segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Mostra SP 2022: O ESTRANHO CASO DE JACKY CAILLOU (2022, de Lucas Delangle)


Num primeiro momento, este filme parece abordar a mesma perspectiva dramática levada a cabo por Agnieszka Holland em "O Charlatão" (2020). Ou seja, a análise da conjuntura rural que permite que um camponês simplório perceba-se capaz de curar outrem, ainda que seja alvo de desconfiança pelas pessoas ao seu redor. Diferente da lógica biográfica daquele filme, aqui, o diretor estreante em longas-metragens opta por assumir a fantasia: inicialmente, enquanto reflexão acerca da solidão íntima de um personagem e, logo em seguida, como trama de gênero, num flerte ostensivo com o terror. Instaura-se o lastro da incompletude, através de interessantes pontos de fuga...  


O personagem-título (vivido por Thomas Parigi) vive com a sua avó curandeira (Edwige Blondiau), ciente de que, nalgum momento, dará continuidade ao seu trabalho místico. Ocorre que ele tem pretensões de converter-se em músico 'indie', apresentando-se eventualmente num bar local. O pedido de ajuda de uma moça chamada Elsa (Lou Lampros), molestada por uma impingem crescente nas costas, faz com que ele perceba o que lhe faltava na consecução dos atos de cura transmitidos por sua avó, a sensualidade. Elsa refere-se à observação do movimento das folhas como uma linguagem, o que deixa-lhe encantado. Porém, ao permitir o desenfreamento de seus anseios libidinosos, Jacky será obrigado a unir-se à sua comunidade na perseguição ao lobo que vem matando alguns animais na região. Calhará de esta ser uma mutação monstruosa da própria Elsa, que, convertida na fêmea de um lobisomem, admite "nunca ter se sentido tão livre na vida"!


Interpretado por um elenco que parece emprestado de um filme do Bruno Dumont, o roteiro deste filme metaforiza os receios da autodescoberta, no sentido de que a necessidade premente de tomar decisões obriga o indivíduo a lidar com situações inevitavelmente arriscadas. A fim de testar a possibilidade de ser capaz de curar um ser moribundo, Jacky envolve um pássaro ferido com as mãos, prendendo-o posteriormente numa gaiola, sem esperanças efetivas de que ele se recupere. Noutra seqüência,  ele estará aprisionando a própria Elsa em seu quarto, após deixá-la inconsciente com uma pedrada na cabeça. Ele não conseguirá conter os seus recentes instintos assassinos, da mesma maneira que, repentinamente, passa a ser reconhecido por seus vizinhos como herdeiro dos dons curativos de sua avó. Como expurgar alguém de um mal-estar quando é-se pessoalmente atormentado pela baixa autoestima e pela repressão afetiva? A pergunta aplica-se tanto ao protagonista quanto ao filme em si, visto que ele é maculado pela indefinição rítmica, entre a primeira e a segunda metade. Resta o impacto dúbio da tentativa!



Wesley Pereira de Castro. 

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