quinta-feira, 22 de agosto de 2024

MOTEL DESTINO (2024, de Karim Aïnouz)


Ainda que não seja lícito julgar um filme pelas expectativas que ele provoca, este título é negativamente vitimado pelos expressões superlativas que acompanharam a sua divulgação em coberturas de festivais - e, por extensão, nas redes sociais: a exortação enquanto "'thriller' erótico" e a extrema simpatia dos envolvidos na produção, em entrevistas e coletivas de imprensa, resvalam num desempenho apenas morno na tela. Ou pior: cercado por conveniências tramáticas que soam inconvenientes até mesmo na comparação ostensiva com enredos clássicos do subgênero 'noir', sendo o roteiro decepcionante na insistência com que tenta forçar o impacto do Destino, como se fosse uma entidade exterior, na vida daqueles personagens, quando tudo o que acontece advém da irresponsabilidade e das inconseqüências dos mesmos... 


Que Elias, magistralmente interpretado por Fábio Assunção, seja obcecado pelos animais que cria (cavalo, galinhas, gato, etc.) é algo que ajuda bastante no delineamento de caracteres em simultânea atração e conflito, sendo nodal a seqüência em que ele flagra o impetuoso Heraldo (Iago Xavier) observando um casal de burros que se acasala num terreno. Resta-lhe lamentar que "a vida não seja apenas isso" e prosseguir com a labuta infindável no hotel titular, em que os funcionários subjugam as próprias vidas a uma rotina assaz centrípeta, seja em expedientes noturnos ou diurnos. Inclui-se nesta categoria o recepcionista acessório vivido por Yuri Yamamoto, que não esconde uma paixão platônica por seu patrão. Esta paixonite, aliás, será ecoada nas manifestações de homoerotismo que se intensificam quando Elias está próximo a Heraldo, que não hesita em ficar seminu, o tempo quase inteiro, mas se recusa em nadar numa piscina doméstica por "não estar de sunga".


Esplendorosamente fotografado por Hélène Louvart, que serve-se de um contraste excelente entre cores fortes como azul e vermelho, além de efeitos 'neon' e/ou fosforescentes, este filme leva a sério a sua autodefinição enquanto "'noir' equatorial": em muitas situações, as cenas são tão escuras, que percebemos sobretudo a iluminação advinda de pirilampos ou o reflexo da lua nos corpos suados dos atores. E isto é maravilhoso, tanto quanto outros aspectos formais da obra. O problema é que estes elementos técnicos estejam a serviço de uma trama insossa e mal construída, principalmente no que diz respeito ao delineamento dos personagens: vide o fascínio súbito que Dayana (Nataly Rocha) sente por Iago quando este tenta lhe estrangular por não ter dinheiro para pagar a estadia no quarto onde esteve com uma desconhecida, enquanto ela converte o seu marido em vilão por ele demonstrar os mesmos comportamentos violentos ou possessivos atrelados à competividade masculina. Neste sentido, o grande problema do filme é o sobejo de coincidências, como a morte do francês que Heraldo deveria ter assassinado, num quarto do Motel Destino, ou as situações que justificam a leitura romântica de uma carta, no desfecho. 



Se, em âmbito imagético, o filme é acachapante, o desenho de som revela-se exagerado ao manter uma contínua banda sonora de gritos e gemidos escandalosos no motel, como se todas as pessoas fizessem sexo de maneira radicalmente indiscreta. Os diálogos pronunciados por Heraldo e Dayana muitas vezes soam inconvincentes, em razão de ignorarem a concatenação emotiva provocada pelas situações imediatamente anteriores: é como se eles vivessem num presente perpétuo, referendando, mais uma vez, a associação com os comportamentos animalescos. Complementam os problemas do filme a reprodução caricata do ambiente criminal em que Heraldo e seu irmão interagiam e as alucinações visuais que atormentam o rapaz, ao longo da projeção. Em seu pretenso erotismo, o filme é brochante, exceto quando Fábio Assunção está em cena, dignificando um personagem ambíguo com tamanha intensidade, que, mesmo que ele não apareça nu (como foi amplamente perguntado nas redes sociais, antes do lançamento), desnuda-se impressionantemente enquanto artista, sem medo de se reinventar, após diversas atribulações em sua vida pessoal. Por ele e pelos esperados maneirismos da direção, o filme compensa a debilidade tramática e a inverossimilhança relacional que, infelizmente, atravessa toda a narrativa! 



Wesley Pereira de Castro. 

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