sexta-feira, 14 de junho de 2024

A ESTAÇÃO (2024, de Cristina Maure)


Na primeira metade deste filme, a atriz (e co-roteirista) uruguaia Jimena Castiglioni vagueia sozinha por um lugar tão idílico quanto ermo: após caminhar por cerca de sete horas, conforme alega a sua personagem Sofia, ela adentra a estação de Vila Clemência, onde sabe que um trem está programado para passar às dezessete horas. Ao confrontar o vigilante dessa estação, Abelardo (Rodolfo Vaz), acerca das informações que recebera, este lhe diz que não há garantia de que o trem chegue: ""pode ser que ele passe hoje, pode ser que somente daqui a dez anos". Sofia hesitará em instalar-se na pousada sugerida por Abelardo, mas sucumbirá perante uma espera que, em seu prolongamento, provocar-lhe-á exaustão e uma inaudita liberdade: depois de conversar com alguém que reconhece o casal mostrado numa fotografia que ela esconde em seu aposento, Sofia reencontrará, enterrada, a pessoa por quem procurou por tanto tempo e, ao fazer isso, consegue também encontrar a si mesma, sentindo-se apta a viver a própria vida, não mais relacionada a uma busca que soava abstrata, de tão estendida...


Numa metáfora evidente, que conjuga o purgatório cristão (ou o umbral espírita, em versão campestre) com uma trama cara ao Teatro do Absurdo, este filme faz com que alguns personagens constatem que existiam em função de desejos não saciados e, por conta disso, redefinem os seus interesses vitais, descobrindo novos anseios, tão íntimos quanto coletivos, a partir da convivência fortuita com outrem. Numa região fictícia (adaptada de cenários do interior mineiro) e numa época indefinida, os personagens confessam situações de busca ou espera que se converteram, sem que eles tenham percebido, em obsessões duradouras. Neste sentido, o enredo funciona como uma exortação ao desprendimento emocional: o hotel próximo à estação - não obstante ser um local de confinamento, em que remédios e comida começam a rarear - é apresentado como um ambiente de cura, onde aquelas pessoas renovam as motivações para interagir e seguir em frente... Mesmo que jamais saiam daquele lugar!


Transcorrida uma hora de projeção, há uma mudança de perspectiva: ao tentar fugir, Sofia nota que as distâncias entre os lugares são alteradas mediante a sua movimentação. Aparece um túnel que não existia antes, e ela adoece após caminhar por horas a fio. A diretora, então, dispõe-se a registrar as experiências de outros personagens, cujos segredos são desvendados pelo garotinho Teófilo (Katu Silva Sanglard), que observa a maior parte deles pelas fechaduras de seus respectivos quartos. Divulgando que o seu presente ideal de aniversário seria uma festa, Teófilo possibilita que seus convivas dancem ao som da música executada pelo acordeonista Damião (Rafael Martini), que acredita que ela possui propriedades mágicas. Se, para o homem sábio a quem todos chamam de Professor (Eid Ribeiro), "a única certeza é a morte", para o espectador, as incertezas revelam-se como extraordinárias descobertas, tal qual a luz misteriosa verificada por Sofia, no anúncio compartilhado pelo desfecho em aberto.



Ainda no início, quando tentava estabelecer contato com Teófilo, que corria indiferente pelos prados que circundam a estação, Sofia observa que há um cemitério no local. Isso delimita o caráter sobrenatural da narrativa, associando aquele local de espera perpétua aos conceitos religiosos supracitados. O filme perde um tanto de seu impacto quando o foco narrativo sai da então adoecida Sofia para as vivências de outros hóspedes, como a relação platônica entre Líber (Pedro Lanna) e a mãe solteira Helena (Bruna Chiaradia), que preenche o seu tempo entre a criação de poesia e os ímpetos suicidas. Ao final, um clímax festivo ratifica a comunhão entre os trunfos técnicos do filme: a ótima trilha musical (que, além dos temas diegéticos de Rafael Martini, conta com a participação de Hugo Fattoruso); a  encantatória fotografia em preto-e-branco de Luciana Baseggio; e, claro, a entrega actancial de um elenco afinado às provocações existenciais de cariz beckettiano. Um filme de ritmo monocórdio, mas fascinante! 



Wesley Pereira de Castro. 

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