segunda-feira, 17 de junho de 2013

UMA OUTRA TENDÊNCIA DO CINEMA (E/OU DO VÍDEO) SERGIPANO?

Recentemente, a Secretaria do Estado da Cultura do Estado de Sergipe divulgou os nomes dos cinco contemplados por um importante Edital de apoio à produção de curtas-metragens. Dentre os realizadores laureados com o financiamento de R$ 30.000,00 para as suas produções, alguns foram citados num texto publicado no final do ano de 2012, em que supostas tendências estilísticas eram indagadas acerca dos artistas envolvidos, no que tange à consolidação de características comuns à cinematografia sergipana hodierna...

 Na noite de 17 de junho de 2013, o lançamento do livro “Existencialismo e Crítica no Cinema: estudo e teoria sobre a Fenomenologia na base de André Bazin e Merleau-Ponty”, do comunicólogo Mauro Luciano de Araújo, trouxe de volta ao cerne das atenções o questionamento anterior: a exibição de três filmes de ascendência sergipana realizados em 2013, como complemento à palestra do autor do livro, possibilitou um breve debate sobre aquilo que diferenciaria a linguagem estritamente videográfica de alguns filmes das pretensões cinematográficas mais amplas de outros. Cabe aqui uma análise das produções vistas, a fim de continuar a discussão:

 • “A Eleição é uma Festa” (2013, de Fábio Rogério): pondo em prática o que o palestrante chamou de “uma continuidade na pesquisa documental”, com verve coutiniana, este filme registra momentos significativos das campanhas políticas de dois candidatos a vereadores sergipanos, ambos tendo obtido menos de duzentos votos, apesar de afirmarem que seriam agraciados com pelo menos um milhar. Um dos candidatos, apelidado Robin, vestia-se como o super-herói em pauta e defendia um projeto político que conciliava a garantia de seriedade e a devida contrapartida humorística em sua propaganda eleitoral televisiva. Acompanhamo-lo dançando nas ruas da capital sergipana, conversando e abraçando transeuntes e alegando que a faceta hodierna da democracia é problemática por cinta de seu sobejo de liberdade declarativa. O outro, Batman, tem menos tempo em cena, e é comumente mostrado falando ao celular (com a máscara semi-levantada, o que cria um efeito visual interessantíssimo), jogando sinuca com potenciais eleitores e deitado num colchão, enquanto ouve os resultados da apuração eleitoral. Ambos são bastante respeitados, em suas limitações discursivas, pelo realizador, que, brilhantemente, os capta em momentos de encantatória intimidade, engendrando enquadramentos magníficos, inclusive um deles em que Robin dança com familiares, com a câmera localizada próxima ao chão, enquanto um cachorro atravessa a festividade exibida na tela. Tecnicamente, portanto, o filme é indefectível, não atingindo a categoria de obra-prima apenas por conta de uma montagem composta por telas negras que entremeiam bruscamente os dois personagens mostrados, sendo ambos vinculados a coligações partidárias opostas, e por causa de uma tentativa de entrevista interna que expõe exageradamente as contradições do depoimento de Robin, configurando uma postura assimétrica em relação à quadratura muito bem conduzida do restante do curta-metragem. Absolutamente extraordinário e digno de elogios e aplausos demorados mesmo assim. A informação de que o filme está concorrendo em diversos festivais nacionais e internacionais só enche de orgulho a possibilidade de uma vinculação dos méritos deste filme a uma tendência documental sergipana, em relação à qual o próprio diretor Fábio Rogério contribuirá com a realização do projeto do filme “Operação Cajueiro, um Carnaval de Torturas”, contemplado com louvor no Edital mencionado no primeiro parágrafo;

