Apesar de não ser um ótimo filme, “O
Orfanato” (2007) tinha como principais méritos a boa direção de atores, a sustentação
inspirada de um clima de tensão e a estréia em longa-metragem de um diretor que
prometia ser uma das bem-vindas anexações à renovação do horror hispânico que
tem em Guillermo Del Toro (produtor executivo do referido filme) e Aléx de la
Iglesia dois dos nomes hodiernos mais relevantes. “O Impossível”, encargo
posterior do mesmo diretor, não apenas destoa como é muitíssimo decepcionante
no que tange à percepção dos talentos outrora aventados do realizador Juan Antonio
Bayona.
Ao contrário do que aconteceu no filme anterior, em que os espaços
físicos eram minuciosamente respeitados, até mesmo por conta da relevância titular
dos mesmos, em “O Impossível” um dos elementos que mais saltam negativamente
aos olhos, ouvidos e cérebro do espectador é a proliferação de elipses
classistas que obliteram as razões socioeconômicas da pletora de estrangeiros
entre os afligidos pelo tsunami que atingiu o litoral tailandês em 26 de dezembro
de 2004: a extrema especulação turística sobre o local e o desconhecimento imaginado
dos hóspedes estrangeiros em relação às particularidades ambientais do lugar são
suplantadas pelo roteiro de Sergio G. Sánchez a fim de que as impressionantes
agruras e sofrimentos enfrentados pela rica família branca e britânica Bennet, filmicamente
concebidos a partir de um argumento biográfico da sobrevivente Maria Belon,
sejam priorizados em relação ao desespero anônimo das centenas de famílias
desfeitas (inclusive, tailandesas) focalizadas através de reiteradas tomadas em
‘plongée’.
Não obstante ser uma co-produção espanhola, “O Impossível” é um
filme balizado pelo sadomasoquismo
técnico que justifica a supremacia quantitativa dos investimentos
hollywoodianos em relação a outras cinematografias mundiais!
Ainda que a breve (e, nalguns aspectos,
surpreendente) participação de uma muito envelhecida Geraldine Chaplin permita
o direcionamento dalguns panegíricos desculpados ao filme, no sentido de que a
associação do título do mesmo à dificuldade inicial em saber quem permanece
vivo e quem morre durante uma tragédia é inteligente, “O Impossível” insiste em
render-se ao que de mais cruel poderia ser engendrado a partir daquele enredo,
mobilizando o público a torcer por focalizações atrozes de ferimentos ou pelas
repetições oportunistas de imagens da correnteza marítima que se seguiu ao
tsunami mencionado.
Por este motivo, a direção de Juan Antonio Bayona faz
péssimo uso de uma montagem exageradamente entrecortada (a cargo de Elena Ruiz
e Bernat Vilaplana), abusa da horrenda trilha sonora xaroposa (e quase
onipresente) de Fernando Velázquez, fica refém de efeitos visuais que não podem
ser descritos como abaixo de muitíssimo eficientes e desperdiça as capacidades
actanciais de ótimos intérpretes como Naomi Watts e Ewan McGregor, que pouco
podem fazer em relação aos papéis sem legítimas inspirações dramáticas que
ficaram a seus cargos. Ou seja, apesar de o filme ser categorizado como drama, os
clichês familiares mais rasos e as imagens exuberantes de destruição são muito
mais importantes para a equipe produtiva que as reações humanas acerca do que
estava acontecendo ao redor dos personagens...
Por mais de um motivo, a atuação do garoto
Tom Holland e, principalmente, a composição de seu personagem Lucas Bennet merecem
um comentário denegrido especial, no sentido de que, desde a primeira aparição
em cena, ele se demonstra como um pré-adolescente egoísta, sarcástico e
tendente à misantropia, mas que, por funções inconvincentes e caras à manipulação
emotiva mais vergonhosa, é elevado à condição de motivador salvacionista, de
agente de reencontro não apenas dos seus entes familiares mas dos pais e filhos
internados em um hospital improvisado, angustiados para saber das condições
vitais de seus parentes. A forçação de barra heróica relacionada a este
personagem juvenil entoja os membros da platéia do filme, especialmente quando associada
aos elementos técnicos desagradáveis (trilha sonora, montagem, atuações) já
mencionados.
Para que não se diga que “O Impossível” é
um desastre completo – no intento
mais proposital do trocadilho – deve-se mencionar que as boas imagens subaquáticas
do primeiro quartel do filme são bastante funcionais na arquitetura de um clima
de suspense antecessor às imagens do fenômeno natural fetichizado pela
produção. O compêndio de situações triviais que deixam entrever a catástrofe
vindoura (as páginas de um livro sendo levadas por uma corrente de vento, um liquidificador
que subitamente pára de funcionar, pássaros voando estridentemente) foi muito
bem explorado pelo diretor, que, nos minutos iniciais, parecia levar à frente
as qualidades condutivas de seu filme anterior.
Infelizmente, ele preferiu as
benesses de um suposto sucesso de bilheteria à valorização de sentimentos
reais, incutindo a legitimação do sadomasoquismo espectatorial como traço característico
dos audientes massificados. Financeiramente falando, “O Impossível” é mais do
que possibilitado: é induzido pelo ‘studio system’ global!
Wesley Pereira de Castro.
Crítica super pertinente, não lembro muito de 'O orfanato' mas sei que não gostei do filme em geral... Crianças espanholas sofrendo num contexto de guerra... era isso? Enfim...
ResponderExcluirO impossível, parece ter fisgado a grande plateia, veja as pedras que estamos recebendo no filmow, kkkk
O filme é horrível, mas que bela essa Naomi! Quando lembro do filme, só me vem o seu rosto à mente. Bela escolha de atriz principal, ponto pra eles! kkk
Esse menino Tom Holland funciona como o calcanhar de Aquiles dessa palhaçada, para alguns realmente um herói, para outros um porquinho mirim, rsrsrs
Mas é isso, os defensores bobinhos do filme achando que a estória é pra eles, pois se veem loiros e ricos, continuarão pondo o filme lá em cima, e a vida segue...
Américo
O filme em si é triste e trágico. Para o bom entendedor...
ResponderExcluirEspantoso mesmo é que insistam em defender o filme por aquele que ele tem de nais fraco e falso: a suposta conexão com a trama real que o inspirou...
ResponderExcluirMas sigamos em frente no enfrentamento desta bizarra tragédia espúria, amigos queridos!
E sim, Américo, o filme é mais ou menos assim, mas acho que tu o estás confundindo com A ESPINHA DO DIABO, muitíssimo superior. O maior problema de O ORFANATO é que fica á mercê das pérolas do Guillermo Del Toro.
WPC>
"a suposta conexão com a trama real que o inspirou..." EXATAMENTE !!
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