Assistindo-se a este filme com certo distanciamento em relação à época em que os eventos foram retratados - ou seja, num contexto em que já existe uma vacina para a COVID-19 -, percebemos que o documentário em pauta é ainda mais valoroso em seu pendor político, no sentido de que ele posiciona-se frontalmente contra os desmandos perpetrados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. O fato de uma das diretoras ser formada em Medicina reitera o aspecto mais destacável do filme, que é o seu elogio reiterado ao desempenho dos profissionais que compõem o SUS (Sistema Único de Saúde), no Brasil.
Ainda que não haja intervenção explícita de um narrador onisciente, a montagem do filme possui diversos instantes condutivos, sobretudo nas seqüências protagonizadas pela médica baiana, que, ao atuar num complexo prisional, aproveita a oportunidade para tecer alguns comentários sobre o racismo, manifesto até mesmo no modo como algumas doenças são erradicadas. Em razão de possuir evidente cabedal discursivo, de cunho militante, ela age como se fosse a co-diretora interna de suas participações, de modo que, ao ser mostrada atendendo aos seus pacientes, suas intervenções são reforçadas pela pujança sociológica das canções que ouve - entre elas, "Vida Loka (partes 1 e 2)", do grupo Racionais MC's, e "Strange Fruit", da cantora Billie Holiday. Como tal, suas falas destoam do que é filmado nos demais localidades registradas pelas documentaristas.
Focalizando o cotidiano de um hospital em São Paulo, os percursos de agentes comunitários em Recife e as dificuldades enfrentadas pelos médicos em regiões ermas de Amazonas e Pará, este filme opta pela comprovação da determinação otimista que é adotada como epígrafe: um trecho do romance "A Peste", de Albert Camus, em que é afirmado que aprende-se no meio dos flagelos que "há nos homens mais coisas a admirar que coisas a desprezar". De fato, é o que percebemos. Vide a ternura das enfermeiras que sintonizam a canção favorita ["Princesa", de Amado Batista"] de um senhor adoentado, o reconhecimento dos ensinamentos do xamã de sua tribo, por parte de um médica com ascendência indígena, e o emocionante momento em que uma idosa chama uma médica de "menina", a fim de perguntar se pode comer macaxeira durante a quarentena. É um filme que faz jus à ressignificação de sílabas contida na canção " Mortal Loucura", composta por José Miguel Wisnik a partir de um poema de Gregório de Mattos, que aparece nos créditos finais em bela interpretação de Mônica Salmaso. Levando à frente o importante jargão: "viva o SUS"!
Wesley Pereira de Castro.
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