domingo, 18 de outubro de 2020

* Mostra SP 2020: KUBRICK POR KUBRICK (2020, de Gregory Monro)


 No prefácio do livro "Conversas com Kubrick", do crítico francês Michel Ciment - lançado no Brasil numa edição deslumbrante (e muito cara) da editora Cosac Naify - o cineasta Martin Scorsese escreve: "assistir a um filme de Kubrick é como ver o cume de uma montanha a partir do vale. Nós nos perguntamos como alguém pôde subir tão alto". Procede! E o livro é exemplar ao desvendar este deslumbramento a partir da transcrição de várias conversas entre o crítico e o diretor, além de entrevistas com alguns de seus colaboradores... 


Como se sabe, o norte-americano exilado na Inglaterra Stanley Kubrick [1928-1999] faleceu antes do lançamento de seu derradeiro filme, "De Olhos Bem Fechados" (1999), que foi recebido de maneira pouco elogiosa por muitos críticos. E, conforme Michel Ciment faz questão de frisar, a incompreensão imediata era a tônica de vários dos contatos com as obras-primas realizadas pelo diretor, que realizou pouco mais de uma dezena de longa-metragens em seus anos de atividade. Seria interessante conferir tudo isso num documentário televisivo? 


Felizmente, a resposta é sim. Apresentando o material audiográfico cedido pelo próprio Michel Ciment, que é consultor técnico do filme, ouvimos as conversas entre crítico e cineasta, sendo que esta último demonstra-se bem distante do perfil irascível que costumam atribuir a ele. "Não dá para ser amigo íntimo de Stanley Kubrick", comenta o crítico, num comentário ao seu grau de proximidade com o diretor, mas o que ele consegue é brilhante: depoimentos valiosos!



Num dos melhores momentos, Stanley Kubrick explica que não gosta muito de conceder entrevistas porque isso lhe obrigaria a proferir resumos espirituosos de seus filmes, o que lhe desagrada. Ao mencionar quais seriam os temas genéricos das obras mais famosas, Michel Ciment dispara sobre "Laranja Mecânica" (1971): "é sobre violência", ao que o diretor corrige: "é sobre as estruturas sociais do futuro". Procede, mais uma vez! Quem discordaria do gênio?



O documentário, portanto, é despretensioso: em sua curta duração, ele apresenta a fase inicial da carreira do cineasta, ainda como fotógrafo, na revista "Look"; comenta as cenas de alguns filmes famosos, mediante a audição das lembranças de filmagem e pré-produção do próprio Stanley Kubrick [com destaque para o que sabemos sobre o controverso "Barry Lyndon" (1975)]; dispõe vários objetos icônicos dos filmes do realizador num cenário assaz reconhecível; e emociona-nos ao mostrar gravações familiares do cineasta, bastante sorridente, desde a infância. É um ótimo complemento a um livro já bastante completo. Definitivo, aliás! 



Em "Conversas com Kubrick", Michael Ciment escreve: "Quando tantos artistas contemporâneos têm regularmente uma recepção favorável e conveniente, por se repetirem, Stanley Kubrick não conseguiu sequer a unanimidade 'post mortem'. É a prova, com certeza, de que ele continua mais vivo do que nunca". Por motivos óbvios, nas entrevistas gravadas pelo crítico, "De Olhos Bem Fechados" era ainda um projeto vindouro. Mas o diretor já antecipava e explicava o seu interesse em adaptar o livro do austríaco Arthur Schnitzler, "Breve Romance de Sonho", escolhido dentre as inúmeras obras literárias com que teve contato. Para quem é (ou não, se é que é possível) fã do cineasta, este documentário é um precioso memento! 



Wesley Pereira de Castro. 

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