sábado, 29 de outubro de 2022

Mostra SP 2022: TARTARUGA SOB O SOLO (2022, de Shishir Jha)


Numa cena aparentemente circunstancial, o casal protagonista assiste a um telejornal que menciona um evento sobre discussão dos impactos ecológicos dos intervenções humanas no meio ambiente, Isso desperta a atenção de ambos, visto que eles lidam com uma situação vicinalmente catastrófica, em que a mineração de urânio na região vem contaminando e matando animais e pessoas. Como este evento acontecia no Brasil, dá para traçar um paralelismo imediato entre o que ocorre no interior daquele povoado rural indiano e os crimes ambientais que são comumente noticiados na Bahia e em Minas Gerais. Em comum, a sensação de impotência frente ao envenenamento progressivo das reservas aquáticas naturais. E a vontade de resistir!


Além das questões referentes à tragédia ambiental, o casal lida com uma tragédia íntima, a morte de uma filha, o que faz com que a mulher (Mugli Baskey) aja de maneira depressiva, não queira sequer se arrumar, a fim de participar das celebrações locais. Seu esposo (Jagarnath Baskey) esforça-se para mantê-la motivada, sobretudo no que diz respeito à necessidade de continuarem vivendo onde estabeleceram residência, a despeito dos mandados contínuos de expulsão, provenientes de uma empresa mineradora. Ela sente-se solitária e desamparada, mas, depois assustar-se perante a possibilidade de uma nova ausência, adere à peroração musical do desfecho: "não alimente a tristeza, seja ela grande ou pequena". É um conselho que também serve para nós, espectadores. 


Demarcado por muitas canções, já trata-se de um filme que focaliza uma comunidade com costumes folclóricos, esse roteiro também possui personagens que chamam a atenção para o quociente de alienação política imiscuído entre as celebrações cotidianas: "enquanto estamos aqui cantando, eles nos expulsam de nossas terras", comenta alguém, antes de participar da leitura coletiva de uma notícia de jornal, sobre a exortação de um contexto em que uma formiga pode vencer um elefante. Trata-se de uma metáfora condizente com o aspecto cosmogônico da trama, evidente desde o título, referente aos trabalhos ancestrais de uma tartaruga e uma minhoca místicas. Ao ser decretado, desde o início, que "o verdadeiro fantasma é o urânio", o roteiro do próprio diretor permite a inserção de efeitos visuais numa condução tramática assaz realista, que demonstra algo essencial: em situações de combate, é urgente que apoiemo-nos mutuamente. Seja nas oferendas simbólicas que transmitimos aos nossos entres queridos, seja na colaboração característica dos mutirões, além da musicalidade concatenadora, que atravessa todos os momentos. Reiterando o ditado popular, juntos somos efetivamente mais fortes! 


Wesley Pereira de Castro. 

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