domingo, 23 de outubro de 2022

Mostra SP 2022: CORAÇÕES GENTIS (2022, de Gerard-Jan Claes & Olivia Rochette)


Durante a sessão, muitas vezes esquecemos que estamos diante de um documentário, tamanha a desenvoltura dramática do casal protagonista, ambos com dezoito anos de idade mas uma maturidade exemplar. Enquanto Lucas revela-se indeciso, não obstante ser bastante arrojado enquanto acompanhante musical da talentosa Charlotte Meyntjens, Billie revela-se compenetrada em suas vocações acadêmicas, que desembocam na insegurança relacional: quanto mais ela estuda, mais desamparada sente-se, em âmbito social. Sabe que ama Lucas, mas teme não estar mais apaixonada por ele. E, de repente, chega a quarentena exigida pela pandemia da COVID-19...


A direção utiliza com precisão os recursos de campo/contracampo durante as conversas dos protagonistas, mesmo quando estão em contextos íntimos: lemos o que eles escrevem em seus computadores e telefones celulares, além de praticamente adivinharmos o que eles estão pensando, tamanha a habilidade da condução ficcional de eventos reais. Neste sentido, a apresentação do casal adolescente, durante um passeio num balanço sobremaneira elevado em relação ao chão, surge como uma espécie de seleção profissional: diversas pessoas reagem ao temor suscitado por essa empreitada, manifestando reações distintas ao medo. Alguns prometem rezar, caso desçam em segurança; outros divertem-se com os gritos alheios. Lucas e Billie planejam o que farão quando estiverem na Universidade, em Bruxelas: "o que será que aconteceria se morássemos juntos?".


Os momentos de inspiração romântica são variegados, surgindo em meio a diálogos corriqueiros, desde a quantidade de semanas em que um cachorro está sem tomar banho até a escolha das palavras que serão aprendidas em inglês, já que ambos comunicam-se predominantemente em holandês. Há algo de assexuado no modo como o casal interage, em contraposição ao clima erótico que se insinua quando Lucas e Charlotte estão no mesmo quarto. Aliás, esta talentosa cantora é a melhor descoberta do filme, com seu estilo de 'trip-hop' que emula a banda britânica Portishead e o trio belga Hooverphonic. Infelizmente, a guinada alleniana no trecho final do documentário, quando Lucas e Billie refletem acerca do que perderam com o término do namoro, não possui o mesmo charme que o restante do filme, que torna-se um tanto formulaico em sua conclusão. Em questões namoratórias, quem é mais imitada, a arte ou a vida? 


Wesley Pereira de Castro.

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