terça-feira, 21 de dezembro de 2010

VOCÊ VAI CONHECER O HOMEM DOS SEUS SONHOS ('You Will Meet a Tall Dark Stranger'). EUA/Inglaterra/Espanha. Direção: Woody Allen.

Julgar os recentes filmes – rodados na Europa e não mais em sua Nova York natalícia – de Woody Allen é uma atividade que exige que sejam levados em consideração bem mais aspectos paradigmáticos do que sintagmáticos na análise das atuais narrativas enquanto moldadas aos cacoetes formais e conteudísticos do diretor, que, conforme consentem tanto admiradores quanto detratores, abordam sempre temas recorrentes, como os fins de relacionamentos, a crise existencial diante da proximidade da morte e, tal qual é repetido peremptoriamente neste filme em particular, a certeza moral de que “ilusões são mais efetivas do que remédios”. Se se pode reclamar que o elenco está dissonante (enquanto Gemma Jones está soberba como a doce velhinha divorciada Helena, Antonio Banderas, Anthony Hopkins e Josh Brolin estão atrofiados em seus personagens masculinos irritantes) em “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos”, no plano técnico, o envelhecido Woody Allen ainda demonstra muita sapiência na escolha das músicas-temas adequadas a cada situação e compõe pelo menos um punhado de diálogos inteligentíssimos e multi-referenciais (o momento em que o personagem de Anthony Hopkins explica a uma garota de programa que os avantesmas em peças teatrais de Henrik Ibsen são mais simbólicos do que assustadores é simplesmente genial!), mas não consegue deixar de transparecer a impressão de que a supressão de financiamentos norte-americanos distancia seus roteiros de focos críticos que lhe tornaram célebres, como os incisivos ataques religiosos de caráter institucional ou os chistes apologéticos à masturbação. Ainda assim, o filme é suficientemente divertido e comedidamente dramático para se impor na programação de cinema hodierna, garantindo que o ainda muito prolífico autor seja merecedor do título de genial até mesmo em produções menos demonstrativas de sua veia autoral.

Reutilizar chavões tramáticos de seus próprios filmes anteriores não configura necessariamente um problema nos filmes de Woody Allen, mas esta subsunção auto-formulaica demonstra sinais de cansaço quando se pretende surpreendente em seu efeito de “reviravolta do destino”, conforme se manifesta na situação do escritor em crise criativa Roy (Josh Brolin), que surrupia material literário alheio, lança como se fosse de sua autoria, e depois descobre que o autor original está a se recuperar do estado de coma em que se encontrara desde que sofrera um acidente, situação esta que parece uma vulgarização do tipo de conflito que atormenta os personagens do ótimo “Crimes e Pecados” (1989). A crescente adesão da personagem Helena (a já citada e iluminada Gemma Jones) ao misticismo para-religioso parece uma diluição temática da magia que se mostra também mais efetiva do que os tratamentos psicológicos convencionais no injustiçado “Simplesmente Alice” (1990). Tais como estes problemas, a modorra actancial dos personagens masculinos (Anthony Hopkins, por exemplo, está francamente desinteressante) e a incapacidade do elenco em reproduzir os chavões neurastênicos que se tornaram famosos enquanto reproduções das próprias atuações do diretor em seus filmes (vide a placidez mal-trabalhada da personagem de Freida Pinto) retiram muito do impacto pretendido por “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos”, que funciona melhor enquanto passatempo cinematográfico rasteiro do que enquanto exercício de vitalidade fílmica, por mais que ainda seja evidente o talento de seu realizador, muito feliz na impecável adoção de “When You Wish Upon a Star” como sintomática canção de abertura e de encerramento.

No patamar técnico propriamente dito, Woody Allen obteve as boas colaborações de praxe, destacando-se a sóbria direção de fotografia do veterano Vilmos Zsigmond e a edição dinâmica de Alisa Lepselter (com a qual trabalhou em 12 filmes desde 1999), mas é mesmo o uso gracioso da trilha sonora o que mais chama a atenção (os temas recorrentes de Tali Roth emocionam sempre que executados), bem como as interpretações inspiradas dos coadjuvantes Pauline Collins (como a divertida vidente Cristal), Ewen Bremmer (como o escritor iniciante que se torna comatoso Henry Strangler) e, principalmente, Roger Ashton-Griffiths (divertidíssimo e encantador como o livreiro ocultista Jonathan, que ainda ama a sua falecida esposa, “uma das rivais mais duras [para Helena], com o perdão do trocadilho” - risos). Lucy Punch tem alguns bons momentos como Charmaine, mas, no geral, sua personagem sofre do mesmo desleixo composicional que a de Naomi Watts (Sally). Ainda assim, porém, as interpretações femininas estão muito superiores aos desempenhos desenxabidos dos atores masculinos, com exceção dos dois coadjuvantes destacados.

Finalmente, qualquer julgamento adequado sobre qualquer filme de Woody Allen, recente ou não, mais inspirado ou não, deve destacar o brilhantismo de seus diálogos filosoficamente corriqueiros. Se, logo na abertura, ele parafraseia um aforismo shakespeareano para dizer que “a vida é cheia de som e fúria, mas logo se revela como um nada sem sentido”, durante o decorrer do enredo, vários ditos espirituosos merecem citação, como a conclusão do patrão de Sally, Greg (Antonio Banderas, que dota seu personagem com um sotaque deveras artificial), que constata que eles eram colegas/amigos, mas tornaram-se concorrentes: “a vida é assim, irônica... e bela”. Noutro momento, Helena comenta que a vidente Cristal disse que ela iria conhecer o estranho alto e moreno do título (uma metáfora recorrente para a inevitável chegada da morte noutros filmes allenianos), mas que, afinal, ela contentou-se apenas com o “estranho”, personificado na figura do livreiro com quem se beija na graciosa última cena do filme. Mas, se não somente de bons diálogos se faz um bom filme, a beleza circunspecta das cenas em que o personagem de Josh Brolin observa a sua vizinha eritro-indumentária se despir ou tocar violão na janela demonstra que Woody Allen ainda sabe como encantar seus espectadores com seqüências contagiosas de encantamento passional. Mesmo envelhecido, um gênio é, antes de qualquer outro adjetivo, um gênio!

Wesley Pereira de Castro.

2 comentários:

  1. eu gostei desse filme...
    me identifiquei mais com a velhinha...
    achei a personagem da Charmaine muito ruim... muito estereotipada... será q era o jeito do Woody Allen dizer q ela era vazia?
    aí eu me pergunto: existem pessoas VAZIAS?
    e a resposta eu não sei.

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  2. Concordo radicalmente contigo: será?
    E, de fato, a velhinha é A personagem! Não é a toa que ela está aqui (risos). As fotos que escolho são deveras capciosas!

    WPC>

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