sexta-feira, 11 de junho de 2021

Netflix: AWAKE (2021, de Mark Raso)


Sinopticamente, este filme possui chamarizes similares aos de "Fim dos Tempos" (2008, de M. Night Shyamalan), no que tange ao potencial de observação acerca de como os tênues filamentos sociais rompem após a eclosão de um evento repentino, que faz com que os aparelhos eletrônicos não mais funcionem. Entretanto, há dois elementos diferenciais neste roteiro: um deles diz respeito ao mote titular, visto que as pessoas não conseguem dormir, o que acelera a mortandade inerente a qualquer contexto para-apocalíptico; o outro coaduna-se a um automático chavão motivacional, que é o amor abnegado de uma mãe por seus filhos. Por que automático? Porque a relação familiar em pauta era bastante disfuncional antes do acontecimento desorganizador, de modo que os exageros actanciais de Gina Rodriguez soam forçados no modo pouco sutil como o filme despeja as suas crenças ideológicas... 



De antemão, o maior problema do roteiro está no modo como ele naturaliza as intervenções bélicas dos Estados Unidos da América em outros territórios: quase todos os personagens mencionam as atividades estrangeiras de alguém que serviu ao Exército, e isso só é questionado após a instauração da anomia, quando o próprio treinamento para a guerra engendra os suicídios e homicídios paranóicos que abundam no filme. Para isso, contribui tanto o tecnicismo dos ensinamentos sobrevivenciais da protagonista Jill para a sua filha Matilda (Adriana Greenblatt), que recusa-se a aprender a atirar dentro de uma biblioteca, quanto a sugestão proferida por Dodge (Shamier Anderson), que alega que todos os livros deveriam ser queimados, pois as informações neles contidas possuem o caráter de doutrinamento geracional. Parecem questões secundárias, mas tudo isso evidencia a indecisão moral do enredo, que defende a manutenção da família como instituição a ser defendida a todo custo, mesmo que isso incorra na desobediência constitucional. 



Ao escolher precipitadamente o seu ponto de inflexão condutiva, o filme desperdiça tanto o impacto dramático e científico das situações apresentadas quanto o talento de Jennifer Jason Leigh, subaproveitada como a dra. Murphy. Tecnicamente, o filme é esforçado: a direção tenta reproduzir os planos-seqüências frenéticos de "Filhos da Esperança" (2006, de Alfonso Cuarón) - conforme foi notado por vários críticos - e os efeitos audiovisuais indutores de tensão são deveras efetivos. Porém, a construção dos personagens é insatisfatória, de modo que não conseguimos nutrir uma simpatia específica pelos protagonistas, o que faz com que dispersemos a atenção na metade final, quando o filme sucumbe a desagradáveis clichês subgenéricos. Infelizmente, é uma produção sem alma ou pretensões autorais, que chafurda em sua própria celeridade: passa tão rápido porque é parecido demais com outras obras, mas sem o elã cinematográfico que justifica as supracitadas referências! 



Wesley Pereira de Castro. 

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