sábado, 7 de agosto de 2021

Disney+ : LUCA (2021, de Enrico Casarosa)


 A seqüência de abertura permite que reconheçamos de imediato o estilo do diretor: o passeio noturno de barco possui o mesmo bucolismo do já clássico curta-metragem "La Luna" (2011). Entretanto, o enredo logo anuncia sua especificidade: o personagem-título é um garoto íctico, que vive no fundo do mar e é temido como fera pelos marinheiros que eventualmente o vislumbram, quando ele passeia pela superfície. Luca (magistralmente dublado por Jacob Tremblay) desempenha atividades como latifundiário submarino, cuidando dos peixes de sua família, mas sente-se inadequado, deseja conhecer outros lugares. Ele estranha a quantidade de objetos que caem das embarcações, mas seus pais recomendam-no enfaticamente que ele evite emergir. Até que, num encontro casual, ele afeiçoa-se ao jovem Alberto (Jack Dylan Grazer), que explica-lhe que eles são capazes de uma conveniente mutação: quando secam os seus corpos, tornam-se humanos. É a deixa que Luca precisava para pôr em prática os anseios por liberdade que sentia refreados em suas atividades diuturnas... 


Como ocorre na maioria das animações infantis dos Estúdios Disney, o desenvolvimento dos personagens principais está relacionado à desobediência das ordens paternas, geralmente condicionadas pelo medo. Da mesma maneira, a fruição espectatorial depende de uma série de convenções genéricas, que induzem-nos a ser bastante tolerantes quanto às lacunas da lógica diegética: sendo assim, não estranhamos que Luca e Alberto enxuguem-se com muita celeridade (inclusive em relação às suas vestimentas), ignoramos a facilidade com que seus pais adaptam-se aos costumes da cidade onde buscam pelo garoto e desdenhamos inúmeras contradições abundantes no roteiro. Porém, é indispensável abrirmos um parêntese acerca das conotações ideológicas da trama.


Não obstante o enredo servir como uma metáfora potente contra os preconceitos destinados a quem é diferente (seja pela aparência, pela origem social ou pelos comportamentos desviantes), há alguns problemas gritantes no modo como Alberto convence Luca a desejar os produtos humanos - inicialmente, uma lambreta; posteriormente, um telescópio, depois que ele conhece uma estudante em férias - e na naturalização da pesca enquanto atividade provedora de benesses financeiras. O modo inquestionado como os mutantes marinhos passam a auxiliar o esquartejamento de peixes insurge-se como um dilema moral: será que as crianças da platéia compreenderão a complexidade das relações de exortação capitalista ali estabelecidas? É uma dúvida que requererá um debate vindouro sobre a recepção do filme, que goza dos atributos técnicos mui elogiados da produtora Pixar. 


Musicado com muita sensibilidade por Dan Romer, esta animação possui também um senso de humor bastante inspirado, em especial na composição dos familiares de Luca. Dentre eles, merece destaque o tio Ugo, que protagoniza uma cena assaz divertida após os créditos finais, aproveitando-se do histrionismo do dublador Sacha Baron Cohen. O vilão Ercole (Saverio Raimondo) é exageradamente afetado e os costumes italianos são apresentados de maneira caricatural. Nada que atrapalhe o charme do filme, a simpatia dos personagens e a necessária exortação ao conhecimento que configura o desfecho: que as diferenças interespecistas sejam bem aceitas, como as crianças fazem questão de demonstrar a cada gesto simples de colaboração lúdica! 


Wesley Pereira de Castro 

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