quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Festival de Brasília 2021: LAVRA (2021, de Lucas Bambozzi)


Servindo-se da mesma estrutura híbrida que balizou "Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo" (2009, de Marcelo Gomes & Karim Aïnouz) ou "Pajeú" (2020, de Pedro Diógenes) - no que tange aos encontros documentais que ocorrem em meio a um trajeto ficcional de caráter topofílico -, este filme expõe a devastação ambiental financiada em várias cidades do interior de Minas Gerais. Definindo esse Estado como aquele que foi "construído sobre a fé o extrativismo", a narradora pergunta-nos, em tom de lamento: "o que remove mais montanhas?". Na cartografia afetiva então desenhada, Camila (Camila Mota) volta para o Brasil após anos morando no exterior, onde estudara Geografia. Da mesma maneira que há superposições em suas pesquisas sobre a extinção da vegetação regional, visto que os mapas estão em constante transformação, as imagens fílmicas são também fundidas, aproveitando inclusive trabalhos anteriores do diretor, que denunciam os crimes praticados pelas companhias de mineração nas localidades abordadas. Como conseqüência inevitável, a solastalgia, angústia emocional advinda dos danos causados ao meio ambiente... 


O ponto de partida para o retorno da protagonista foi o rompimento da barragem da Samarco, em 2015, na cidade de Mariana, que causou muitas mortes e uma degradação ecológica de proporções exorbitantes: o Rio Doce, por exemplo, foi contaminado por lama tóxica, de modo que suas águas não servem mais para criação de peixes, agricultura e, principalmente, consumo humano. Camila passeia por lugares abandonados e destruídos, enquanto conversa com pessoas que insistem em permanecer nos lugares onde foram criadas. Visita a cidade-natal do poeta Carlos Drummond de Andrade [Itabira, conhecida pela quantidade alarmante de suicídios] e encontra líderes que opõem-se à implantação de novas áreas de escavação. É quando rebenta a barragem de Brumadinho, em janeiro de 2019. Mais pessoas morrem, fauna e flora são fatalmente atingidas e inúmeras denúncias são feitas. Torna-se cada vez mais difícil para Camila sentir-se parte de algum lugar!



Ao longo do filme, a câmera não é interpelada por nenhuma das pessoas com quem Camila interage, o que reforça a indiscernibilidade entre documentário e ficção. Porém, ela própria começa a mostrar-se de maneira inteiramente participativa (no início, ouvimos a sua voz e vemos apenas parte de seu corpo, como se o seu olhar estivesse sendo reproduzido enquanto prolongamento subjetivo), assumindo a sua alienação involuntária, declarando que o que está testemunhando serve como uma carta de advertência para mais espectadores. O didatismo torna-se explícito, o que já ficara evidente no encontro com o líder indígena Ailton Krenak, que reforça a importância das associações entre existência cotidiana e sonhos, em sua comunidade, e conceitua progresso como sendo "a queda do céu". A duração estendida do percurso (1h41') passa a ser atravessada por algumas redundâncias (vide a fala de Camila num encontro de mulheres ativistas) e os pesadelos recorrentes da personagem são transmitidos na tela. É um roteiro que conscientiza e emociona, mas que, nalgum momento, sobrecarrega o resultado com as suas intenções estritamente demarcadas, direcionando a reflexão para um propósito bastante específico. Isso é um problema? Não necessariamente. Mas faz com que a fluidez narrativa do início seja substituída por um discurso um tanto previsível, ainda que sumamente necessário. Seja como for, é uma produção que cumpre o seu itinerário de maneira efetiva: alguns dos neologismos utilizados neste texto foram aprendidos no filme! 



Wesley Pereira de Castro. 

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