terça-feira, 26 de junho de 2012

PROMETHEUS ('Prometheus') EUA, 2012. Direção: Ridley Scott.

A maior parte das críticas entusiasmadas sobre o aguardado retorno do diretor Ridley Scott à ficção científica, gênero de seus dois melhores filmes, destaca positivamente o modo como ele recicla motes tramáticos de suas duas principais obras-primas. Ainda que os devaneios sobre (re)criação da vida oriundos de “Blade Runner, o Caçador de Andróides” (1982) sejam evocados – em especial, através da personagem de Charlize Theron – o diálogo mais efetivo de “Prometheus” (2012) é com “Alien, o Oitavo Passageiro” (1979), do qual fica parecendo uma preqüência na cena final. A assunção, durante os créditos de encerramento, de que o roteiro de Jon Spaihts e Damon Lindelof contém elementos baseados em extensões alienígenas dos personagens criados por Dan O’Bannon e Ronald Shusett explica muito sobre a concepção rítmica do filme, que, em mais de uma situação, se assemelha ao do clássico protagonizado por Sigourney Weaver.

Tal qual ocorre naquele filme, em “Prometheus”, os tripulantes da nave em que se encontra a personagem de Naomi Rapace vão sendo eliminados um a um, até que ela se torna a única sobrevivente humana. As diferenças entre ambos os filmes, entretanto, são bastante reveladoras de um cansaço estrutural por parte do diretor, que entope este filme mais recente com clichês de sobrevivência física que quase ultrapassam a verossimilhança ditada pelas convenções do gênero. Ou seja, o fato de a doutora Elizabeth Shaw ser submetida aos mais graves perigos e realizar as mais graves descobertas científicas e justamente ela conseguir fugir de personagens mal-intencionados, acidentes maquinais e ataques de criaturas desconhecidas parece forçado na segunda metade da projeção, mas, ainda assim, o filme é um afortunado alento na tendência predominantemente descerebrada que advém dos arrasa-quarteirões contemporâneos.

Tendo como ponto de partida descobertas espeleológicas que mesclam os desenhos recentemente encontrados na caverna Chauvet (no filme, atribuídos a uma caverna escocesa) a mistérios não-decifrados de pinturas rupestres das mais diferentes culturas, que, supostamente, teriam em comum a temática visual de um homem olhando para as estrelas, a doutora Elizabeth Shaw e seu cônjuge Charlie Holloway (Logan Marshall-Green) elaboram a teoria de que a raça humana teria sido criada por “engenheiros” que vivem num planeta distante centenas de quatrilhões de quilômetros em relação à Terra. Um rico empreendedor, interpretado por Guy Pearce, financia uma missão espacial em que dezessete tripulantes, a bordo da nave que intitula o filme, viajariam ao planeta identificado pelo casal de cientistas que elaborou a tese da engenharia extraterrestre para tentar entrar em contato com aqueles que seriam os criadores dos seres humanos e descobrir as suas intenções metafísicas.

Ao encontrarem evidências de que os tais criadores, de fato, existiram no planeta em que pousam, a tripulação da nave descobre que, aparentemente, eles foram extintos e que criaturas desconhecidas e condições atmosféricas árduas podem colocar suas vidas em risco. Conforme mencionado anteriormente, com exceção da doutora Shaw e do andróide interpretado por Michael Fassbender, todos os passageiros são mortos – alguns assassinados, outros sacrificados em prol da sobrevivência do planeta Terra, conforme opta o piloto Janek (Idris Elba), numa cena muito convincente do ponto de vista dramático. Mas, antes de voltar aos enigmas científicos elaborados pelo filme, convém analisar os personagens e/ou tipos que compõem a tripulação de Prometheus.

 Construído à semelhança dos humanos e quase onipresente no filme, o andróide David justifica comparações com o famoso robô cinematográfico HAL-9000 por causa da pane gnosiológica a que é submetido à medida que a trama evolui: apaixonado pelo épico “Lawrence da Arábia” (1962, de David Lean), do qual extrai vários jargões dialogísticos bem utilizados pelo roteiro, David desenvolve uma personalidade cada vez mais assemelhadas à curiosidade humana, investigando o planeta no qual a nave pousa por conta própria, escondendo informações dos demais tripulantes, realizando experiências perigosas que põem em risco a vida dos seres humanos ao seu redor e, afinal, revelando-se programado pelo bastante idoso Peter Weyland, financiador da viagem e pessoalmente interessado em encontrar com os “engenheiros” aludidos na teoria dos cientistas Shaw e Holloway. Um detalhe interessante é que a primeira aparição do personagem de Guy Pearce é precisamente uma projeção holográfica ao som da trilha sonora célebre que Jerry Goldsmith realizou para o filme que Ridley Scott dirigiu em 1979, escancarando os pontos de contato entre ambas as produções.

Os experimentos de David, entretanto, ocasionam a morte de Holloway por contaminação com formas orgânicas desconhecidas, o que impulsiona os desentendimentos entre a imponente e egocêntrica Meredith Vickers, filha não-assumida de Weyland, e os demais tripulantes da nave, que não compartilham da devoção da doutora Shaw à sua crença revezada com o cristianismo herdado do pai, também cientista, morto por contato com o vírus Ebola. E, neste ciclo de questionamentos científicos apenas ensaiados, chamam a atenção tanto a indiscrição crescente de David sobre a decisão da cientista Elizabeth de embasar suas formulações epistêmicas naquilo em que escolheu acreditar quanto a insistência desta última em descobrir os fundamentos exógenos da concepção humana e o motivo que levou os “engenheiros” a quererem destruir o planeta em que vivemos, destruição esta cujas hipóteses são apenas esboçadas pelo filme, tendente a uma nova franquia de continuações, deixando em aberto a explicação para a cena de suicídio extraterrestre que é mostrada em seu belo prólogo.

Numa análise mais geral, pode-se reclamar que “Prometheus” é bem menos existencial do que os louvores superestimados de sua publicidade deixam pressupor: na verdade, o grande mérito do filme é conduzir o suspense científico (e físico) sem abdicar da inteligência, detendo-se muito mais pressupostos interrogativos do que em respostas internas, que nem sempre são satisfatórias diante dos rumos filosóficos que o filme poderia adotar, mas rejeita em prol de cenas de ação extremamente elaboradas e adequadamente musicadas por Marc Streitenfeld.

A fotografia de Dariusz Wolski é muitíssimo boa tanto nas cenas espaciais quanto nas cenas em terra e no interior da nave, e os efeitos visuais, principalmente aqueles relacionados à criatura que estava sendo gerada no ventre da doutora Shaw, são excelentes, mas o filme ficou devendo uma abordagem enredística mais adulta, deixando-se contaminar pelas exigências entretenedoras do fetiche industrial-cultural em terceira dimensão. Mas é deveras satisfatório saber que Ridley Scott está de volta a um gênero que não apenas conhece muito bem como redefiniu por completo na década de 1980. Os fãs e exegetas de “Alien, o Oitavo Passageiro” agradecem!

Wesley Pereira de Castro.

2 comentários:

Michelle Henriques disse...

Wesley, como sempre, gostei muito do seu texto e ele expressou exatamente o que eu senti ao ver o filme. Foi muito bom ver todo aquele clima de "Alien" novamente. E de novo, com ótimos atores!

Beijos!

Gomorra disse...

Faço minhas as nossas palavras empolgadas! (risos)

pena que o filme desanda um tanto do meio para o final, ao contrário do original.

WPC>