terça-feira, 20 de outubro de 2020

A ROSA AZUL DE NOVALIS (2019, de Rodrigo Carneiro & Gustavo Vinagre)



Apesar das vicissitudes, quando tu morres, triunfas enquanto idéia”: na situação em que pronuncia o veredicto acima, o ator Marcelo Diorio – entrevistado ao longo de cabalísticos 69 minutos – narra alguns percalços da cantora Nina Simone (1933-2003), que, ao falecer, foi dotada de um halo positivo que encobriu as incongruências inevitáveis de seu percurso na Terra. A morte tem este poder hagiografizante. Por isso, “sou um necrófilo”, confessa o ator, eternizado depoimentalmente num dos filmes brasileiros mais radicais do século XXI…


Extremamente bem-resolvido com a sua própria sexualidade, o protagonista rememora situações opressivas em seu núcleo familiar mais tenro: relata que a sua consolidação enquanto “bichona” corresponde exatamente àquilo que sua avó temia que ele se tornasse e compartilha que o maior desgosto de seu pai era que o filho apreciasse o ato de “dar o cu”. Obviamente, os integrantes masculinos de sua família eram adúlteros, e ele encontra em seu irmão mais novo um inusitado conforto: obteve transas incestuosas prolongada por vários meses, até que este faleceu precocemente, num acidente automobilístico. No porta-luvas do carro, dois exames de gravidez efetuados por diferentes namoradas do falecido...


Ao narrar estas anedotas familiares, Marcelo não utiliza um tom acusatório, mas de compreensão aberta das hipocrisias legitimadas por uma sociedade machista e classista. Não por acaso, logo em seguida, ele apresenta-nos aos seus parceiros em aplicativos eletrônicos para obtenção de sexo fugaz: um dos rapazes é podólatra; outro urina sobre ele; um terceiro ejacula em seu rosto, numa alusão litúrgica ao poeta alemão Novalis [1772-1801], obcecado pela rosa azul do título.


As utopias perderam o sentido na contemporaneidade? Essa talvez seja a questão mais elementar deste filme-ensaio primoroso, que defende a sexualização como traço elementar do cotidiano saudável. Mesmo para quem tem AIDS, inclusive. A saúde defendida pelo filme é de outra esfera: transcendental e holística!



Wesley Pereira de Castro.

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