domingo, 5 de dezembro de 2010

A REDE SOCIAL ('The Social Network') EUA, 2010. Direção: David Fincher.

Numa definição geral, a noção de algoritmo equivale a um “conjunto de instruções ‘passo a passo’ para execução de determinada tarefa ou solução de um problema qualquer”. No caso do filme ora resenhado, a compreensão de tal noção aplicada à Informática é essencial para se compreender os intentos do cineasta David Fincher através da opção de biografar Mark Zuckerberg, idealizador ainda vivo do Facebook, sítio virtual de relacionamentos deveras popular na Internet. Uma síntese rasteira dos temas comuns aos filmes até então dirigidos por David Fincher permite indicar uma amargura contextual em relação aos efeitos do ambiente urbano sobre os comportamentos típicos de cidadãos tão (in)comuns quanto diferenciados, seja a astronauta que sobrevive a uma raça predadora de extraterrestres [a tenente Ripley no interessante “Alien3” (1992)], seja o ‘workaholic’ dominado pela psicose consumista [o personagem sem nome que protagoniza o extraordinário “Clube da Luta” (1999)], seja o personagem que nasce velho e vai rejuvenescendo aos poucos [o protagonista do excelentemente acadêmico “O Curioso Caso de Benjamin Button” (2008)], para ficar em apenas três exemplos conhecidos de sua pitoresca e laudável filmografia.

Neste seu mais recente filme, a amargura personalística é anunciada logo na cena de abertura, um diálogo surpreendentemente veloz entre o personagem principal e sua então namorada Erica Albright (Rooney Mara), que não somente é efetivo ao anunciar o tom de emoções recônditas propositadamente secundarizadas pelo capitalismo tardio abordado no enredo como faz com que se perceba de antemão o quanto “A Rede Social” é um filme cifrado e hermético em sua pletora de siglas, termos técnicos, metáforas cibernéticas e situações julgamentais que soam enfadonhas para quem não está habituado a filmes de tribunal ou que reconstituam os cotidianos especulativos de ‘yuppies’ tachados como rudes por seus convivas. Neste sentido, a impecável interpretação de Jesse Eisenberg merece elogios desde o primeiro segundo e execução, tamanho o sucesso que ele obtém ao preservar a ambigüidade moral do protagonista, ainda que o roteiro tenda a formatá-lo como um personagem negativo, até que a magnífica cena final restitua a simpatia renegada, novamente conflitada pela canção executada durante os créditos de encerramento (“Baby, You’re a Rich Man”, de The Beatles), cujo sarcasmo interrogativo proíbe novamente o personagem de ser tomado como um modelo positivo para os espectadores.

Em outras palavras, Mark Zuckerberg (ao menos, aquele visto no filme) está pouco se importando em ser uma boa pessoa e, mesmo assim, conseguiu galgar o título de mais jovem bilionário do mundo, algo que, conforme notam alguns poucos interlocutores sensatos, não é suficiente. O perfil sorridente de Mark Zuckerberg no próprio endereço virtual que criou, por outro lado, vai de encontro ao seu retrato severo no filme. Surge aí o primeiro ponto francamente genial do filme, não obstante sua indefinição qualitativa tornada assaz ostensiva pelo já destacado ciframento do mesmo. E tal genialidade faz coro com a estupenda mensagem publicitária que propagandeia o filme: não se consegue 500 milhões de amigos sem fazer alguns inimigos”.


À parte este brilhante estratagema de indefinição identificativa com que o espectador se depara diante do filme, em que o estranhamento e a impressão constante de deslocamento etário se confundem em relação à portentosa efemeridade dos componentes de seu roteiro [escrito por Aaron Sorkin com a mesma pecha tribunalística que marcou algumas de suas obras anteriores, como “Questão de Honra” (1992, de Rob Reiner) ou “Jogos do Poder” (2007, de Mike Nichols)], o elemento mais estritamente cinematográfico que o diretor David Fincher aplica para tornar marcante seu filme enquanto obra significativa do século XXI é precisamente um uso magistral dos ‘close-ups’ faciais, que garante o reconhecimento minucioso da inventividade comparativa com o nome do grande projeto zuckerberguiano, o Facebook (literalmente, “livro de rostos”).

Em três cenas cruciais do filme [o primeiro diálogo entre Mark e Erica; uma conversa entre o primeiro e Sean Parker (o cantor Justin Timberlake, escolha inusitada para interpretar o idealizador do Napster) numa boate barulhenta; e o momento em que o brasileiro Eduardo Saverin (Andrew Garfield, ator que mais destoa negativamente em relação ao restante do ótimo elenco) descobre que se tornou um empregado minoritário na firma que ajudara a construir e da qual fora presidente], o uso reiterado de campos/contracampos aproximados obriga o espectador a inquirir as motivações sub-reptícias da equipe do filme a utilizar tal recurso técnico de forma bastante acentuada, algo que se torna ainda mais prenhe de sentido depois do único ‘fade-out’ demorado da produção, quando vemos os gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss (Armie Hammer) perderem uma competição importante de remo, ao som de uma versão introduzida de forma quase paródica de uma peça musical de Georg Friedrich Handel, e logo em seguida descobrir que o Facebook já está vigorando na Inglaterra.

