quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

UMA CERTA TENDÊNCIA DO CINEMA SERGIPANO?


Para além das diversas outras atividades e eventos realizados ao longo do dia, a noite de 26 de dezembro de 2012 ficará marcado para alguns espectadores como o dia em que foram lançados mais alguns curtas-metragens que, talvez, erijam a nova geração de cineastas ou videastas sergipanos. Agraciados por um edital público de financiamento estatal, cinco produções foram apresentadas na referida noite, numa cerimônia que se iniciou com pelo menos uma hora de atraso. Antipatias pessoais e conhecimento prévio acerca das limitações teóricas ou presunções exacerbadas de alguns dos envolvidos na produção destes curtas-metragens levaram algumas personalidades criticamente influentes a negarem-se ostensivamente a ver os mesmos, ao passo em que eu, por estar imbuído da necessidade cinefílica de avaliar o que está sendo produzido no Estado em que resido, dispus a ver pelo menos quatros dos cinco filmes apresentados. Recusei-me a ver o último por causa da bazófia de seu realizador em alegar que o corte de 15 minutos então exibido foi uma imposição que ia de encontro às suas pretensões criativas, de modo que uma “versão do diretor” seria exibida noutra data e aquilo que estávamos prestes a conferir era apenas uma “mostra” do seu trabalho. A própria configuração terminante do evento negava a justificativa do diretor para a insatisfação em relação à duração instituída pelo edital para o seu curta-metragem, de modo que isso feriu a minha sensibilidade espectatorial: levantei-me audaciosamente da sala e, se for o caso, deixo para ver o documentário sobre o Hotel Palace quando ele estrear do modo que o diretor achar conveniente. Mas, por ora, vamos a algumas considerações pessoais prévias acerca do que foi visto:


  • ·         “Luzeiro” (2013, de Raphael Borges): oficialmente, este filme a ser lançado apenas em janeiro do ano vindouro padece de um problema similar àquele que justificou o meu boicote íntimo ao último filme, mas o comentário de uma amiga de que ele seria “uma obra-prima” (palavras dela, juro!) levaram-me a desafiar uma idiossincrasia e quase me arrepender de tê-lo feito. Na trama do filme, os habitantes de um povoado do município de Lagarto ficam ansiosos com a instalação de fiação elétrica em sua localidade, de modo que um agricultor em particular, cuja família trabalha com produtos alimentícios derivados da mandioca, declara publicamente o seu sonho de ter uma televisão de plasma. Declara publicamente o seu intento de comprar o referido eletrodoméstico, enquanto a trama passa a acompanhar as promessas políticas de um candidato em campanha pela reeleição como prefeito, que, em seus momentos mais tragicômico, no sentido mais lancinantemente anti-democrático do termo, faz pensar em "Terceiro Milênio" (1981, documentário antológico e pouco visto de Jorge Bodanzky & Wolf Gauer).  O desfecho do filme é um anticlímax proposital, em que o candidato assegura ao agricultor que ele disporá da energia elétrica necessária para a utilização de sua televisão de plasma. A idéia é original, a crítica é bem-feita (ao menos, em teoria), mas algo prejudicou a desenvoltura do filme. Talvez o fato de esta não ser a montagem oficial do curta-metragem, mas aí é outra história: por ora, falo apenas do que vi...;


  • ·         “Tudo Vai Ficar Bem” (2012, de Cleiton Lobo): sem dúvida, o grande chamariz publicitário-quantitativo do evento, este filme chamou previamente a atenção de muitos dos interessados por causa de sua temática homossexual e parabiográfica. A partir de um roteiro de Cláudio Pereira, acompanhamos o idílio romântico de um casal ‘gay’ ser interrompido pela morte de um deles, que exerce a função de professor universitário, supostamente assassinado pelo pai do sobrevivente, definido como “uma figura emblemática” pela sinopse do filme que foi lida antes do início da sessão. Ao final, a angústia progressiva do pai, afligido tanto pelo que parece ser um sentimento de culpa (teria sido ele o assassino do genro?) quanto pelas dificuldades de comunicação com seu filho, destaca-se – inclusive pelo fato de a atuação de Flávio Porto ser meritória – mas o curta-metragem é amplamente prejudicado pelas atuações excessivamente empostadas  de Carlos Augusto de Lima e Leandro Handel, atreladas a uma afetação que pode ter provindo tanto da experiência teatral prévia de ambos os intérpretes quanto por uma apreensão equivocada do tom dramático conferido pelas poesias de Fernando Pessoa que são lidas na narração inicial. Apesar de um ou outro esforço directivo (a insistência na câmera subjetiva, por exemplo), os resultados desagradaram: entre as pessoas que consultei, foi quase unânime a decepção em relação ao filme, que, num vaticínio pessoal direcionado ao diretor, periga ser muito mais lembrado pelo demorado beijo entre dois homens que por suas características audiovisuais num futuro próximo;


