sábado, 18 de janeiro de 2025

O CÔRO DO TE-ATO (2023, de Stella Oswaldo Cruz Penido)


A despeito do subtítulo "Ver com Olhos Livres", um aspecto que decepciona um pouco neste documentário é justamente o convencionalismo de sua formatação: há interessantes estratagemas discursivos (a ausência de legendas explicativas; a alinearidade dos relatos, que coaduna-se ao elã mnemônico; o contributo experienciado da própria diretora), mas a montagem comedida confere à obra um tom televisivo, inclusive no que tange à divisão tácita em blocos temáticos. No início, os ex-integrantes do grupo reencontram-se, em 2014. Pouco a pouco, suas lembranças invadem a tela, sendo valiosas as informações compartilhadas com o público, sob os auspícios da ótima trilha musical de Flávia Tygel. 


Sem aderir à tentação contextualizante, a diretora evita um dos maiores cacoetes documentais, que é a narração condutiva. Ao invés disso, tem-se a surpresa legítima dos próprios depoentes, revisitando imagens, objetos e recortes de jornais que alguns sequer lembravam que existiam. Neste sentido, o filme é deveras eficaz, ao fazer com que os espectadores experimentem algo semelhante aos partícipes do grupo titular, além de nos emocionar efetivamente, ao permitir que vejamos o insigne Zé Celso Martinez Corrêa [1937-2023] em ação. Assim, compreendemos a sua proposta mui inovadora, que foi a de espalhar uma ramificação do Teatro Oficina por diversos Estados brasileiros, em plena época ditatorial, conclamando as pessoas a participarem daquelas demonstrações de puro júbilo e liberdade. Até que, em 1979, alguns integrantes foram aprisionados, em Sergipe... 


É assaz proveitoso comparar as fotografias (algumas, despidas) daquelas pessoas, em extrema cumplicidade, com a maneira empolgada com que eles conversam, mais de trinta anos depois. Deve-se prestar menção elogiosa, também, às seqüências em que cadernos e diários antigos são folheados, bem como às situações em que os filhos dos atores verificam recordações de quando eram bebês. Outro ponto alto do documentário é o breve segmento sobre a convivência numa instituição psiquiátrica, onde os intérpretes interagiram com o artista Arthur Bispo do Rosário [1909-1989], que foi internado por conta da esquizofrenia. Ao término da sessão, desejamos saber mais sobre aquelas pessoas e situações, de modo que, ainda que o documentário seja bem menos efusivo que produções congêneres sobre o Teatro Oficina, ele estimula a imaginação e os sentimentos do público. Ou seja, "O Côro do Te-Ato" exorta-nos a reviver os ímpetos libertários dos envolvidos no dever cívico de revoltar-se contra a ditadura militar, valorizando a brasilidade originária. Evoé! 



Wesley Pereira de Castro.