Por mais que, na maioria das situações, o filme pareça estar subsumido ao seu tema, aos desígnios régios do capital especulativo e às reconstituições processuais das denúncias efetuadas contra o protagonista, o diretor introduz sorrateiramente seus toques de gênio, fazendo com que assistir a este filme corresponda a uma verdadeira diligência epistemológica, na qual se precisa estar atento a pequenos detalhes compositivos, como as sutis variações de expressão colérica do protagonista, a já citada magnificência emocional da última cena, o brilhante uso de canções incidentais (um breve excerto de “Califórnia Über Alles”, do Dead Kenneds, é executado num momento célebre de cinema) e a estranha montagem paralela entre as atividades computadorizadas de Mark Zuckerberg e um grupo de alunos que digita em computadores pessoais enquanto se divertem numa festa orgiástica. A mesma cena, aliás, torna mui evidente a destoação entre aplicação climática e qualidade musical da trilha sonora e sua aplicação (dis)funcional do filme.


Composta por Atticus Ross e Trent Reznor (vocalista e multi-instrumentista da “banda de um homem só” Nine Inch Nails), a trilha sonora deste filme mescla sonoridades eletrônicas com ‘rock’ pesado e, como tal, dispõe de uma agradabilíssima recepção espectatorial. Porém, enquanto componente fílmico, não soa de todo adequada: em mais de uma seqüência, a trilha sonora cria um desconforto diferencial justamente por não se adequar ritmicamente à cena, visto que parece que, com esta sonoridade essencialmente juvenil, o diretor David Fincher tenta emular a euforia sinestésica daquele que talvez seja a sua obra-prima, o filme “Clube da Luta” (1999). Se o filme anterior era beneficiado pelas deturpações psicóticas do protagonista, esta produção mais recente apóia-se numa sobriedade tipicamente empresarial, em que até mesmo uma reclamação urgente por furto de idéias deve ser anunciada com bastante antecedência para ser ouvida. Ou seja, não é o contexto apropriado para os paroxismos dos decibéis rítmicos proporcionados pelos músicos que colaboram na trilha sonora.

Além deste problema de inadequação, outros elementos podem ser somados à trilha sonora: a má caracterização do personagem de Andrew Garfield, o sobejo de personagens secundários [Divya Narendra (Max Minghella), por exemplo, é francamente sub-aproveitado] e o hermetismo contextual do filme dificultam a acessibilidade de platéias mais vastas às denúncias e apelos que este filme transmite enquanto “sintoma de uma geração”, diagnosticando o que pode ser considerado (ao menos, por enquanto) o “novíssimo mal-do-século”, conforme se pode notar na insuperável magnificência da cena final, em que o triunfante Mark Zuckerberg (mesmo quando não obtém o resultado desejado nas pelejas judiciais de que participa) hesita em adicionar ou não sua ex-namorada ao rol de amigos virtuais no endereço virtual que ele mesmo criou.


Analisando-se o desfecho do filme sob um viés teorético, cabe trazer à tona alguns pareceres do sociólogo francês Dominique Wolton, que, num texto famoso em que destaca as limitações aplicativas das novas tecnologias digitais de informação e comunicação, enumera os conceitos de “compressão do tempo”, “distâncias intransponíveis”, “impossível transparência”, e, principalmente, “solidão interativa” como problemas perenemente atrelados aos proveitos vantajosos destas tecnologias no que tange aos incrementos de autonomia, domínio e velocidade nos processos comunicativos e de troca de informações entre indivíduos. No filme, há uma cena mui pertinente em que, ao reconhecer o idealizador do Facebook numa palestra, uma garota pede para que ele a adicione naquela rede social virtual para, logo em seguida, poderem sair juntos e beberem, foderem ou qualquer outra atividade socialmente praticável por duas pessoas que interajam ‘in loco’. Esta situação, tão chistosamente apresentada quando a denúncia por maus tratos contra a imposição de canibalismo a uma galinha que é imposta ao deslumbrado Eduardo Saverin, confirmam as teses woltonianas no que tange ao esmagamento da vida pessoal pelo tempo diferenciado da Internet, aos obscurecimentos relacionais induzidos a partir das artimanhas que visam a retroalimentar a distinção classista que fundamenta qualquer sistema capitalista, às defasagens elementares entre emissores e receptores de mensagens eletrônicas, e, principalmente, como já foi dito, ao abismo cada vez mais comum entre popularidade virtual sobressalente e fracasso interativo real, que acomete o próprio personagem principal, tachado não somente de “babaca”, mas de alguém que luta muito para sê-lo.

Nesse sentido, a ainda não suficientemente elogiada beleza da seqüência final do filme, paralela aos créditos que anunciam os destinos atuais dos personagens, é uma liberdade poética do diretor e do roteirista que confirma magistralmente a suspeita de que a genialidade deste filme é sob-reptícia e não detectável na superfície. Um filme que urge pela confrontação com a realidade analítica do século XXI de uma forma tão pungente que nem mesmo a obsolescência oportunamente programada deste tipo de temática (e/ou de reflexão a ela atrelada) consegue obnubilar!

Wesley Pereira de Castro.

2 comentários:

  1. Confesso que não tenho interesse nenhum em ver este filme. Me parece ridículo e digo desde já que é, mesmo sem ter visto.

    Abraços.

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  2. Ridículo é um termo muito forte. Mas, na pior das hipóteses, ele radiografa muito bem a sociedade tecnocrática atual que nos circunda... Pena que, em minha opinião, no filme, a trilha sonora do genial Trentz Reznor, não acompanhou bem o discurso do diretor. vale a pena ver sim. Arrisque!

    WPC>

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