terça-feira, 13 de agosto de 2024

Festival de Gramado 2024 - Documentários: MESTRAS (2024, de Aíla & Roberta Carvalho)

Como a direção deste documentário é compartilhada entre duas mulheres, é enfatizada a necessidade de valorizar vozes que, em conjunturas anteriores, seriam sufocadas pelos ditames estruturais do machismo. Em razão de serem realizadoras oriundas de tradições audiovisuais distintas (mas complementares), há dois diferentes tons no filme: de um lado, a narração em primeira pessoa, a cargo de Aíla, que relembra a trajetória de sua avô, que morreu afogada no Pará, Estado atravessado por muitas águas, de modo que isso faz com que ela associe a beleza do mar a uma inelutável tristeza; do outro, as homenagens a artistas maravilhosas como Dona Miloca, Iolanda do Pilão, Bigica e a maravilhosa Dona Onete - conhecida nacionalmente pela colaboração com Jaloo, na canção "Eu Te Amei (Amo!)", para ficar apenas numa das demonstrações de seus variegados talentos -, que legam-nos valiosos depoimentos. 


Não obstante haver o flerte com a linguagem da publicidade institucional, algo turística, os instantes que exibem as belezas naturais das cidades paraenses são maravilhosos, aproveitando justamente o fascínio provocado por esse tipo de produto midiático. A direção fotográfica é, portanto, excelente, tanto na captação de pôres-do-sol quanto no aproveitamento cromático das vestimentas das manifestações culturais. Para além da emoção contida na narração de Aíla, que explica que a sua mãe converteu-se numa "órfã de mãe e de pai vivo" após o falecimento da avó, o filme é abrilhantado nas situações em que as mestras supracitadas ofertam os seus saberes para os espectadores, demonstrando o porquê de ser tão importante que elas prolonguem as tradições do samba de cacete, carimbó e congêneres, a partir daquilo que foi ensinado pelas gerações mais velhas...


Viajando por cidades que "cresceram para dentro", a fim de aproveitar uma frase forte da narração, conhecemos os habitantes de Orém, Cametá e Marapanim, em suas eclosões dançantes. Conhecemos as lindas histórias de vida de mulheres idosas mas cheias de elã, que compensam a falta de alfabetização tradicional através de uma musicalidade encantatória. Infelizmente, seus méritos nem sempre são dignificados a contento, visto que apenas os homens são glorificados nas estátuas erigidas nos referidos municípios. Para compensar o esquecimento perpetrado pelas autoridades oficiais, as diretoras reproduzem, de maneira extensiva e devolutiva, a pujança da arte produzida por aquelas mulheres, através de efeitos esplêndidos, como a projeção de seus rostos nas folhagens das árvores, a ponto de uma delas comparar-se a plantas, no sentido de que, seres humanos, tanto quanto os vegetais, "precisam ser regados diariamente". É a deixa para que Aíla mencione algumas constatações cosmológicas, justificando que "mar calmo nunca fez bem a marinheiro" e que "tudo o que sai do mar retorna para ele". Em companhia da mãe, ela volta à beira-mar e faz as pazes com aquilo que sempre a machucou, dada a maneira traumática como a sua avó falecera. Fica o laudo, confirmado nos créditos finais: "as mestras da música são mestras da vida"!



Wesley Pereira de Castro. 
 

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