos e folhas. Os ensinamentos privilegiados que a prostituta redimida obteve a partir do convívio com "o filho de Deus feito homem" parecem desembocar numa inércia comportamental: afastada de todas as pessoas, a personagem-título (vivida de maneira compassada porém intensa por Elsa Wolliaston) caminha morosamente por entre as árvores, ao som de árias sobre um necessário ensimesmamento. Quando Jesus (Saphir Shraga) ressurge nas memórias de Madalena, isso ocorre sob o viés do erotismo lacrimoso. A morte do homem sagrado é representada através de metáforas óbvias, como o instante em que a protagonista segura um coração sangrando, à beira de um precipício cercado pela neblina...  


Sem conseguir despertar polêmica (já que a abordagem da personagem bíblica é iconograficamente respeitosa) e sem assumir uma postura ativa acerca da religiosidade (ainda que a ascensão ofertada na imagem final sirva como prêmio para quem tem fé), este filme chafurda na vacuidade. A pretensa lentidão estética revela-se modorrenta e desenxabida, não obstante o zelo fotográfico de Mathieu Gaudet. A velhice predominantemente silenciosa da personagem soa como um coma obsessivo e auto-induzido: o amor, quando expressado de maneira extrema, tende a provocar esta impressão patológica. Seria este filme uma crítica involuntária ao fanatismo cristão?  Mesmo nesta seara, ele demonstra-se lamentavelmente infecundo. 



Wesley Pereira de Castro. 

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