sexta-feira, 22 de setembro de 2023

ESTRANHA FORMA DE VIDA (2023, de Pedro Almdodóvar)


Não obstante sermos capazes de identificar, neste curta-metragem, traços característicos do cinema almodovariano, ele parece estar bem menos à vontade com o idioma inglês que na experiência anterior [o ótimo "A Voz Humana" (2020)]: ao apropriar-se de elementos caros ao gênero 'western', mas sob a corruptela do romance homossexual interditado, o realizador incorre numa autocensura estilística, de modo que este filme chama mais a atenção pelos rumos sinópticos, deixados em aberto, que pela relevância dos partícipes técnicos envolvidos... 


Trabalhando novamente com o fotógrafo José Luis Alcaine e, principalmente, com o músico Alberto Iglesias, o diretor e roteirista espanhol, infelizmente, parece sabotar a si mesmo, dotando a trama de uma pudicícia vetusta, ao menos compensada pela entrega de seu elenco: Pedro Pascal, lamentavelmente, não dispõe de tempo suficiente para complexificar a sua participação actancial, no sentido de que o propalado reencontro amoroso possui um interesse escuso, mas Ethan Hawke aproveita com galhardia seus traços fisionômicos (e vocais) rudes, a fim de delinear um personagem que sufoca os seus desejos incompreendidos através da diligência profissional; e, na única seqüência em que comparece, George Steane demostra-se como um reencarnação encrudescida dos arquétipos que povoaram as obras exordiais do realizador. O desfecho do filme, por sua vez, é embasado numa temática que ronda toda a filmografia de Pedro Almodóvar: a dedicação de um algoz em cuidar, mui zelosamente, da pessoa que feriu, justamente por amar demais. Na imagem final, em que os créditos são exibidos enquanto cavalos descansam num rancho, o curta-metragem justifica a sua existência discursiva, ainda que seja um trabalho não tão memorável de seu autor. 


Dentre os indicativos de debilidade formal deste filme, podemos enfatizar: a montagem de Teresa Font (colaboradora recorrente do diretor, em suas últimas produções), que deixa a má impressão de compacto de episódio-piloto de uma série de TV ou de um 'trailer' estendido; a artificialidade da aparição de Manu Ríos, que dubla de maneira pouco imersiva a canção titular de Caetano Veloso; e o refinamento posado com que as situações eróticas são filmadas, todas sob o jugo publicitário do principal patrocinador, a grife Saint Laurent. Ainda que o desfecho seja reconhecível, enquanto abordagem continuada das questões que interessam ao realizador - tal qual susomencionado -, o curta-metragem é quase inautêntico na introdução da permissividade lasciva que culminou em roteiros outrora polêmicos, como os de "A Lei do Desejo" (1987) e "Fale com Ela" (2002), para ficar em dois exemplos da excelência de um cineasta que sucumbiu ao cansaço das concessões parahollywoodianas. Um sintoma preocupante de seu desgaste criativo! 



Wesley Pereira de Castro. 

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