  • ·         “Aracajoubert” (2012, de Jade Moraes): documentário sobre o talentoso artista plástico Joubert Moraes, que, por acaso, é pai da diretora e roteirista, mas que, ao invés de incorrer num problema, assume-se como uma grande virtude, visto que a intimidade com que ela conduz as entrevistas com personalidades importantes da cena cultural sergipana de décadas anteriores é muitíssimo bem-vinda (vide, por exemplo, a ótima declaração de Ilma Fontes, acerca da tendência ‘up to date’ de seus companheiros intelectuais de geração). Além de apresentar com louvor fotografias que mostravam o vigor da juventude – tanto pessoal quanto artística – do pintor, sua filha faz questão de mostrá-lo em plena atividade, cantando ao lado de alguns parceiros musicais hodiernos, em relação aos quais ele é tratado como um padrinho, e diante de suas criações pictóricas, sendo comparado por uma admiradora pessoal a um não-renascentista. O detalhe: uma das funções precípuas de um documentário (apresentar um tema real a um público que porventura o desconhece) foi cumprida à risca, de modo que não apenas ouvi de várias pessoas o interesse de conhecer melhor a obra do artista como, no local em que estávamos, O Museu da Gente Sergipana, deparamo-nos com um belo quadro do pintor, analisado já á sombra das declarações emocionadas que vimos no filme. Gracioso e funcional, portanto: vale a pena ser mais bem conhecido!;


  • ·         “Caixa D’Água – Qui-Lombo É Esse?” (2012, de Everlane Moraes, mostrado em foto): já havia tido acesso a algumas imagens iniciais de uma pré-montagem da diretora, num debate em que a mesma expôs a grandiosidade antropológica e mnemônica de seu projeto, mas surpreendi deveras com a qualidade da versão final. Não apenas o filme resolveu muito bem a conjunção entre uma linguagem poética e, ao mesmo tempo, preocupada com a oralidade dos depoentes como algumas soluções estilísticas mui criativas (uma animação durante a narrativa da fundação espontânea de um cemitério infantil, projeções fotográficas sobre o corpo da própria diretora e de um ator, superposição de vozes, etc.), o teor bakhtiniano da narrativa documental impressiona pelo respeito aos moradores da comunidade onde a própria diretora vive, sendo que o curta-metragem é ainda agraciado por trechos antológicos de uma apresentação do cantor e compositor Irmão num programa da TV Aperipê, em que o artista cunha o neologismo “sofreviventes” para referir-se aos quilombolas. Emocionante e muito realizado: de longe, o melhor da longe e uma das produções mais interessantes do panorama audiovisual sergipano!

Ao término deste último curta-metragem, conforme já disse, saí da sala exibitória e fui interagir com os presentes no local, coletar mais opiniões, cotejar com minhas próprias impressões e pensar numa maneira de responder modestamente ao que é perguntado no título desta postagem, em referência cínica a um polêmico artigo do então crítico de cinema François Truffaut. Pensando bem, é muito cedo para responder qualquer coisa: ainda é necessário ler, ver e ouvir muita coisa sobre cinema aqui em Sergipe, mas, por ora, talvez eu precise admitir que um passo importante foi dado nesta noite. O problema é que, infelizmente, a grande maioria dos passantes não conhecem direito as dimensões ou para que servem os seus pés cinematográficos...

Wesley Pereira de Castro. 

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