sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Festival de Gramado 2021: A SUSPEITA (2019, de Pedro Peregrino)


 Desde a abertura, o roteiro pretende fazer com que o espectador sinta-se tão perturbado quanto a sua protagonista, numa dupla via entre o compêndio de informações investigativas e as elipses mnemônicas descritas pela personagem no romance autobiográfico "Enquanto Anoitece". Por motivos óbvios, o longa-metragem "Amnésia" (2000, de Christopher Nolan) serve como parâmetro comparativo, ainda que as definições profissionais de suas instâncias narrativas sejam opostas. O que, no cômputo geral, é pouco relevante, em razão da inocuidade dos dados policiais trazidos à tona: o filme passa-se no Rio de Janeiro, em 2013, mas poderia situar-se em qualquer outra cidade e em qualquer época; o principal investigado é descrito como um chefe do tráfico de drogas, mas suas ações vilanazes são genéricas; a pseudo-intricada rede de corrupção policial que desvela-se, ao final, é absolutamente previsível e formulaica; e, por mais esforçadas que sejam as interpretações do elenco, não há substrato humano na composição dos personagens. É tudo excessivamente pasteurizado, sem emoção!


Emulando a tecnicidade dos filmes policiais hollywoodianos - filiando-se ao subgênero "drama de corregedoria" - esta produção soçobra por causa de sua montagem confusa (no sentido involuntário do termo) e pelo excesso de obviedades tramáticas: a personagem principal chama-se Lúcia, e, por estar num estágio inicial do Mal de Alzheimer, é requerido que ela mantenha a sua lucidez; na seqüência inicial, quando instala uma escuta telefônica no apartamento da namorada do principal investigado, ela distrai-se diante de uma fotografia, ao lado da qual há uma citação-chave, "decifra-me ou te devoro"; num 'flashback', ela é mostrada conferindo uma palestra, na qual compara os nós de uma rede de pesca aos meandros da memória humana, o que também é reforçado nas falas do escritor Miguel Yan (Bukassa Kabenguele), especializado nas relações entre "Jornalismo e Memória". Tudo no filme é evidente demais, exposto demais, sendo nulo o impacto de qualquer revelação do desfecho: a trama é tão esquecível quanto os lamentos da protagonista, no que tange ao abandono de suas preocupações familiares por causa da dedicação intensiva ao trabalho... 


Em meio à extrema burocratização do roteiro - que faz com que os diálogos entulhados de palavrões soem artificiais, além de erigir situações vagas, como a pouca importância concedida ao personagem eclesiástico de Genézio de Barros e as relações entre o bandido Beto (Daniel Bouzas) e a Igreja Católica -, um elogio transversal deve ser direcionado ao músico Edson Secco: malgrado ele não ser exitoso na instauração do clima de suspense pretendido pelo enredo, suas composições instrumentais ficam repercutindo na mente do espectador após a sessão, dada a efetividade grave de seus acordes. Pena que soe tudo muito incoeso, o que, nalguma medida, é anunciado nos versos que a protagonista digita no rascunho digital do que seria o seu legado literário após a perda da memória: "estou mais aqui, enquanto escrevo, do que lá, quando eu leio". Ela tentou, mas foi interditada pela corrupção de lugares-comuns de sua própria equipe (intra e extra-diegeticamente). Um filme vazio, infelizmente, indigno da perquirição implantada e dos esforços produtivos de Glória Pires! 



Wesley Pereira de Castro. 

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