terça-feira, 22 de outubro de 2024

Mostra SP 2024: O VAQUEIRO (2024, de Emma Rozanski)


Num diálogo circunstancial, porém mui elucidativo acerca das intenções discursivas desta produção, Bernícia (Natalia Cortés Rocha) comenta com sua tia e sua irmã que decepcionou-se um pouco com o faroeste antigo que acabaram de ver. O motivo: segundo ela, havia muitas cenas de ação, e preferia que os personagens apenas cavalgassem e observassem a paisagem. Suas interlocutoras comentam que, sem os tiroteios, o filme ficaria monótono, ninguém gostaria de assisti-lo. Ao que a protagonista retruca: "quem gosta de meditar, gostaria, sim". Para ela, isto representa a descoberta de um reconhecimento identitário, que confunde-se com o próprio filme que estamos vendo, na placidez com que a trama se desenrola... 



As situações acontecem de maneira corriqueira: enquanto trabalha num restaurante que fica num parque florestal onde turistas costumam fazer trilhas, Bernícia percebe uma égua perdida na vizinhança. Ela não tem lembranças de já ter montado num cavalo antes, mas passa a ficar obcecada pelo animal, chegando mesmo a dormir no rancho em que o eqüino vive deixando as suas parentas preocupadas, já que ela não possui sequer um telefone celular para enviar mensagens. A partir daquele momento, esta personagem não apenas sentirá que "está aqui" no mundo, mas escolherá para si mesma uma personalidade, para a qual busca inspiração em filmes antigos - no caso, obras da década de 1930, dirigidas por Robert N. Bradbury [1886-1949], que estão sob domínio público. 


Conduzido com extrema simpatia pela diretora, este filme apresenta um carinhoso panorama sobre a vida no interior de uma cidade colombiana, em que as notícias violentas associadas ao país estão distantes. Bernícia ressignifica a sua própria solidão, ao encontrar a vestimenta de vaqueiro que começará a utilizar em tempo quase integral. Sua irmã Edita (Paola Abril) a apoia integralmente, mas a decisão dela por dedicar mais tempo para si mesma instaurará alguns conflitos, no sentido de que ela era enxergada apenas como um arrimo familiar, como a babá de seus sobrinhos. Neste sentido, o filme cativa-nos pelo modo como valoriza o sutil empoderamento de uma mulher sem muitas perspectivas, que se reconhece capaz de cuidar de um rancho e até mesmo de fazer amizades, como ocorre com o mochileiro Tobi (Lennart Hermanns), que passa uma noite consigo, bebendo uísque e aguardente. Um enredo deveras simpático sobre autodescoberta, portanto!



Wesley Pereira de Castro. 

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