domingo, 15 de agosto de 2021

Festival de Gramado 2021: O NOVELO (2021, de Cláudia Pinheiro)


 Malgrado serem projetos bastante distintos, há algo que permite que estabeleçamos comparações entre este filme e duas produções recentes da dupla de cineastas baianos Ary Rosa e Glenda Nicácio, "Até o Fim" (2020) e "Voltei!" (2021). Nos casos citados, os reencontros fraternais fazem com que sejam detectadas múltiplas tendências comportamentais, engendradas num mesmo ambiente familiar, de modo que as emoções surgem a partir do embate entre discordâncias longevas e memórias sufocadas. No díptico baiano, as protagonistas são mulheres, irmãs que metonimizam tendências conflitantes (e interdependentes) da política nacional; no caso do longa-metragem paulista, deparamo-nos com um quinteto de homens, irmãos que lidam de maneiras diferentes com as lembranças traumáticas da morte da mãe e do abandono do pai. A importância dos diálogos é central em todos estes filmes, mas a versão fílmica da peça de Nanna de Castro peca pela adesão apressada a uma narrativa repleta de chavões: os 'flashbacks' enfraquecem um enredo que acerta justamente quando assume a sua procedência teatral!


Ainda que evite a definição estrita de seu tempo diegético (estamos num período em que os telefones fixos são amplamente utilizados, o que é importante para a instauração do mote que obriga os personagens a se reencontrarem), o filme evita problematizar questões nacionais mais amplas: o que interessa à diretora são os dramas envolvendo os cinco irmãos, compostos de maneira heterogênea por seus respectivos intérpretes. Rogério Brito, por exemplo, ao vivificar um bem-sucedido escritor homossexual, compõe o seu personagem de maneira quase caricatural, o que é reiterado pela insistência da direção em sempre apresentá-lo ao som de ópera e em contextos que expõem suas contradições psicanalíticas elementares. Sérgio Menezes, por sua vez, dota o advogado Zeca de todos os estereótipos de cafajeste que o seu personagem exige e, ainda que seus resultados actanciais sejam irregulares, não se pode reclamar de inverossimilhança. Nando Cunha é exitoso em evidenciar toda a fadiga que dilacera o envelhecido Mauro, enquanto os dois outros atores respondem pelos momentos mais efetivamente emocionantes do filme...


Rocco Pitanga ficou encarregado de angariar a nossa empatia em relação a alguém que padece de explosões iracundas e de um alcoolismo recorrente, dotando-o de muita ternura refreada e da fragilidade correspondente ao seu desempenho fraternal como segundo em comando, visto que demonstra-se o mais cuidadoso em questões de higiene doméstica e situações afins. Já Sidney Santiago Kuanza faz jus à responsabilidade de tornar Cacau um personagem identitariamente complexo, visto que ele traz à tona a metalinguagem teatral que serve também como comentário psicológico para assuntos não abordados (mas emulados) na trama. Tanto que, nas diversas vezes em que ele aparece ensaiando um determinado texto, parece estar desabafando acerca de questões biográficas, envolvendo a sexualidade precoce. Além disso, a sua aparência afetada contribui para um dos mais evidentes anseios discursivos do filme, que é a ressignificação dos papéis masculinos tradicionais, de modo que é precisamente Cacau quem protagoniza os dois instantes de maior interação entre os irmãos: quando os convoca para retomar, na sala de espera de um hospital, as atividades de tricô ensinadas por sua mãe moribunda (interpretada pela mui expressiva Isabél Zuaa); e quando instala um divertido desconforto fisiológico ao defecar enquanto um dos irmãos escova os dentes e o outro suporta uma cólica estomacal debaixo do chuveiro. 



Infelizmente, o filme parece descrer da potencialidade dramatúrgica de suas falas, abusando de recursos cinematográficos entulhados de pieguice, incluindo-se todas as questões referentes ao reencontro tardio com um familiar desaparecido há mais de trinta anos. Seja como for, é uma obra que beneficia-se da inevitável identificação emocional de seus espectadores, que faz com que deparemo-nos com dores recorrentes, acalentadas no desfecho um tanto súbito e a partir da canção sensível que é executada durante os créditos finais. A direção de Cláudia Pinheiro acerta muito mais quando permite-se despojar dos recursos acessórios e focalizar em seus dois grandes trunfos, oriundos do roteiro: as interpretações e os diálogos. Quando esses dois elementos são priorizados, as boas intenções do filme são concretizadas! 



Wesley Pereira de Castro. 

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