 • “Dream Sequence #3” (2013, de Alessandro Santana): embasado num rico arcabouço filmográfico experimental consumido enquanto referência para o realizador, este filme não foi suficientemente exitoso em sua comunicação com o público. Sendo o desbunde e o sarcasmo estratagemas básicos da produção em Super-8 que ele homenageia, o início promissor deste curta-metragem (em que a apresentação de uma orquestra sinfônica era filmada à distância, a partir de um dado ponto da platéia, logo substituída por algumas imagens hollywoodianas de frenesi feminino) dá vazão a um longo plano-seqüência propositalmente desfocado, em que fios elétricos e captações em movimento na janela de um automóvel são sonorosamente superpostos por uma narração demorada de um hipnólogo com voz similar à de José Mojica Marins, que sugere que o espectador relaxe e durma, numa provocação deveras programada às criticas espectatoriais de que o filme seria soporífero. A posteriori, imagens da cidade de Brasília são mostradas, numa perspectiva crítico-irônica que muito se assemelha a uma produção anterior co-dirigida pelo mesmo realizador, comentada aqui. Não obstante tais similaridades indicarem positivamente uma continuidade discursiva da apreensão cuidadosa das referências marginais de que o diretor se vale (vide a cena em que uma barata agonizante parece estar dançando o Hino Nacional Brasileiro ou a marchinha projetada em disco de vinil arranhado que encerra o curta-metragem), o filme soçobra nos objetivos supostamente identificados pela platéia, os quais foram rechaçados pelo realizador, em resposta a um dos espectadores, quando disse que realizou o filme para si mesmo, como algo que ele sente vontade de ver. Os recursos oníricos e o discurso ostensivamente interrompido do filme, cujo título provocativamente anglofílico, servem então para o deleite pessoal do realizador. Ok, então...;

 • “Paisagens” (2013, de Mauro Luciano): amigo e colega de Alessandro Santana há vários anos, o diretor, que também é o autor do livro cujo lançamento propiciou a exibição de tais filmes, compartilha com o mesmo vários traços estilísticos, os quais, em resposta à pergunta de um dado membro da platéia, mencionada no parágrafo anterior, estariam muito mais vinculados a uma “estética da videoarte, da videoinstalação” que a uma tendência cinematográfica sergipana propriamente dita, o que explica o rótulo de ‘Made in Brazil’ contido no derradeiro crédito do filme, que se serve de imagens filmadas em cidades baianas, em praias sergipanas e até mesmo no Vaticano! Dedicado a uma graciosa mulher, com quem o realizador desenvolve uma relação afetiva, o filme é lancinado por um corte radical em sua duração: na primeira metade, as diversas paisagens marítimas e arbóreas filmadas servem a uma espécie de exaltação natural que corroboram a mitologia da geologia imagética atribuída a um filme do canadense Michael Snow [“A Região Central” (1971)], ainda não visto pelo autor desse texto. A segunda metade do filme, entretanto, que inverte o percurso das grandes navegações européias dos séculos XV e XVI e parte de Abrolhos e Porto Seguro, na Bahia (Estado natal do realizador) para a Europa, encerrando com uma cínica citação do Conde de Lautréamont, contida em “Os Cantos de Maldoror” (1869): “Ó ser humano! Eis-te agora, nu como um verme, diante do meu gládio de diamante! Abandona teu método; passou o tempo de te fingires orgulhoso; lanço sobre ti minha oração, em atitude prosternada. Alguém observa os mínimos movimentos de tua vida criminosa; estás envolvido pelas malhas sutis da tua perspicácia encarniçada”. O que quis o diretor com isso? Talvez não tenha ficado claro, nem tampouco cabe ao realizador explicar (e, por extensão, retirar a magia e o mistério das descobertas dialogísticas proporcionados pela platéia) as nuanças minuciosas de seu discurso, o que, do jeito como foi mostrado, soou presunçoso, “uma idéia fora do lugar” (para utilizar uma provocativa expressão de Roberto Schwarz), algo que, na tela, foi bem ilustrado pela fotografia idílico-clorofilática e pela trilha sonora que emenda Elizeth Cardoso solfejando “Manhã de Carnaval” e uma peça suave de Frédéric Chopin. Muito bonito, claro, mas conteudisticamente duvidoso (ou melhor, propositalmente paradoxal, conhecendo-se a inteligência e o senso de humor do realizador).

 Ao fim, palestra e debate serviram para alimentar ainda mais a interrogação que percorre os diversos artigos sobre a emergência tendenciosa de um certo cinema sergipano, que, para aproveitar a deixa paródica contida nesta expressão, advinda de um célebre e polêmico artigo do então crítico François Truffaut (1932-1984) contra a subestimação de alguns roteiristas de seu país em relação à inteligência política de seu público, se perguntava publicamente: “qual é, então, o valor de um cinema antiburguês feito por burgueses e para burgueses?”. As tentativas autorais de consolidação cinematográfica (e videográfica) no Estado brasileiro cuja capital é Aracaju levam à frente esta interrogação e, eventualmente, oferecem alguns oportunos pontos de exclamação frente à mesma. Que os projetos vindouros completem a trama já iniciada. Por ora, o debate requer mais participantes. Mas os méritos (e deméritos) de alguns pioneiros saltam aos olhos. Cabe a cada classe ou grupo ou segmento ou espectador solitário escolher aqueles que melhor lhes representam...

 Wesley Pereira de Castro.

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