quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Mostra SP 2022: A SAÍDA ESTÁ À NOSSA FRENTE (2022, de Rob Rice)


Antes que possamos organizar mentalmente aquilo que estamos achando deste quase-documentário sobre o 'white trash' estadunidense, percebemo-nos sentindo um afeto legítimo por aqueles personagens socialmente disfuncionais , mas legitimamente afetivos. De acordo com a sinopse, o elemento nodal é a doença terminal enfrentada pelo chefe de família Mark (Mark Staggs), porém essa é disfarçada até para nós mesmos, espectadores, a fim de não estragar os planos da carismática Cassie (Nikki DeParis), prestes a mudar-se para a cidade grande, em busca de melhores condições empregatícias. Acompanhamos, ao longo da curta duração do filme (1h27'), um cabedal de despedidas, que culmina na inevitabilidade da morte como aplicação da metáfora que um dos personagens tece, pendurado num balanço... 


Em mais de um momento, Mark é mostrado tentando resolver problemas via 'telemarketing', sendo aprisionado nas cadeias eletrônicas das mensagens automáticas. Sua esposa Tracy (Tracy Staggs) esforça-se para mantê-lo bem-humorado e para que ele não desista de tomar os seus remédios. O casal é cercado por vários cachorros, e vários de seus parentes interagem durante as festas de final de ano: alguns, com violência (o namorado de Cassie, por exemplo); outros com inusitada ternura, como o primo maconheiro da jovem. Em mais de um sentido, é um filme que não julga os seus personagens (colaboradores do projeto, em verdade), fazendo com que compreendamos os sentimentos, para além das condições evidentes de pauperismo. 


A fotografia é sobremaneira cálida, conforme requer o clima desértico daquele ambiente, e a montagem é elíptica, reforçando o caráter excessivamente independente da produção. Demoramos para compreender devidamente as relações entre os personagens, mas afeiçoamo-nos não apenas à candura de Mark e Cassie, mas também ao ex-presidiário que tornou-se um cristão amante dos animais, à transexual criadora de ofídios que sente-se chateada quando um parente invade um de seus quartos e àquela família extensa e heterodoxa como um todo, que sabe diferenciar muito bem "a glória de Deus" da "glória dos norte-americanos". Eis a realidade que transforma e é transformada, ao ser convertida em Arte! 


Wesley Pereira de Castro. 

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