domingo, 27 de outubro de 2024

Mostra SP 2024: O VENTO SOPRA ATRAVÉS DOS TÚMULOS (2024 , de Travis Wilkerson)


Que o diretor deste filme-ensaio não seja croata é um dos componentes que engrandecem a sua proposta documental, no sentido de que ele descobre, junto ao espectador, algumas camadas horríficas daquilo que, sinopticamente, é descrito como um mero registro sobre os malogros de uma investigação policial. Após assumir a sua origem estadunidense (mais à frente, ele confessa que um de seus avôs pertenceu à Ku Klux Klan) e de enumerar dados pessoais e familiares (incluindo o elogio ao cachorro Yugo, nomeado em homenagem ao vento e a um país dissolvido), Travis Wilkerson apresenta-nos ao atraente detetive Ivan Peric, que entrou para a Polícia para não se tornar pescador, como o seu pai, não obstante querer ser dançarino de 'breakdance', na juventude. Ele investiga as mortes de diversos turistas em sua cidade natal - Split, na Croácia -, mas é hostilizado por seus colegas e por seu chefe, já que, ali, "ninguém gosta de turistas". Ao tentar descobrir como alguns deles morreram, traços sombrios da História do país são trazidos à tona... 



Por cada lugar que passa, Ivan encontra pichações e sinais de vandalismo urbano e, a partir daí, explica para o diretor o que são aqueles símbolos, e por que tantas suásticas são percebidas naquela região. A cidade de Split possui um time de futebol, Hajduk, cuja torcida é bastante violenta, confundindo as competições dentro dos estádios com o ódio que sente por outras etnias - principalmente, contra os sérvios. Como tal, os torcedores associam-se ideologicamente aos princípios de Ustasha, organização ultranacionalista croata que, entre outras medidas assustadoras, erigiu Jasenovac, o maior campo de concentração da Europa, dentre aqueles que não foram construídos pelos nazistas. Ali, milhares de sérvios, judeus e ciganos foram assassinados (geralmente utilizando a 'sbrosjek', que era uma faca apelidada de "exterminadora de sérvios"), de modo que a ojeriza nacional por estes grupos étnicos permanece ativa na população do país, que, ainda hoje, demonstra simpatia pela supracitada organização, externando-a através de um U maiúsculo com uma cruz no meio, geralmente disfarçado na palavra Radunica, que é uma importante rota local. 



O diretor explica todos estes detalhes de adesão fascista enquanto Ivan esforça-se para se desvencilhar da alcunha de 'uhljeb', que seria um burocrata preguiçoso, segundo uma tradução genérica. Esta é a maneira desdenhosa através da qual ele é atacado por seus pares, por insistir numa investigação boicotada pelos demais profissionais, de cuja ajuda o detetive necessita. Em determinado momento, Travis Wilkerson aproveita a menção de Ivan a um acidente sofrido por uma croata bêbado, quando tentava destruir a estátua de Rade Koncar [1911-1942], para esclarecer quem foi este importante partisano (membro de uma tropa irregular que se opõe ao controle estrangeiro de uma determinada área) iugoslavo e para interrogar "como um homem se torna uma estátua?". É quando percebemos que o título poético do filme faz menção à canção "The Partisan", de Leonard Cohen [1934-2016], cuja letra fala justamente sobre a ocupação nazista nalguns países. Na maior parte do filme, sua fotografia é em preto-e-branco, exceto quando pinceladas vermelhas que lembram sangue surgem na tela, ao som de fogos de artifício, após a tentativa frustrada do realizador de animar uma gravura com a bandeira de Ustasha. Trata-se de mais um instante de genialidade, possibilitado pelo Acaso (os demais seriam o segmento "História da Queda da Iugoslávia Através dos Grafites de Split" e a lembrança da comemoração de aniversário dos seis anos de Ivan, em que, num jogo de futebol, ele testemunhou o que seria uma das primeiras etapas do esfacelamento definitivo da antiga Iugoslávia), que irmana este filme em relação aos trabalhos mais iconoclastas do romeno Radu Jude. Dolorosamente magistral! 



Wesley Pereira de Castro. 

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