Ao final da sessão deste filme, tanto espectadores senso-comunais
como aqueles mais intelectualizados entrarão em concordância avaliativa a
partir de um mesmo substantivo abstrato: obviedade.
Se isto denota alguma falibilidade na condução alinear de seu enredo, que é extremamente
previsível tão logo se possa verificar que se tratam dos mesmos personagens em
anos distintos, na investigação de sua coerência constitutiva, esta mesma
obviedade torna-se um elemento positivo, visto que o filme é muito cuidadoso na
exposição reiterada de explicações intradiegéticas que a justificam.
A seqüência
em que o personagem Mark (Roney Villela), um senhor bem mais velho que as
demais pessoas que encontra numa ‘rave’, apresenta a sua definição para as drogas é fundamental neste sentido. Segundo
ele, as drogas (ou, para utilizar uma expressão menos careta, a cargo de Arnaldo
Baptista, “expansores da musculatura mental”) “não criam a partir do nada: elas apenas amplificam os anjos e demônios que
já estão dentro de nós”, o que nos leva a entendê-las, em nível prático,
como paroxismos da obviedade, seja no que tange às motivações predominantes de
consumo hodierno (o tédio intencionalmente introduzido pela economia capitalista,
por exemplo), seja no que diz respeito às suas conseqüências inevitavelmente desagradáveis
(as ‘bad trips’ e overdoses que surgem no filme), sem falar nas complicações
vinculadas à ilegalidade de seu tráfico. E tudo isso contribui para que “Paraísos
Artificiais” faça jus à pretensão taxonômica de seu título.
Dirigido por um cineasta estreante em ficção e cujo
trabalho anterior [o documentário “Estamira” (2004)] fora amplamente divulgado
e elogiado, menos por suas opções estéticas intrínsecas que pela desenvoltura
inaudita de sua personagem central, “Paraísos Artificiais” conquista a atenção
espectatorial mesmo quando elementos do filme parecem empurrá-la para um fastio
reativo, cuja trama padece não apenas de originalidade como de inventividade.
Escrito por três pessoas (Pablo Padilla, Cristiano Gualda e, entre eles, o
próprio diretor) e adaptado de um argumento enredístico estranhamento elaborado
por ainda mais escritores, o roteiro deste filme obtém êxito justamente quando
assume a referida obviedade e a conduz até um arremedo de final feliz, que é incoeso,
porém validado pela simpatia dos personagens.
Para além das precipitações
compositivas do adolescente Felipe (César Cardadeiro), Nathalia Dill (Érika) e
Luca Bianchi (Nando) apresentam bons desempenhos, estando ela muito melhor que
ele: se ela ostenta pelo menos três configurações personalísticas diferentes, a
depender do contexto etário, geográfico e emocional que enfrenta, ele satura a
variação mais contemporânea de seu personagem com uma propensão auto-vitimizante
que beira a antipatia, mas está muito competente no espaço-tempo fílmico mais
antigo, contribuindo bastante para sua difusão empática o uso bem-direcionado
de sua acachapante beleza física. E, em meio a eles dois (literalmente, no
plano sexual), Lívia de Bueno se destaca pelo carisma e também pela formosura,
não obstante sua personagem incorrer em muitos clichês compositivos de
propulsão pseudo-ataráxica, o mesmo servindo para o personagem de Bernardo Melo
Barreto. No geral, portanto, o trabalho de elenco neste filme é digno de
elogios moderados.
No que tange às suas qualidades técnicas, “Paraísos
Artificiais” rende-se à mediania pretensamente exuberante do “padrão Globo
Filmes de qualidade” em sua fotografia e trilha sonora: se, no segundo caso, os
temas musicais de Rodrigo Coelho reconstroem bem o universo ‘techno’ requerido pela
trama, no primeiro, o trabalho de Lula Carvalho nos alicia por causa dos contagiantes
enquadramentos carnais nas cenas da festa praiana, pela breve focalização de
elementos exógenos à estória, mas que são fundamentais para a justificação de
alguns estados mentais dos personagens [vide a rápida cena do acidente automobilístico,
que faz pensar num estratagema semelhante adotado, de forma muito mais
politizada, em “E Sua Mãe Também” (2001, de Alfonso Cuarón)] e por dois planos
celestes inspiradíssimos, em que a mostra de estrelas cadentes atravessando um
belíssimo céu noturno confere um estatuto moralista à relação especular entre
espectadores e personagens, como se gritasse para ambos: “aprendam a olhar para o mundo óbvio lá fora”!
Analisando o filme genericamente, não há necessariamente
uma ruptura entre a submissão ao objeto antropológico documentado do filme
anterior de Marcos Prado e esta sua nova faceta ficcional, mas sim uma
demonstração reiterada de direção abrandada, no sentido menos voluntário do
termo. Em ambos os filmes, é como se o diretor se mantivesse refém de movimentos
humanos internos, que são surpreendentes no filme prévio e abundantemente esquematizados,
em sua previsibilidade, no filme atual. Mas isto não impede que “Paraísos
Artificiais” seja um interessante documento de época, um testemunho da
vacuidade estrutural de uma geração que confunde mergulho psicodélico no
autoconhecimento com esperança de encontrar em substâncias lisérgicas industrialmente
sintetizadas e amplamente comercializadas os supridores vicários de suas
lacunas societais. E, se formos analisar o filme pelo prisma político, não
resta dúvidas de que ele se encaixa muito bem no status promovido pela Globo
Filmes: um retrocesso acelerado, porém disfarçado, pelas ferramentas epidérmicas
de sedução audiovisual.
Wesley
Pereira de Castro.
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